Em tempos ele atravessava os corredores em passos determinados, fortes, com os pés bem assentes no chão. Antes, ele entrava em casa de forma enérgica, com um sorriso na cara, apesar da áurea circunspecta que, desde que me recordo, era imagem de marca dele. Noutros tempos, eu escutava-o, na sua voz clara, bem audível. Escutava um dos homens mais articulados que me lembro de ter conhecido, com uma eloquência considerável, tendo em conta que, na sua formação, ele nada mais teve além de uma 4ª Classe. Escutava-o, enquanto paginava comigo livros temáticos editados pela Verbo, quer o livro fosse sobre o Egipto Antigo, a China Antiga, os répteis pré-históricos, ou fosse o Atlas do Mundo. Ele escutava-me, eu escutava-o, e íamos falando sobre os temas que viessem. Alguns deles foram a primeira chama para muita coisa que hoje me interessa. Ainda guardo todos esses livros. Não os vendo por fortuna que seja. Só venderia coisas como estes livros para comprar vida, tempo, ou para comprar sanidade mental. Eu escutei-o durante muito tempo. Ele era parte muito presente da minha vida. Hoje só o posso observar, enquanto uma forma definitiva de velhice toma conta dele.
Nos últimos tempos tenho pensado imenso no envelhecimento... e na morte. Mas, francamente, desde sempre que tenho pensado na terminalidade da vida. O processo de envelhecer tem-me surgido na mente como um espectro que está sempre à margem, mas que de quando em vez se mostra, lembrando-me que não se foi embora, que não me abandonou. Por consequência desta presença espectral nos assuntos da minha mente, a minha obsessão com o ideal de juventude tem crescido. Tem crescido a minha vontade de para sempre ser jovem. De acabar no meu leito de morte ainda jovem. Muito provavelmente, quando morrer, não será assim. Terei perdido a minha juventude física, e, quando estiver a envelhecer, a única coisa que me restará para manter a máxima juventude possível será a minha mente. É essencial, quer eu morra aos 30, aos 40, aos 60, que a mente nunca vacile e se mantenha sempre absolutamente sã.
O facto do meu avô, hoje, ser nada mais que uma concha daquilo que em tempos foi tem-me colocado em diálogo com estes pensamentos. Olho para ele, sem articulação, sem força, com a memória a voar da sua mente em velozes asas, com um olhar lasso, e não é propriamente a morte que me preocupa. A morte é um instante, é o fim da linha, e após isso não há mais nada. É como um barco que durante décadas deu aquilo que tinha a dar, e que finalmente chegou ao destino da sua última viagem, para depois ser permanentemente descontinuado. A morte há muito que me deixou de preocupar. Mas o processo de morrer é diferente. Na última entrevista que Christopher Hitchens deu à BBC, já a falecer de cancro (2011), ele também disse que, ao contrário da morte, aquilo que o assustava era o processo de morrer. E olhar para o meu avô - pensando eu que um homem que durante a sua longa vida foi tão ponderado, lúcido, com uma memória colossal, e que agora se vê na injustiça de perder a sua personalidade a passos largos - a chegar às estações decisivas desse comboio que é o Alzheimer, ou olhar para um lar, enraíza-me um pensamento: Antes viver 60 anos com a minha mente intacta, do que viver 80 e nos últimos 10 anos já não ser eu de todo. Bem sei que há quem vive 90 anos, sempre em perfeita sanidade mental, mas as perspectivas de no futuro perder a juventude é das coisas que mais me preocupa, no que a mim próprio concerne.
Apraz-me saber (tenho a certeza) que este texto vai proporcionar diferentes leituras a quem o ler.
Nos últimos tempos tenho pensado imenso no envelhecimento... e na morte. Mas, francamente, desde sempre que tenho pensado na terminalidade da vida. O processo de envelhecer tem-me surgido na mente como um espectro que está sempre à margem, mas que de quando em vez se mostra, lembrando-me que não se foi embora, que não me abandonou. Por consequência desta presença espectral nos assuntos da minha mente, a minha obsessão com o ideal de juventude tem crescido. Tem crescido a minha vontade de para sempre ser jovem. De acabar no meu leito de morte ainda jovem. Muito provavelmente, quando morrer, não será assim. Terei perdido a minha juventude física, e, quando estiver a envelhecer, a única coisa que me restará para manter a máxima juventude possível será a minha mente. É essencial, quer eu morra aos 30, aos 40, aos 60, que a mente nunca vacile e se mantenha sempre absolutamente sã.
O facto do meu avô, hoje, ser nada mais que uma concha daquilo que em tempos foi tem-me colocado em diálogo com estes pensamentos. Olho para ele, sem articulação, sem força, com a memória a voar da sua mente em velozes asas, com um olhar lasso, e não é propriamente a morte que me preocupa. A morte é um instante, é o fim da linha, e após isso não há mais nada. É como um barco que durante décadas deu aquilo que tinha a dar, e que finalmente chegou ao destino da sua última viagem, para depois ser permanentemente descontinuado. A morte há muito que me deixou de preocupar. Mas o processo de morrer é diferente. Na última entrevista que Christopher Hitchens deu à BBC, já a falecer de cancro (2011), ele também disse que, ao contrário da morte, aquilo que o assustava era o processo de morrer. E olhar para o meu avô - pensando eu que um homem que durante a sua longa vida foi tão ponderado, lúcido, com uma memória colossal, e que agora se vê na injustiça de perder a sua personalidade a passos largos - a chegar às estações decisivas desse comboio que é o Alzheimer, ou olhar para um lar, enraíza-me um pensamento: Antes viver 60 anos com a minha mente intacta, do que viver 80 e nos últimos 10 anos já não ser eu de todo. Bem sei que há quem vive 90 anos, sempre em perfeita sanidade mental, mas as perspectivas de no futuro perder a juventude é das coisas que mais me preocupa, no que a mim próprio concerne.
Apraz-me saber (tenho a certeza) que este texto vai proporcionar diferentes leituras a quem o ler.
"A morte há muito(...)" e "... há quem viva".
ResponderEliminarPara além da ortografia, concordo contigo. E eu acredito que a Morte não é apenas o fim ..
É nessa sua última frase que discordamos. Eu tenho a certeza que a Morte é o fim. Pode parecer algo muito triste - é de certa forma - mas não faria sentido a Morte não ser o fim.
EliminarObrigado pelos reparos, Professora!