sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Ponto de Situação

Ainda é Janeiro e 2020 já me está a parecer um ano que promete espalhar o caos e a confusão na cabeça dos cidadãos. 

No mundo, já tivemos um atentado terrorista dos EUA a um alto militar do Irão, atentado esse que animou uma tensão tremenda entre ambas nações - que por 'acidente' bem podia resultar numa guerra, dado o nível de insanidade que impera nas lideranças dessas nações - e que, devido ao facto da Europa não possuir uma política externa própria e independente, também ameaçava arrastar o velho continente para o meio daquela loucura. Os líderes políticos europeus bem que se podem queixar do Donald Trump, mas, como insistem fazer há mais de 70 anos, no final do dia, fazem exactamente aquilo que Washington manda. Portugal tem sido um clássico exemplo disto. Por outro lado, temos agora aquilo a que chamam um surto epidémico, na sequência do qual a Organização Mundial de Saúde da ONU (instituições pelas quais tenho grande respeito) já declarou estado de emergência internacional de saúde pública. Tudo isto graças a uma epidemia a que chamam coronavírus, que já infectou mais de 8000 e matou algumas centenas, tendo a China como nação originária deste alastramento, e que tem causado grande reboliço aqui na Europa. Se me perguntarem - e compreendo e aceito perfeitamente o especialista em medicina que venha ler isto, considerar que quem o escreve é um grande grunho - acho que tudo isto não passa de uma trovoada que ao longe ribomba e que se silenciará num instante. Mas não pense o leitor que eu tenho aversão pela comunidade chinesa e que sou indiferente à população de Wuhan, isso eu não admito. Mesmo anteontem, não fossem os funcionários notificar-nos que o buffet estava prestes a ficar fora de serviço, eu e a minha mãe tínhamos almoçado no Restaurante Chinês aqui de Portalegre, sem a mínima reserva. A verdade é esta: todos os invernos há novas epidemias e gripes a serem noticiadas, e todas elas prometem ser a vinda de Satanás. Veio a gripe das vacas loucas, veio a gripe das aves, a gripe A, soaram alarmes com o Ébola (que em África é um caso verdadeiramente grave), depois ainda veio a Legionella, e agora temos esta... até que, em breve, se deixe de falar nela porque a estória já foi esgotada e esmifrada, precisamente como sucedeu com as outras epidemias mencionadas. A comunicação social precisa de vender notícias e as farmácias precisam de vender medicamentos, e para que a máquina rode há que lhe dar gás, e nada comum a ambos os domínios da sociedade pode vender tanto como uma epidemia ocasional. É uma parceria. Eu aprendi a não confiar muito nos periódicos alarmes de gripes e epidemias porque sei o que sectores de saúde e muita comunicação social - e a Igreja já agora - disseram do HIV nos anos 80. Qualquer epidemia deve ser enfrentada sem medo nem alarmes desnecessários. Quando a histeria suplanta a razão, é aí que devemos temer. Que a China contenha o surto, que cá na Europa, um continente onde existem condições de saúde e higiene incomparáveis, continuaremos a viver os nossos dias na maior normalidade... pelo menos assim é que devia ser.

Fora do mundo, cá por casa, na República Portuguesa, também tem havido muita confusão deliberada. Ora é a novela da deputada Joacine (que se revelou uma triste política) com o LIVRE, ora são as bacoradas ocasionais proferidas pelo deputado André Ventura, e a militância assumidamente nazi que o segue. E enquanto Ventura dá tudo por tudo para se assemelhar ao maior imbecil do mundo, não tendo respeito por nada ou ninguém, nem se quer por Portugal, a República vai assobiando para o lado, achando que é só pose, ou que não devemos leva-lo a sério. Se bem me recordo, essa foi precisamente a mesma estratégia usada para encarar Trump ou Bolsonaro antes de estes chegarem ao poder. Também a filha do antigo Presidente de Angola tem dado muito tema de conversa, uma vez que - sem nenhuma surpresa da minha parte - há suspeitas que ela seja uma criminosa financeira do mais alto nível. É estafante, e mais estafante se torna quando sentimos (entenda-se eu) o dever de ouvir o comício do José Miguel Júdice (juro que um dia destes lhe dedico um texto), semanalmente, na SIC. Eu ouço-o para estar a par, claro, daquilo que vai na cabeça da Direita conservadora e reaccionária de Portugal, e deixem-me dizer que é horrivelmente fascinante. E por falar em Direita, também as novelas da guerra do poder que tem tido lugar, neste mês, no CDS e no PSD, têm sido, apesar de previsíveis, deveras hilariantes e dignas de objecto de entretenimento. O Francisco Rodrigues do Santos, alias Chicão, apresenta-se como o novo macho alpha da política portuguesa, prometendo uma Nova Direita que cortará todas as cabeças da hidra da Esquerda portuguesa. Quanto a mim, ficarei na primeira fila assistindo à sua épica e valorosa aventura. E enquanto tudo isto acontece, tem havido a ocasional agressão, o recorrente homicídio, e as tensões raciais erguem-se, tímidas, uma vez por outra. Este mês tem sido tudo, menos entediante.

E no turbilhão de toda esta massa de acontecimentos, eu paro, os meus olhos limitam-se a tentar observar, a tempo real, os fenómenos humanos que estão em andamento, e aquilo que eu julgo observar não é reconfortante. Sinto os humanos cederem, lentamente, às promessas de ordem e alegada segurança, em troca da sua liberdade. Poderão dizer-me que eu não devo viver na ilusão de saber o que é melhor para as pessoas. Embora considere que isso não é argumento, entendo perfeitamente essa resposta, todavia, falamos de liberdade, e não autorizo ninguém a vender a minha liberdade em troca da sua própria ordem ou segurança. Em Portugal, uma nação que está no pódio dos países mais pacíficos e tranquilos do mundo (e não sou eu que o digo, são as agências internacionais especialistas no assunto), tenta-se vender a ilusão de que a violência enche as ruas de sangue, como se em São Paulo estivéssemos, e que nós próprios nos afogamos nesse sangue, e que a única salvação do afogamento será se recuperarmos a tradição dum Portugal totalitário e repressor, encabeçado por um novo Chefe, um novo Salvador da Pátria. A tragédia de tudo isto é que há cidadãos a comprar esta ilusão. Compram ilusões como se compra ópio. São aquilo que podemos chamar de hipocondríacos políticos. Nas ruas, tem sido difícil encontrar ousadia em sonhar com maior liberdade, com intuitos revolucionários, com aspirações por um mundo sem messias, profetas, deuses ou demónios. 

Tudo isto não passa de pensamentos que eu submeto no meu Pensatório, para que um dia não enverede na desgraça de os deixar cair no Oblívio.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A Década ainda não Terminou!

Venho um pouco tarde, mas melhor tarde que nunca. A década ainda não acabou. Apesar do que tem sido muita da opinião pública difundida, a segunda década do Século XXI do 3º Milénio, do Calendário Gregoriano, ainda não findou e só findará no dia 31 de Dezembro deste ano, 2020. 

Já ouvi e li que o tempo é um conceito abstracto, que a sua medição é um aspecto muito relativo, contudo, o calendário que a nossa sociedade segue não é uma coisa nem outra. Um calendário é um sistema de medição, preciso, com regras matemáticas, e cuja utilidade - que muitos a apregoam como mera formalidade abstracta - serve a nossa orientação no ciclo dos dias e dos tempos. Há vários milénios - desde as invenções dos modelos matemáticos, na Babilónia e no Egipto, 3000 anos antes do nascimento de Jesus Cristo, de acordo com o presente calendário - que os calendários são utilizados para servir tais propósitos. Por conseguinte, a Humanidade já conheceu uma miríade de calendários, maior parte deles não sendo utilizados por nenhuma sociedade dos nossos dias. Mas que seja incidido o foco no calendário que utilizamos. 

O Calendário Gregoriano - seguido em quase todo o mundo, com notáveis excepções para a China e certas sociedades islâmicas - entrou em vigor há quase 438 anos, por decreto do Papa Gregório XIII. Antes deste calendário, vigorava na Europa o Calendário Juliano, proposto por Júlio César (46 anos antes do nascimento de Jesus Cristo segundo o nosso calendário) e definido por astrónomos e matemáticos helénicos, entrando em vigor no ano 709 AUC (que significa Anno Urbis Conditae, ou seja, 709 anos desde a fundação da Cidade de Roma), de acordo com o Calendário Juliano, (45 a.C. de acordo com o Gregoriano). O Calendário Juliano, por sua vez, é uma reforma do Calendário Romano usado durante os primeiros séculos de Roma. Apesar do leitor mais atento já ter reparado, convém frisar que aquando da entrada em vigor do Calendário Gregoriano, as nações que assim o adoptaram imediatamente, como Espanha, Portugal ou a República de Veneza, iniciaram o calendário no ano 1582 (logicamente, o número de anos, por convenção, desde o nascimento de Cristo). Fazendo uma ressalva, confesso que este não é, de todo, um calendário que goste. Considero o Calendário Juliano (isto é, a contagem dos anos desde a fundação de Roma) muito mais significativo, devido à herança positiva que a cultura helénica-romana deixou à Humanidade, ou até mesmo o Calendário da Revolução Francesa [adoptado nos territórios de França entre 1792 (I) e 1805 (XIV)] que eliminou qualquer elemento religioso ou monarquista do calendário, substituindo-os por elementos naturalistas. Mas não é isso que aqui está em discussão.

Fazendo este muito oportuno enquadramento ao Calendário Gregoriano, é altura de explicar, finalmente, porque é que a década ainda não terminou. A razão primeira para isso é que nunca houve tal coisa como o ano 0. Os anos marcam, geralmente, o aniversário de algo ou alguém. O Juliano celebrava o aniversário de Roma, o Gregoriano celebra o aniversário de Jesus Cristo (ainda que este, também segundo o calendário, tenha nascido à meia-noite do dia 25 de Dezembro). Como tal, a transição da Era velha para a Era nova, no calendário, é feita do ano 1 a.C. para o ano 1 d.C [ou AD (Anno Domini) se for preferível]. Não havendo ano 0, significa que a primeira década da era Depois de Cristo foi do ano 1 até ao ano 10, e a segunda década foi do ano 11 até ao ano 20, e assim sucessivamente. E porquê? Bem, é bastante simples, a definição de década é "período de 10 anos", e como tal, no calendário, não poderá haver uma década que tenha mais nem menos. Se aceitássemos a premissa de que entrámos numa nova década e que, portanto, a década passada foi do ano 2010 até ao ano 2019 - e porque já está mais que sabido que não há coisa tão absurda como ano 0 - então a primeira década AD teria de ter compreendido apenas os anos 1 a 9, para a segunda década começar no ano 10. Ora tal é impossível do ponto de vista matemático e semântico porque isso seriam só 9 anos, não seria uma década. Para chegar a esta conclusão não é preciso muito, na verdade, é só puxar um bocadinho pela massa cinzenta, para não falar que, obviamente, não estou aqui a descobrir a pólvora. Desde os observatórios astronómicos, passando pelos historiadores, indo até à Wikipedia, afirmam o mesmo: a nova década iniciar-se-á em 2021. Tem tudo uma lógica - um milénio é composto por 10 séculos, um século é composto por 10 décadas, uma década é composta por 10 anos, um ano é regulado por uma translação completa da Terra em torno do Sol: 365 dias, ou 366 num ciclo quadrienal. Nada há aqui de abstracto ou relativo, é semântica e Matemática que todos os dias convenientemente usamos, e que não devemos deturpar por meros caprichos. E atenção, irónico é que quem isto escreve é um autêntico nabo em Matemática.  Da mesma forma que se afirma que a década ainda tem mais um ano de duração, também o último milénio, assim como o Século XX, terminou em 2000, e não no ano em que nasci, pelas mesmas razões já expostas. Foi aliás, com esta polémica que surgiu há mais de 20 anos, que a discussão deste assunto foi primeiramente trazida à mesa.

É também óbvio que este assunto não mata nem dá vida a quem quer que seja. Há questões de maior importância, contudo, julgo importante que esta verdade seja dita, e a razão para a facto da opinião pública ter esta convicção - em boa parte culpa dos Media, por outro lado por culpa da influência mundial dos EUA - reside no enorme desconhecimento dos assuntos historiográficos por parte das pessoas. As pessoas celebram o calendário sem terem grande consciência daquilo que celebram. Paciência. Não é grave. Só na última semana têm acontecido coisas piores...