Venho um pouco tarde, mas melhor tarde que nunca. A década ainda não acabou. Apesar do que tem sido muita da opinião pública difundida, a segunda década do Século XXI do 3º Milénio, do Calendário Gregoriano, ainda não findou e só findará no dia 31 de Dezembro deste ano, 2020.
Já ouvi e li que o tempo é um conceito abstracto, que a sua medição é um aspecto muito relativo, contudo, o calendário que a nossa sociedade segue não é uma coisa nem outra. Um calendário é um sistema de medição, preciso, com regras matemáticas, e cuja utilidade - que muitos a apregoam como mera formalidade abstracta - serve a nossa orientação no ciclo dos dias e dos tempos. Há vários milénios - desde as invenções dos modelos matemáticos, na Babilónia e no Egipto, 3000 anos antes do nascimento de Jesus Cristo, de acordo com o presente calendário - que os calendários são utilizados para servir tais propósitos. Por conseguinte, a Humanidade já conheceu uma miríade de calendários, maior parte deles não sendo utilizados por nenhuma sociedade dos nossos dias. Mas que seja incidido o foco no calendário que utilizamos.
O Calendário Gregoriano - seguido em quase todo o mundo, com notáveis excepções para a China e certas sociedades islâmicas - entrou em vigor há quase 438 anos, por decreto do Papa Gregório XIII. Antes deste calendário, vigorava na Europa o Calendário Juliano, proposto por Júlio César (46 anos antes do nascimento de Jesus Cristo segundo o nosso calendário) e definido por astrónomos e matemáticos helénicos, entrando em vigor no ano 709 AUC (que significa Anno Urbis Conditae, ou seja, 709 anos desde a fundação da Cidade de Roma), de acordo com o Calendário Juliano, (45 a.C. de acordo com o Gregoriano). O Calendário Juliano, por sua vez, é uma reforma do Calendário Romano usado durante os primeiros séculos de Roma. Apesar do leitor mais atento já ter reparado, convém frisar que aquando da entrada em vigor do Calendário Gregoriano, as nações que assim o adoptaram imediatamente, como Espanha, Portugal ou a República de Veneza, iniciaram o calendário no ano 1582 (logicamente, o número de anos, por convenção, desde o nascimento de Cristo). Fazendo uma ressalva, confesso que este não é, de todo, um calendário que goste. Considero o Calendário Juliano (isto é, a contagem dos anos desde a fundação de Roma) muito mais significativo, devido à herança positiva que a cultura helénica-romana deixou à Humanidade, ou até mesmo o Calendário da Revolução Francesa [adoptado nos territórios de França entre 1792 (I) e 1805 (XIV)] que eliminou qualquer elemento religioso ou monarquista do calendário, substituindo-os por elementos naturalistas. Mas não é isso que aqui está em discussão.
Fazendo este muito oportuno enquadramento ao Calendário Gregoriano, é altura de explicar, finalmente, porque é que a década ainda não terminou. A razão primeira para isso é que nunca houve tal coisa como o ano 0. Os anos marcam, geralmente, o aniversário de algo ou alguém. O Juliano celebrava o aniversário de Roma, o Gregoriano celebra o aniversário de Jesus Cristo (ainda que este, também segundo o calendário, tenha nascido à meia-noite do dia 25 de Dezembro). Como tal, a transição da Era velha para a Era nova, no calendário, é feita do ano 1 a.C. para o ano 1 d.C [ou AD (Anno Domini) se for preferível]. Não havendo ano 0, significa que a primeira década da era Depois de Cristo foi do ano 1 até ao ano 10, e a segunda década foi do ano 11 até ao ano 20, e assim sucessivamente. E porquê? Bem, é bastante simples, a definição de década é "período de 10 anos", e como tal, no calendário, não poderá haver uma década que tenha mais nem menos. Se aceitássemos a premissa de que entrámos numa nova década e que, portanto, a década passada foi do ano 2010 até ao ano 2019 - e porque já está mais que sabido que não há coisa tão absurda como ano 0 - então a primeira década AD teria de ter compreendido apenas os anos 1 a 9, para a segunda década começar no ano 10. Ora tal é impossível do ponto de vista matemático e semântico porque isso seriam só 9 anos, não seria uma década. Para chegar a esta conclusão não é preciso muito, na verdade, é só puxar um bocadinho pela massa cinzenta, para não falar que, obviamente, não estou aqui a descobrir a pólvora. Desde os observatórios astronómicos, passando pelos historiadores, indo até à Wikipedia, afirmam o mesmo: a nova década iniciar-se-á em 2021. Tem tudo uma lógica - um milénio é composto por 10 séculos, um século é composto por 10 décadas, uma década é composta por 10 anos, um ano é regulado por uma translação completa da Terra em torno do Sol: 365 dias, ou 366 num ciclo quadrienal. Nada há aqui de abstracto ou relativo, é semântica e Matemática que todos os dias convenientemente usamos, e que não devemos deturpar por meros caprichos. E atenção, irónico é que quem isto escreve é um autêntico nabo em Matemática. Da mesma forma que se afirma que a década ainda tem mais um ano de duração, também o último milénio, assim como o Século XX, terminou em 2000, e não no ano em que nasci, pelas mesmas razões já expostas. Foi aliás, com esta polémica que surgiu há mais de 20 anos, que a discussão deste assunto foi primeiramente trazida à mesa.
É também óbvio que este assunto não mata nem dá vida a quem quer que seja. Há questões de maior importância, contudo, julgo importante que esta verdade seja dita, e a razão para a facto da opinião pública ter esta convicção - em boa parte culpa dos Media, por outro lado por culpa da influência mundial dos EUA - reside no enorme desconhecimento dos assuntos historiográficos por parte das pessoas. As pessoas celebram o calendário sem terem grande consciência daquilo que celebram. Paciência. Não é grave. Só na última semana têm acontecido coisas piores...
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