sexta-feira, 28 de junho de 2019

Entre Kether e Malkuth: memórias sobre sexualidade

Por mim próprio fui recomendado a não escrever este texto. Pensei sobre o seu propósito, e tive dúvidas se acrescentaria alguma coisa. Reflecti sobre a sua forma, e o que iria escrever, e confesso ter-me sentido intimidado pelos meus próprios desígnios ao escrever isto. Depois de me decidir a abraçar este endeavour, resolvi fazer uma promessa a mim próprio: apesar das figuras de estilo e das imagens metafóricas que, eventualmente, por força da literatura estética, eu possa utilizar, vou ser absolutamente franco e honesto (o que, obviamente, não significa que eu vá escrever tudo o que haveria para escrever). Também sei que o resultado final será um texto de consideráveis proporções, e portanto não espero que haja muita gente a lê-lo do início ao fim. E porque haveria? Não sou o Saramago. Haverá por aí coisas bem mais interessantes para ler. Ainda assim, aqui deixo estas memórias, que a partir de agora serão indeléveis, numa causa e numa conjuntura civilizacional bem maior que eu.

Um pouco de História


Assinalam-se hoje 50 anos desde que, em Manhattan, New York City, no bar gay denominado Stonewall Inn, tiveram lugar tumultos e revoltas que para sempre alteraram o rumo dos direitos civis e da forma como a Civilização Humana vê a sexualidade. O evento a que me refiro - sobre o qual há gente muito mais apta para falar e escrever - é conhecido hoje como Stonewall Riots, e é a razão do mês de Junho ser o mês internacional de celebração dos direitos LGBT. Resumidamente, o que aconteceu na madrugada do dia 28 de Junho de 1969 foi uma rusga policial no bar, que se converteu em abuso de autoridade e violência, que se converteu em contendas violentas, madrugada dentro, entre as pessoas no local e a polícia, alastrando pelas ruas de Downtown Manhattan. Sabemos que eventos históricos, que provocam - ou contribuem para - mudanças profundas, não surgem por simples espontaneidade. Em qualquer momento chave que, na História, trouxe algo de novo, algo fresco que cheire a esperança, houve sempre uma conjuntura e um alinhar de circunstâncias sociais e/ou económicas que permitiram que essa mudança sucedesse. As Revoltas de Stonewall, por simbólicas, heróicas e decisivas que tenham sido no arranque desta nova luta social, não são uma novidade no fio condutor da História.

Durante séculos, a homossexualidade foi perseguida implacavelmente por sociedades e sistemas de poder. No mundo islâmico - através da Lei Sharia -, na Europa da Cristandade - com a Inquisição no plano principal -, na Mesopotâmia ancestral, e de forma geral até ao Século XX - século este em que só o III Reich deteve mais de 7000 envolvidos em actos homossexuais, cerca de 2000 dos quais acabaram mortos em Campos de Concentração - boa parte do mundo promoveu uma sanha persecutória à homossexualidade. Na Europa Ocidental, por exemplo, hoje um reduto indiscutível dos valores democráticos e cépticos ante o totalitarismo barato, ainda no século XX este espaço tinha uma atitude vergonhosa para com este conjunto social específico. No Reino Unido, a homossexualidade só é descriminalizada (estamos a falar de descriminalização!) em 1967. Em Portugal, tal só acontece em 1982. Hoje, ainda temos lugares no mundo onde a homossexualidade é punida com a Morte, e outros tantos onde as circunstâncias, apesar de não serem tão gravosas, também não são de forma alguma luminosas. Ainda na História Contemporânea da Europa Ocidental podemos observar, tanto no espaço português como no inglês, casos públicos e conhecidos de pessoas envolvidas em contextos homossexuais, e que foram penalizadas como tal... uns mais que outros. Em Portugal temos o caso do Presidente da República (1923-1925) Manuel Teixeira Gomes que, por ter produzido literatura que enaltecia e descrevia a beleza do corpo masculino, foi afastado do cargo (esta foi sem dúvida uma das razões que conduziu à sua destituição). Na Grã-Bretanha temos os famosíssimos casos: de um grande vulto do romantismo literário, Oscar Wilde, que acabou por falecer pouco depois de servir em trabalho forçado na prisão, condenado devido à sua sexualidade; e do pioneira da computação, e herói da 2ª Guerra Mundial, Alan Turing, que se suicidou após ter sido sujeito a um processo judicial de castração química, nas mesmas circunstâncias judiciais e com meio século de distância ao caso Wilde.

Todavia, apesar deste retrato triste, nem sempre todos foram carrascos da homossexualidade. No Japão Feudal (até o Imperador Meiji ascender ao poder, no século XIX) a homossexualidade tinha um estatuto social tão normal quanto a heterossexualidade. Na China Imperial também havia um contexto social bem mais tolerante que na Europa Medieval. E se observarmos as realidades na Sociedade Helénica, na actual Grécia, ou no Mundo Romano, nem havia qualquer género de distinção sexual, quanto à orientação. Observemos muitas formas de Arte destas épocas, nestes espaços, ou as biografias de Júlio César ou Alexandre Magno, e imediatamente constatamos que as mentalidades já progrediram e regrediram ao longo da História. E, apesar de Trevas que tenham havido, também houve renascer de certos valores. O Renascimento começou por quebrar, através da Arte, imensos tabus a este respeito, e em 1791, no contexto da Revolução Francesa, durante o Consulado Jacobino, a História teve o primeiro caso de uma Nação - a França - a destruir leis que criminalizavam a homossexualidade.

Foi no produto desta turbulência histórica que eu nasci... em 1999.

Porque escrevo isto


O que me intimidou quando cheguei à conclusão que escreveria este texto, não foi o facto de eu abordar a Luta de pessoas fora do espectro heterossexual por direitos iguais, num ponto de vista historiográfico, foi sim que o verdadeiro objecto deste texto seria a minha pessoa e a minha percepção da sexualidade. Faço-o porque considero a minha mais honesta maneira de prestar homenagem, no comemorar deste meio século, a um movimento social a que eu, inevitavelmente, também faço parte. Faço-o porque tenho a firme convicção que a união entre os seres humanos só pode ser atingida através da partilha de memória, experiências, e promoção da tolerância e compreensão pela diferença que reside em cada pessoa neste mundo. E é este o propósito de qualquer Marcha que esteja a ter lugar este mês, ou de qualquer celebração do Queer Pride Month. E faço-o porque, tristemente, da mesma forma que o racismo, a misoginia ou a xenofobia ainda são realidades, também ainda há muita gente que, para além de não perceber o propósito destas marchas e celebrações, adoraria que o Levítico 18:22 do Antigo Testamento fosse verdade. Sim, nuns sítios mais que em outros, a homofobia ainda existe, e ainda é prática institucional em vários Estados do Mundo.


As primeiras percepções


Estou convencido que as minhas primeiras percepções da beleza do corpo humano, da atracção que por tal sentia, e daquilo a que, efectivamente, se pode traduzir em impulsos sexuais surgiu mais ou menos em simultâneo, durante os meus 6/7 anos de idade. Não é segredo nenhum que o surgir da masturbação (sem ejaculação durante a infância, obviamente) é a marca do despertar dos primeiros impulsos sexuais conscientes, para o caso do sexo masculino (em raparigas estes desenvolvimentos são bem diferentes). A sexologia e a psicologia há muito que descortinaram estes factos. Nessa altura, não tinha a mínima noção da relevância destas alterações na minha vida, nem eu sabia muito bem o que estava a acontecer. Nenhuma criança sabe. Mas a verdade é que já tinha curiosidade pelo corpo humano, independentemente do sexo. Creio que então o nível de curiosidade para os rapazes era idêntico em relação às raparigas. Evidentemente, num contexto social, também não tinha a mínima percepção do problema que tal poderia constituir. Noutros tempos, rapazes e raparigas que passaram, nessa faixa etária, por questões semelhantes, e os manifestaram, de certa forma pública, foram submetidos a 'tratamentos' desagradáveis ou desumanos, em autênticos atentados aos direitos da criança. Noutros tempos menos laicos e mais católicos. Eu tive a sorte de ter nascido numa sociedade já diferente, mas não desafogada, ainda assim...


A construção duma personalidade - a maior das minhas encenações


Quando atingi os 10 anos de idade, a minha percepção já era todo um admirável mundo novo. Já sabia perfeitamente como é que os seres humanos nascem - felizmente nunca ninguém me contou a palhaçada da cegonha - e já sabia muita coisa que com 6 anos de idade não sabia. Já sabia o que era um par de namorados. Já tinha dado alguns beijos, com uma rapariga. Mas a curiosidade pelos corpos masculino e feminino lá continuava, mas cada vez menos de uma forma despreocupada e inocente. Foi por esta altura (ou um bocadinho antes, é difícil precisar) que, para além de entrar em contacto frequente com o vocabulário mais rude da língua portuguesa, essencialmente na escola, comecei a ouvir e a perceber vocabulário absolutamente abjecto como "paneleiro", "larilas", "maricas", "boiola"... e "gay", usado no tom mais depreciativo possível. Era vocabulário usado por gaiatos - se não o aprenderam em casa, aprenderam-no na escola, certamente -, mas também por adultos. São vocábulos que tanto os jovens como muitos adultos e muitos velhos gostam de atirar uns ao outros (confesso que nunca percebi a obsessão). Aos 10 anos de idade eu percebia os vocábulos, entendia o seu conceito, e imediatamente percebia que havia algum problema em ser gay, e que os demais vocábulos eram o rótulo da vergonha. Automaticamente assimilei que algo de errado haveria comigo, e começou aqui a estrada num terror interno que me acompanhou até perceber o contrário. Basicamente, comecei a entender que de homens não se poderia admitir uma panóplia de comportamentos e gostos. E eu cada vez menos tranquilo.

"Se gostar de rapazes - ainda que também goste de raparigas - é mau, então há algo de mal comigo". Nesta idade, com a qual entrei para o 2º Ciclo, era o raciocínio que eu fazia. E era um raciocínio que cada vez mais me assaltava a cabeça. Na altura, o conceito de sexualidade ainda me era estranho e incompreensível. Eu sabia - ou julgava - que tinha de esconder esta parte de mim, e pensava sobre todas as formas de o fazer. Percebia que não podia agir de nenhuma forma efeminada, pois sabia que eram os rapazes efeminados alvo de comentários (alguns dos quais envolviam ódio explícito) nos quais o vocabulário em cima era ostensivamente usado. Também sabia que não podia dar a mínima impressão de que tinha uma cada vez mais complexa e completa apreciação pelo sexo masculino. E também considerei que manter-me calmamente calado em conversas pré-adolescentes sobre o sexo era porto seguro. Estava montado o palco para eu dar início a uma encenação que eu julgava que ia ser para a vida, e que tudo estaria assim muito bem... e que encenação. A minha obsessão, pela altura em que eu tinha 12 anos, com este Acto, tinha já atingido um nível 'profissional'. Manter a minha mente o mais ocupada com pensamentos que me remetessem ao sexo feminino pareceu-me uma excelente solução. Cheguei até a pensar que, talvez, com o tempo, esta atracção pelo sexo masculino desaparecesse.

Outra parte algo tricky desta encenação - que, lamentando se poderei alarmar consciências susceptíveis, terei de partilhar, querendo que esta memoir seja franca e útil - eram os balneários masculinos de Educação Física e de Natação da minha adolescência (e pré-adolescência). Devo dizer que o papel de heterossexual foi executado de forma impecável. (Em frente serei mais claro do porquê do meu convencimento de que o papel foi excelentemente executado). Basicamente, tinha que manter os meus olhos o menos entretidos possível para me assegurar que nada viesse ao de cima. Quando não era possível não entreter os olhos, era a consciência que tinha de ser metálica. Com o tempo começou a ser uma rotina fácil.

Em Casa, o ambiente sempre foi desafogado quanto ao ódio por homossexuais. Nem os meus pais ou o meu irmão alguma vez revelaram homofobia a sério. Especialmente o meu Pai, que sempre teve uma mentalidade muito aberta para este género de questões. Quem esteja a ler isto (e se aqui chegou agradeço-lhe imenso, significa imenso para mim) poderá perguntar-se: porque não saíste do armário pelo menos em tua casa? Confesso não ter reunido a coragem, que outros nessa idade reuniram, para o fazer. Apesar de tudo gostava do meu local de conforto e não queria mudar nada. Era o que hoje precisamente detesto! E também porque não sabia muito bem categorizar aquilo que eu era. Gostava de raparigas e de rapazes... como poderia estar entre Kether e Malkuth?

Entra o conceito de Sexualidade


Foi no 7º ano, nos meus 12/13 anos, que dois fenómenos, um anatómico e outro intelectual, sucederam comigo, e que me mudaram para sempre. O fenómeno anatómico, durante uma das minhas sessões de masturbação (quero desde já confessar que sempre achei estúpido o vocabulário alternativo que inventaram para este acto, como se tentassem camuflar ou banalizar algo), foi o sémen pela primeira vez por mim ejectado. Não me assustou, pelo contrário. O fenómeno intelectual foi a descoberta do conceito de sexualidade, do qual já tinha ouvido falar, mas que, até então, me era algo estrangeiro. Se algo útil alguma vez a mim veio das sessões escolares de Educação Sexual - que eu sempre detestei porque não me mantinha confortável devido à maioria de opiniões que eram normalmente expressas, ou devido aos temas não me sentirem incluído, ou porque eu queria simplesmente esconder desejos sexuais meus (na altura já os tinha, claramente) - foi a aprendizagem deste conceito, e de outro por arrasto. Foi numa aula de Formação Cívica, com a Prof. Esperança Romacho, que eu não só comecei a perceber este conceito de sexualidade - o caminho na sua compreensão foi bem longo - e que há mais para a história, para além de gays e heteros. O termo bissexualidade, para mim, foi uma autêntica revelação, e quis-me na altura rever nele. Àqueles que hoje em dia falam contra a discussão destes temas, numa sala de aula de jovens de 12 ou 16 anos, quero não só dizer que me ajudou imenso a mim, e que a oposição a tal provém de uma vontade ultra-conservadora e homofóbica, pela qual eu tenho genuíno asco. E tenho asco porque são esses mesmos que exclamam que tudo isto é fermentação de uma suposta conspiração de converter crianças. Meus caros reaccionários, a mim ninguém me fez ser o que sou, eu sou o que sou por simples naturalidade. A sexualidade não é algo que se impõe.


Adolescência como um Teatro


Fosse de esperar que enquanto a minha maturidade surgisse, também a minha paz com a minha própria sexualidade cresceria. Porque a sociedade ainda está algo tóxica neste aspecto, o contrário aconteceu. Cada vez mais me convencia que esta era uma parte de mim que tinha de jazer inutilizada e enterrada. A minha consciência em relação à violência psicológica ou física que esta franja social - cada vez mais sindicalizada todavia - era sujeita, ia sendo cada vez mais presente. E foi então que constatei algo que até então não me tinha apercebido (ou pelo menos não tinha prestado grande atenção): A Igreja Católica, instituição na qual eu tinha sido baptizado com 1 ano de idade, força social e económica de peso nesta República Portuguesa, na qual a minha família e muitos meus amigos estavam intimamente afectos, odiava-me. Esta constatação construiu-se, estou eu quase certo, nos meses antes de eu fazer 14 anos de idade. Começou com umas polémicas levantadas pelo então ainda Papa Bento XVI, a propósito de homossexualidade e pedofilia, e pelos ventos opinativos que, de quando em vez, eram levantados por estas paragens portuguesas. E caiu o Carmo e a Trindade quando, numa das minhas primeiras incursões pela Bíblia Sagrada da minha Avó Mizé, após ler algumas coisas que, ora achava interessantes ora excêntricas de se afirmarem - tudo isto no Antigo Testamento - me deparei no Levítico, capítulo 18, 22º versículo (claro que não fixei na altura o versículo, tive de posteriormente andar à pesca), com a afirmação, de Deus para Moisés, "não coabitarás sexualmente com um varão; é uma abominação". Poderia na altura ainda não ser um amante das Letras, mas já tinha Português suficiente para compreender o que ali estava escrito (e, com o tempo, a cortina da compreensão só se iria descortinar mais). Verdade que a minha relação com o todo-poderoso nunca foi grande coisa, e nesta altura já me definia praticamente como um ateu, mas aquilo era uma grande machadada para mim. Sem dúvida, em retrospectiva, talvez tenha sido um dos momentos chave a definir o meu Antiteísmo - claro que na altura ainda não conhecia o conceito, e tal só surgiu quando descobri o fantástico Christopher Hitchens, em 2016. "Sendo eu o que sou, o que vai a família fazer-me?". Era o que me vinha à cabeça. Claro que naquela idade ainda nunca tinha "coabitado sexualmente" com quem quer que fosse. Mas é esta a essência de thoughtcrime, como aprendi posteriormente no 1984 de George Orwell (lido no Outono de 2016). Ser culpado, e potencialmente punido, só por pensamentos virem à cabeça. E nada disto me estava a fazer bem algum, e quaisquer hipóteses de diálogo sobre o assunto estavam cada vez mais eliminadas em qualquer equação.

Entretanto, eu ia fazendo a minha vida o mais tranquilamente possível, no ambiente do costume, dizendo a mim mesmo "todos estes pensamentos e fantasias sobre rapazes não podem ser mais que isto, nunca!". Começava a fechar-me em copas. Não faço ideia de muitas coisas que poderei ter perdido com este acto teatral, mas uma consciência tranquila não tive, propriamente. Outra peculiaridade de todo este Acto era a minha obsessão com a minha hipotética feminidade. Fui sempre um embaraço a jogar jogos colectivos. Tinha uma voz bastante irritante (ao contrário da minha voz de hoje). Até a minha forma de estar, andar e correr, para mim era um gigante problema. De certa forma atribuo o meu ar e o meu vestuário pouco estético, do meu 3º Ciclo, à minha tentativa de suprimir a minha personalidade, para que não houvessem pontas soltas. O Eu de hoje tinha dito ao Xavier que foi para o Baile de Finalistas, do 9º ano, "Miúdo, veste algo que te diga alguma coisa, nem que seja algo ousado. Enfrenta o preconceito, se o houver. Sê tu mesmo. Procura a tua própria Estética". É o que me apetece dizer quando olho para as fotografias dessa noite. Esta minha insistência com o vestuário não vem por acaso. Há quem afirme, e eu sou uma dessas pessoas, que aquilo que vestimos é uma parte da nossa linguagem sexual... ou falta dela. Em boa parte, nessa altura, eu encenava um autêntico teatro. É por isso que, por vezes, penso que devesse ter tentado a minha sorte nas Artes Cénicas. Talvez um aspecto positivo, no meio disto, foi o facto de eu me aperceber que certas individualidades, que eu já na altura idolatrizava, tinham uma orientação homossexual, o que me deixou apaziguado porque se tratavam de ícones. Falo do Ian Mckellen, do Freddie Mercury e do Leonardo da Vinci. Sem dúvida consegui retirar algum optimismo disto.

A minha adolescência entra pelo Ensino Secundário dentro. O meu nervosismo, no primeiro dia em que entrei na Escola Secundária de São Lourenço, era imenso. Não me lembro de ter atravessado dias de igual pilha de nervos, e tal devia-se a vários factores: mudança de meio, pessoas novas a conhecer, uma turma completamente diferente, cheia de pessoas que eu nunca tinha visto na vida, responsabilidade acrescida no meio escolar, dois amigos altamente próximos, que me tinham acompanhado desde o Primeiro Ano - o Francisco e o Rodrigo - tinham ido para o curso de Ciências Tecnológicas, e portanto já não estariam na minha turma. Tudo isto, que se concretizava também numa incerteza sexual, foi o suficiente para que eu atravessasse as primeiras semanas do décimo ano numa gigantesca pilha de nervos... e receio. Receio porque a minha consciência da minha orientação sexual era progressivamente maior, e também o era o meu medo em que, um dia, tal fosse do conhecimento público. No final de contas, apesar da Escola José Régio ser um meio que eu sempre considerei algo hostil à homossexualidade, o meu Acto já estava lá assegurado. Já conhecia os cantos à casa. Da ESSL não conhecia nada, e as certezas de que o meu Acto se manteria imaculado estavam agora em causa... pelo simples facto de não estar habituado ao ambiente. Claro que, olhando para traz (e mesmo quando lá estive, disto tinha consciência), os meus três anos na ESSL foram os melhores da minha vida, so far. Mas na altura era, ainda, um adolescente meio tímido, meio assustado, e que só há pouco tempo tinha dado conta de que também tinha potencial intelectual.

Como ia, entretanto, o meu debate interno? Cada vez mais tortuoso. Nesta altura começaram a verificar-se as primeiras alterações no meu espectro sexual. Sei disto porque, fazendo recurso à minha memória e à pornografia que então visualizava (que é das coisas mais normais na adolescência, e mesmo na vida adulta), constato que a pornografia gay era cada vez mais predominante. Sobre isto já desenvolverei, oportunamente, mais à frente. E com isto a acontecer, novos pensamentos se vinham desenrolando, sobre o que eu haveria de fazer a mim próprio. Por um lado, cada vez mais tinha consciência que nenhum dos meus desejos sexuais eram reprováveis, ou errados, ou desnaturais... apesar de alguns os venderem como tal. Por outro lado eu convencia-me que aquilo que eu precisava era de uma rapariga, e depois talvez encerrasse hostilidades no meu debate interno. Aonde tudo isto me levava era a um caminho onde eu gostava de nunca ter entrado.

Um Breaking Point que se avizinha


Os 16 anos vieram, eventualmente. Essa idade mítica. Para mim também o foi de certa forma. Os 16 anos são, para mim, a minha idade de transição entre duas partes de mim. Por questões de discrição não poderei falar de muita coisa, nem pelos fins de utilidade que eu gostaria que este texto servisse. Para mim ainda são memórias muito frescas. Para outros poderia ser... chato. Em todo caso, foi nesta idade que uma das minhas primeiras grandes questões da sexualidade foi resolvida: perdi a virgindade... pela primeira vez. A minha primeira experiência de facto sexual foi com uma rapariga, na flor dos meus 16. Gostei muito. Ajudou-me a perceber mais um pouco sobre quem sou. Resolveu alguma das minhas questões internas? Nenhuma. Havia todo um mundo por resolver dentro de mim. Foi também nesta idade que senti o poético "anel de fogo" do Amor, pela primeira vez. Embora tivesse demorado algum tempo a perceber que o que tinha sentido era Amor, e que seria este sentimento, de puro, e por vezes depressivo, Amor, a chave para o mudar de muita coisa, foi aos 16 anos a primeira vez que o senti. (Atenção aos que subestimam quem isto escreve. Falo de Amor. Não estou a falar de uma crush). Foi também, mesmo antes de atingir a minha idade de concretização da transformação (os 17), que eu tive, pela primeira vez, contacto sexual com um rapaz. O que foi uma grande revelação para mim. Por exemplo, gostei mais da experiência homossexual que da experiência heterossexual. Facto que meteu a minha mente a trabalhar como nunca. Foi aos 17 que o meu humor mudou. Foi aos 17 que muitos dos meus receios e pequenas incertezas do quotidiano começaram a ser irrelevantes, e outras questões com mais profundidade começaram a ganhar preponderância. Foi aos 17 que comecei a conviver com pensamentos de grande paixão, e de grande depressão. Foi aos 17 que comecei a adoptar o meu próprio sentido de estilo. Foi aos 17 que perdi muita da falsa modéstia quanto a questões intelectuais. Foi também aos 17 que ganhei verdadeira paixão por livros e literatura. Foi aos 17 que comecei a beber álcool. Foi aos 17 que comecei a fumar. Foi aos 17 que me defini inteiramente, do ponto de vista filosófico e político. Foi aos 17 anos que descobri que a minha orientação sexual tinha muito mais do que aquilo que eu ouvia dizer.

O décimo segundo ano aproxima-se do seu início. Eu estou profundamente apaixonado, sem saber se o amor é correspondido (sem coragem, se quer, para dar passos necessários), e o meu pensamento, sobre as mais diversas formas, é, naturalmente, mais complexo. É a este ponto que me cruzo com um nome que para mim foi uma autêntica revelação. Alfred Kinsey. Esta brilhante mente foi a peça no puzzle que eu há anos procurava para compreender o conceito de Sexualidade.

O Espectro da Sexualidade revelado na Escala de Kinsey


Na altura, eu estava cada vez mais decidido a compreender melhor as questões históricas e biológicas da homossexualidade, e estava cada vez mais decidido a perceber a minha própria orientação. Quem isto lê poderá achar que isso não é muito importante, mas acontece que para um jovem de 17 anos é tremendamente importante. Se aos 17 anos não tentamos perceber e definir o que somos, o que resta então? Descobri a Escala de Kinsey enquanto pesquisava na web, e foi a partir daí que dei com o grande biólogo e sociólogo que foi Alfred Kinsey. Já irei à Escala - que foi um autêntico terramoto (positivo) para mim - mas antes sobre a pessoa de Kinsey.

A sua vida fascinou-me imenso. Li textos dele. Investiguei sobre a sua vida, e inclusive vi o filme biográfico sobre a sua vida, "Kinsey", cujo argumento foi escrito com base numa biografia sobre o próprio. Kinsey afirmava que a infidelidade nas relações e no casamento eram naturais impulsos biológicos, e que as restrições, legais ou morais, que nelas tinham sido impostas, eram meras construções sociais. Kinsey também considerava que a própria ideia de orientação sexual era uma construção social, e que a predisposição mais normal na espécie humana é a atracção por ambos os sexos, e que tal predisposição é encontrada em todos os ecossistemas. O próprio Kinsey, casado, pai de um filho e duas filhas, considerava-se bissexual, e a certo ponto da sua vida conjugal manteve um contracto com a sua esposa: ambos poderiam ter relações sexuais com outras pessoas, desde que fossem honestos um com outro. No final de contas, o mesmo acordo de vida estabelecido por Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Poligamia. Tudo isto fez para mim, e ainda hoje faz, grande sentido. Mas não se assuste o leitor, que não vou iniciar um manifesto contra o matrimónio (apesar de achar que o verbo contrair foi-lhe muito bem aplicado). Digo apenas que as desconstruções que Kinsey protagonizou, e a sua subsequente influência no Movimento Contra-Cultura dos anos 60, me impressionou e inspirou imenso, dando-me novo sentido para o meu rumo. Todavia, nada mais me inspirou e me transmitiu clarividência como a Escala de Kinsey.

A Escala de Kinsey está na base dos estudos sexológicos de Alfred Kinsey, desenvolvidos através de intensiva investigação e entrevistas por todos os 50 Estados da América. Aliás, os estudos foram tão meticulosos e tão abrangentes que o próprio Director do FBI, J. Edgar Hoover, chegou a requisitar a Kinsey todos os resultados - inclusive nomes e identificações - das suas investigações, para que o FBI pudesse ter um maior controlo sobre as actividades homossexuais. Kinsey recusou e assim passou a ser, cada vez mais, persona non grata entre os meios e os fundos académicos... mas sobre a bem dita Escala. Ela define a sexualidade como um espectro em possível contínua alteração. Os níveis da Escala vão de 0 a 6. 0 significa totalmente heterossexual; 1, heterossexual e só acidentalmente homossexual; 2, heterossexual, mas com possíveis inclinações homossexuais; 3, totalmente bissexual; 4, homossexual, mas com possíveis inclinações heterossexuais; 5, homossexual e só acidentalmente heterossexual; 6, totalmente homossexual. Há ainda o X, para quem nunca mostrou qualquer género de inclinação sexual - um assexual, portanto. Convém esclarecer que esta Escala define o espectro da bissexualidade nos níveis 2, 3 e 4, sendo que há um com uma maior inclinação heterossexual e outro com mais preponderância homossexual. E também devo afirmar, para evitar mal entendidos, que apesar dos testes que existem na web, sobre orientação sexual, serem moldados na Escala de Kinsey, eles não são científicos, nem Kinsey concebeu esta Escala para determinar a sexualidade de uma pessoa mediante uma mão cheia de perguntas.

Decisão pela Liberação pessoal - fim do Acto


Chegando, pessoalmente, ao fundo das questões da sexualidade, o que restava era saber o que fazer com esta nova clarividência. A informação e entendimento por si próprios nada resolvem, porque para mudar é preciso também agir. E eu considerei que devia fazer alguma coisa. Fiz imensa introspecção. Na altura estava apaixonado, e tinha chegado ao fundo da compreensão da minha orientação sexual. Sempre se pode colocar a questão da importância dos rótulos e da definição precisa. Há quem ache, até, que tais rótulos são muito irrelevantes. Eu desejo sim que eles sejam irrelevantes no plano da dinâmica da Sociedade (se é que me faço entender), mas considero-os altamente relevantes no caminho para me conhecer. Acontece que, em simultâneo, uma nuvem negra ia tomando conta do meu humor e uma certa depressão ia alastrando na minha mente.

É o começo do décimo segundo ano e a minha personalidade é marcada por transições entre alta disposição e humor depressivo. Eu, claro, esforço-me para manter tal situação oculta - nem sempre sendo bem sucedido. Tudo isto estava a desenrolar-se na minha mente porque percebia cada vez mais claramente que o Acto não podia ter continuação. Fazê-lo seria um insulto para mim e para muita gente. Fazê-lo - nunca falar com quem quer que fosse sobre a total profundidade dos meus sentimentos - iria abrir um precedente depressivo que poderia ter consequências permanentes na minha saúde mental. Sim! Porque eu não estava doente, nem hoje estou, mas se então alargasse mais esta situação, bem que poderia ficar mesmo doente. Foram dias difíceis em que equacionar tudo isto foi uma grande dor psicológica para mim. Mas como eu gostava de o ter feito mais cedo. Ainda hoje estou convencido de que perdi muita coisa em não o ter feito. Enfim, chegou o dia, algures no início de Outubro de 2016 - na altura em que comecei a escrever poesia - que deixei cair o Acto, que, com rigor, já levava uns 11 anos.

Foi numa tarde, depois das aulas, que eu combinei um 'café' com uma das pessoas mais próximas na minha vida, o Francisco. Tinha-lhe dito que precisava de falar com ele urgentemente, que o assunto era sério, e que não andava nada bem. Ele na altura sabia que eu não andava nos meus melhores dias, mas é possível que o tenha 'assustado' demasiado. Estava uma óptima tarde. O ambiente estava muito tenso devido à minha ansiedade, e, afinal, nunca tinha falado sobre isto com ninguém. A conversa começou, eu enrolei e enrolei, e com tanto suspense o Francisco começou a pensar que eu me tinha tentado aleijar a sério. Quando eu disse ao Francisco: "Eu sou bissexual", a cara de alívio que ele expressou ficou até hoje espelhada na minha memória. Devo dizer que foi uma sensação muito única falar sobre isto com alguém pela primeira vez. Ainda que eu tivesse tido na primeira metade desse ano a minha primeira experiência homossexual, na verdade não falei com o rapaz em questão sobre estes assuntos (olhando para traz, talvez fosse melhor ter falado). Daí em diante não foram arcos-íris sem fim. Houve mais sofrimento e houve coração partido, todavia, no espaço temporal do décimo segundo ano - 2016 e 2017 - vivi autênticos tempos de liberação pessoal, não sendo no início fácil conviver publicamente com a minha própria sexualidade (ainda hoje, por vezes, é para mim um desafio). Mas a verdade é que amigos como o Francisco, o Rui, ou o Vasco, foram verdadeiras âncoras que me ajudaram a não desistir de viver a minha sexualidade com a maior naturalidade possível, e que lá estiveram para ouvir esta menta, então, muito agitada e algo depressiva.

Fim do Teatro e o Eu de Hoje


Muita água já correu por baixo da ponte. Desde que, em 2017, comecei a reconhecer a minha própria sexualidade - sentindo-me livre como nunca antes - até ao dia em que são celebradas cinco décadas desde as Stonewall Riots, muitas já foram as experiências, conversas, e eu muito diferente estou do adolescente que se esforçava teatralmente para esconder uma parte de si, amputando a sua própria liberdade. E se amputei a minha liberdade - como outros fizeram e fazem - só há que agradecer a uma sociedade em parte fundada em persistentes valores homofóbicos e estereotipados quanto àquilo que um indivíduo do sexo masculino deve ser. Águas passadas num teatro já encerrado.

Gosto de afirmar que o meu interesse sexual é por pessoas - algo que o eu adolescente não teria coragem de afirmar -, mas se quiser ser particularmente particular (pleonasmo engraçado), tomando em conta a Escala de Kinsey, encontro-me certamente no nível 4. Creio que o meu interesse entre os sexos feminino e masculino já foi mais equilibrado. O desenvolvimento da fase final da minha adolescência terá inclinado os indicadores para os boys. Essa é a verdade, e nunca desejaria que fosse doutra forma. Tenho pena, e por vezes irritação mesmo, de continuar a ouvir, até da boca de pessoas próximas, terminologia vulgar como "maricas" e "paneleiro", que me leva de volta a épocas de medo interior, em que só a audição de tal vocabulário era suficiente para me fazer tremer por dentro. Não é que o uso dessas palavras parte de sentimentos homofóbicos - geralmente não se trata disso -, mas a verdade é que a utilização desses termos se tornou de tal forma banal, quer seja nas ruas, nas escolas, ou nas habitações, que larga-lo, de momento, deverá ser perto de impossível, ainda que sejam vocábulos agressivos para uma franja substancial da sociedade. Exactamente o mesmo se passa com vocabulário de índole racista ou chauvinista. No que às correntes políticas, onde a homofobia é um dos requisitos, diz respeito, creio que o melhor que há a fazer é não consentirmos em silêncio, e contra-argumentar com o maior civismo e inteligência possível.

Será tudo isto um questão de bandeiras?


Sempre tive maior simpatia pelo termo gay do que pela sigla LGBT. Sempre achei que esta sigla tinha em si vários problemas - desde já por poder excluir, ainda assim, certas pessoas - e que não suava esteticamente da melhor forma. Contudo, foi esta sigla um dos estandartes responsáveis por tornar um movimento de defesa dos direitos humanos muito influente, e também é esta sigla que encabeça as inúmeras marchas que se registam, durante este mês, nos vários cantos do Mundo. Conheço personalidades fora do espectro heterossexual altamente participativas nestes eventos - como o Ian Mckellen - e outras que nunca levantaram uma bandeira arco-íris na vida - como o Morrissey, apesar de alguma da sua temática musical. Não sou um participante, numa dimensão 'sindical', deste mês de Junho, contudo, tenho tremenda admiração pelas Pride Marches que sucedem a nível internacional, que no fundo são uma mescla de Movimento Social e Festa, e mal algum veio nenhuma vez ao Mundo por isso. O Carnaval - sei que são coisas diferentes! - nunca trouxe nenhum mal ao mundo, por exemplo.

A orientação sexual é muito mais que um questão de bandeira. Todavia, sempre tive imensas reservas para bissexuais ou homossexuais que apoiaram, ou apoiam, causas políticas de índole social conservadora, especialmente a de Direita, que é, historicamente, a corrente política onde a homofobia política se registou em maior número. Poderei estar a parecer precisamente aquilo contra o qual eu me tenho manifestado - preconceituoso - mas não estou. É uma questão de dignidade própria. E, tristemente, já dei com homossexuais que apoiam partidos ideologicamente conservadores, que é precisamente a corrente política que mais foi uma força reaccionária na luta por direitos à homossexualidade. E é este um dos paradoxos políticos que ainda hoje menos consigo compreender. Paradoxo maior é ver homossexuais que são cristãos ou judeus devotos. Não coloco a integridade de ninguém (no que aos implicados diz respeito) em causa, mas que é um fenómeno político e filosófico que considero algo absurdo, sem dúvida.

Para remate de tudo isto...


Considero que um dos slogans que devia dominar a consciência mundial seria "Make Love, Not War". O amor, independentemente da sua circunstância, jamais deverá ser um motivo de escândalo ou indignação. O verdadeiro escândalo é a guerra, e o armamento militar, cada vez mais sofisticado, que é diariamente fabricado. Gostaria que este texto fosse visto como uma mistura de crónica e manifesto. É aquilo que fundamentalmente é. Uma crónica, por ser um conjunto de memórias, de um jovem de 20 anos, sobre a sua experiência com a questão de sexualidade, e um manifesto por ser uma produção literária com um propósito social e político. E o seu propósito é explicar que, na sexualidade, não há uma orientação natural e normal, e outra, que ora é uma doença, ou uma questão de ADN. Nada mais define isto que as circunstâncias de crescimento, e as circunscrições históricas e geográficas. Acredito que o ser humano tem uma predisposição natural para amar ambos os sexos. Também acredito que, caso sociedades sistematicamente homofóbicas nunca tivessem surgido, a forma como hoje os olhos do Mundo para isto olham seria completamente diferente. Uma Revolta de Stonewall jamais teria sido necessária.

Mas aquilo que separa esse paralelo mundo, ao real, é que não só foi preciso Stonewall, como também são precisas Marchas de cidadãos orgulhosos, nas ruas, e textos como este. Não é preciso ir mais longe que as caixas de comentários, nas redes sociais, de órgãos jornalísticos, para se entender o longo caminho que ainda falta percorrer a este respeito. E nem se quer falo da raiva que alguns deles me provocam (julguei em transcrever para aqui alguns, mas entendi que não mereciam isso). E se em Portugal assim é - considerado (e quero eu acreditar) um dos países mais receptivos e tolerantes às pessoas de diferentes orientações sexuais - imagine-se noutros locais do Mundo. Gostaria também de deixar claro, para aqueles que pensam que quem "sai do armário" está apenas a querer chamar a atenção, que há formas muito mais confortáveis de se "sair do armário", e jamais alguém escolheria esta. Quem sai do armário fá-lo por motivos de liberação pessoal e social (foi esse o meu caso, quando me libertei das minhas alegadas obrigações de sexo masculinas).

Quem isto escreve, a este respeito, está mais feliz que nunca. Peço desculpa se alguns dos relatos foram excessivamente descritivos, mas há um propósito nesta memoir, sem os quais este texto nunca o poderia servir. Só tenho pena de não ter tomado, mais cedo, a decisão que tomei em Outubro de 2016.

Há uns dias, quando tinha falado da redacção deste texto a uns amigos, eles perguntaram-me se isto era o coming out oficial. Toda a gente que se assume, hoje em dia, tem a facilidade das redes sociais para o fazer. Eu já o fiz. Talvez das formas menos convencionais, hoje em dia. Isto são memórias, muitas delas partilhei-as, até hoje, com pouquíssimas pessoas. Algumas nunca as tinha partilhado com quem quer que fosse.


"WHEN I WAS IN THE MILITARY THEY GAVE ME A MEDAL FOR KILLING TWO MEN AND A DISCHARGE FOR LOVING ONE"

  - É isto que se lê na sepultura de Leonard Matlovich, soldado norte-americano, falecido em 1988. A violência com recompensa, o amor com vergonha. 

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