quinta-feira, 3 de março de 2022

Uma Etapa na História da Europa: Rússia e Ucrânia


A guerra é algo horrível. O pior de todos os inventos desenvolvidos pela Humanidade, e é por isso que, contrariando as afirmações de muitos filósofos e sábios, eu afirmo que a guerra é uma condição humana. A guerra é humana porque mais nenhuma espécie é capaz de dar início a uma guerra. Somos a única espécie capaz desta barbárie última, que põe em causa a própria existência da nossa espécie. A guerra não é um fenómeno contrário à humanidade, portanto… mas talvez seja contrário à nossa saudável existência. "A humanidade é um desastre enquanto espécie". A guerra é pavorosa. Para mim, a perspectiva de ter uma guerra é assombrosa, medonha, aterrorizante. Uma guerra não é um jogo. Há destruição massiva de edifícios, há muitas pessoas mortas, há crianças mortas. Tendo isto dito, é necessária uma contemplação racional sobre o que se está a desenrolar na Ucrânia.


Há 7 dias, as forças militares russas iniciaram uma ofensiva militar sobre o território ucraniano com o pretexto de proteger as regiões separatistas (Luhansk e Donetsk) da agressão do Estado Ucraniano e por outro lado infligir duros golpes contra o coração da Ucrânia. O objectivo seria simples para os governantes russos, encabeçados pela encarnação dos czares Vladimir Putin, - garantir a efectiva e consolidada separação de Luhansk e Donetsk da Ucrânia e garantir que as forças militares ucranianas não tornariam a encetar ataques contra estas regiões. Mas isto foi ontem, quando o conflito começou. Acontece que, mais do que consolidar a separação da região de Donbass do Estado Ucraniano, a Rússia pretende tomar toda a Ucrânia numa tempestade, derrubar o actual governo ucraniano e colocar lá outro de que Putin talvez venha a gostar. Confesso que nem sempre eu vi assim a situação, mas as forças russas sempre quiseram mais do que Donbass. A Rússia, volvidos 30 anos, já está perante os portões de Kiev. E, entretanto, o governo ucraniano clama que o acudam. Talvez agora Zelensky tenha compreendido que presidir a um estado-nação não é um sketch humorístico.


Como qualquer outro conflito, para este ser compreendido (antes de começarmos a levantar bandeiras e a dizer disparates como, Eu sou ucraniano, dando uma nostalgia de Kennedy) há que compreender a História por detrás das relações entre a Rússia e a Ucrânia. Determinadas pessoas que estão a ler este texto poderão pensar "grande seca, mais História". Se assim for, eu digo-lhes: se gastaram miolos suficientes para decidirem por qual dos estados levantariam uma bandeira (se é que na presente situação fará sentido erguer bandeiras russas ou ucranianas), então gastem mais uns tantos para que se compreenda o passado que conduziu a este ponto. A guerra não é um jogo e levantar bandeiras em tempo de guerra também não, por mais que as consequências do conflito nos sensibilize.


Rússia, Bielorrússia e Ucrânia partilham um passado identitário comum que remonta à Alta Idade Média: a Rus Kievana, ou Rússia de Kiev/Rússia Kievana como geralmente aparece na literatura lusófona (Rus de Kiev em castelhano, Rus' de Kiev em francês, Kiewer Rus em alemão, Kievan Rus' em inglês, Rus' Kijowska em polaco, Russia Kioviensis em latim). A Rus Kievana (para não gerar confusões com a Rússia moderna designarei assim esta formação política) foi uma federação solta e descentralizada, composta por vários estados autónomos (muitos destes eram principados vassalos) de eslavos e escandinavos assimilados pela cultura eslava, fundada no Século IX. A Rus Kievana era liderada a título monárquico (num modelo de Monarquia Feudal altamente descentralizada) pelo Grão-Príncipe de Kiev enquanto chefe da Dinastia Ruríquida, fundada no ano 862 pelo Príncipe Rurik de Novogárdia Magna. Nos seus primórdios fundacionais, a Rus Kievana era uma sociedade altamente diversa onde as religiões politeísta da Escandinávia e dos eslavos predominavam, tendo o Cristianismo Ortodoxo iniciado um massivo processo de conversão religiosa e perseguição sangrenta aos politeístas eslavos no final do século seguinte, com o patrocínio do Império Bizantino. No Século XI, quando o culturalmente genocida processo de cristianização já se encontraria num estádio consideravelmente avançado, a Rus Kievana atingiu o seu apogeu de expansão territorial, compreendendo o espaço entre o Mar Branco e o Mar Negro, no eixo norte-sul, e do Rio Vístula à Península de Taman no eixo oeste-leste. Fazendo uma sobreposição ao mapa político europeu do Século XXI, a Rus Kievana nesta altura englobaria parcialmente ou totalmente: Rússia, Bielorrússia, Ucrânia, Roménia e Moldávia. Todavia, esta formação política de mosaicos feudais não duraria para sempre, como aliás nada dura para sempre.


No Século XIII, uma tempestade de fogo furioso sob a forma das hordas mongóis chegaria à Europa. Após o Império Mongol ter conquistado quase todo o mundo asiático, incluindo a China (excepções notáveis são o subcontinente indiano e o Japão), nos anos 40 desse século, tomando proveito de uma federação eslava em declínio e em profunda crise económica - em parte devido ao fim das relações comerciais com o Império Bizantino -, as hordas da Mongólia passaram a Rus Kievana a fio de espada, como até aí sempre tinham feito (sendo esta federação a porta leste de entrada para a Europa na Baixa Idade Média) e tomaram território até não poderem mais - neste caso, imagine-se, as hordas mongóis estiveram a umas centenas de quilómetros da Península Itálica. Quanto à Rus Kievana? Foi absolutamente engolida pela Mongólia - que nesta época já tinha cimentado o seu lugar na História como o maior império continental de sempre - e as cidades de Kiev e Moscovo foram pulverizadas. Novogárdia foi das poucas grandes metrópoles que evitou a destruição, não obstante ter sido conquistada. Foi uma época em que os povos eslavos sofreram em uníssono. Foi uma época em que uma etapa na História dos povos eslavos terminou. Uma época comum ao passado das nações eslavas que hoje fazem parte da arquitectura de nacionalidades europeias. Mas o Império Mongol não permaneceria ad aeternum, e tampouco a História dos Eslavos chegaria ao fim. E no final de contas, a Rússia moderna ainda estava por nascer das cinzas de um remoto passado eslavo e nórdico.


A Estado Russo, enquanto entidade política e enquanto congregação de “todas as rússias”, nasce no Século XVI sob a égide do líder do Grão-Principado de Moscovo, Ivan. O Terrível (assim foi como este monarca russo ficou conhecido na História) ainda tinha 16 anos quando o seu conselho próximo o declarou César de todas as rússias, ou Czar (que é a tradução/adaptação de césar para russo, ou seja, imperador). Em 1547 assim Ivan IV, Grão-Príncipe de Moscovo, foi proclamado e coroado. A cereja no topo do bolo, para legitimar a coroação de um suzerano supremo sobre todos os russos, era o facto de Ivan IV ser um membro da Dinastia Ruríquida, a mesma que tinha detido a (simbólica) liderança da Rus Kievana durante quatro séculos. Nos 37 anos de reinado que se seguiram veio o processo de consolidação do poder real de Ivan IV, centralização dos poderes e das influências na Coroa e em Moscovo, e expansão territorial como há muitos anos não se via na sociedade eslava. No último quartel do Século XVI, já com território tomado na Fenoscândia, a Rússia já se tinha estendido para sul no Leste Europeu e tinha iniciado uma crucial expansão territorial para dentro da Ásia. Com a morte de Ivan IV (com uma insanidade extrema, diga-se) a Rússia já tinha iniciado a ocupação da Sibéria e já tinha transposto os Montes Urais. 


A Dinastia Ruríquida poderá ter terminado com o fim do Século XVI, iniciando-se um período de violenta anarquia na Rússia, contudo, a ordem foi restaurada com a chegada da Dinastia Romanov ao trono de todas as rússias. Após os Romanov terem assumido o controlo da Rússia, iniciar-se-ia a longa marcha da Rússia rumo ao estrelato mundial das potências económicas e militares. No que concerne ao território que hoje é a Ucrânia, este seria parte da Rússia até à proclamação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no início do Século XX.


Com a Revolução Comunista na Rússia em 1917, a Dinastia Romanov e o seu Absolutismo Régio foram derrubados e um projecto de libertação da humanidade foi iniciado. Esse projecto visava resolver a premente questão das nacionalidades no seio do extinto Império Russo e oferecer uma hipótese de transformação do paradigma de produção económica em todo o mundo. O projecto de que escrevo - e cujas ambições humanistas seriam destruídas em absoluto uma década após a sua fundação - é a URSS. A União Soviética foi fundada na última etapa da Guerra Civil Russa - ou, em alternativa, a guerra na qual as potências imperialistas conseguiram, a médio prazo, impedir o progresso histórico. Nos fundamentos da fundação da União Soviética, era crucial cada nacionalidade ser directamente governada pela sua república, e foi consoante o diverso mosaico de nacionalidades do antigo Império Russo - que tinha marcado a História dos povos eslavos até aí - que foram constituídas as diversas repúblicas soviéticas socialistas. A Ucrânia foi constituída como tal segundo esse mesmo propósito. Em 1954 deu-se o primeiro evento que contribuiu directamente para a situação que vemos desenrolar-se perante os nossos olhos: o Presidente da URSS, Nikita Kruschev, decidiu transferir a administração da Península da Crimeia da RFSSR (República Federal Soviética Socialista da Rússia) para a RSSU (República Soviética Socialista da Ucrânia). Após a desintegração da URSS em 1991, as diversas repúblicas alcançaram a independência de Moscovo, e a Ucrânia (mantendo o território que lhe tinha sido atribuído pela União Soviética, com capital em Kiev) afirmou-se como um estado soberano.


Nos 30 anos que se seguiram o percurso tem sido atribulado. Por um lado uma Ucrânia que quis afirmar a sua nacionalidade e a soberania, após séculos de vassalagem ao poder russo. Por outro lado, uma Rússia que se quis erguer dos escombros da URSS e reafirmar-se como uma grande potência económica e militar, como antes havia sido no tempo do Czares. É isso que Vladimir Putin quer. Ele não quer uma União Soviética nem um ‘império soviético’. Ele quer um Império Russo. Ele quer ressuscitar a glória da Rússia czarista e isso implica tomar o território ou deter controlo sobre todos os espaços que antes faziam parte ao Império Russo, independentemente de nacionalidades, de línguas, de culturas, de costumes, de vontades.


Há 8 anos a Rússia fez a sua primeira grande jogada para ressuscitar o Império, tomando proveito do altamente disseminado sentimento pró-russo que existe numa península que até então - e desde 1954 - pertencia ao território ucraniano. Essa jogada foi a anexação da Crimeia, uma península historicamente russa que detém uma importância geo-estratégica indispensável para o projecto imperialista dos actuais governantes russos. Acontece que, no âmbito dos argumentos usados pelos governantes russos para anexar a Crimeia, muita lógica existiu para legitimar a Crimeia como um território russo. Afinal, durante quase 200 anos a Crimeia tinha sido parte do Império Russo, tendo deixado de o ser por mero capricho do ucraniano Presidente da URSS Kruschev, e antes disso tinha sido um território eslavo do Império Otomano. Foi com este evento de anexação que nasceu o actual conflito russo-ucraniano. Nos anos que se seguiram as zonas de Donetsk e Luhansk, na Ucrânia, têm visto a insurgência popular de cidadãos legalmente ucranianos que não se sentem como tal, mas sim como russos. Entretanto, nesse mesmo ano em que a Crimeia foi anexada, um grupo paramilitar ganhou notoriedade, não só pelas façanhas militares na manutenção do Donbass como território ucraniano, mas também pelos seus inqualificáveis actos de barbaridade, pelos seus efectivos crimes de guerra e pela sua militância abertamente neo-nazi. O medonho grupo paramilitar de que escrevo é o Batalhão Azov, legitimado na sua dignidade actorial e patrocinado pelo Governo da Ucrânia. Este grupo de terroristas, que tem cometido torturas e assassinatos bárbaros, em nome do Estado Ucraniano, contra insurgentes pró-russos, contra militantes anti-fascistas e contra homens homossexuais ou bissexuais, tem absoluto aval do Governo de Zelensky para patrulhar e defender a pátria ucraniana. A Suástica Nazi é um dos símbolos oficiais ostentados pelo Batalhão Azov. Para aqueles que estiverem a enviar mundos e fundos e munições para o esforço de guerra ucraniano, lembrem-se que as migalhas também encontram o seu caminho até esta frente nazi ao serviço da Ucrânia. E alertava a Administração Biden para as possíveis atrocidades que a Rússia poderia cometer contra activistas LGBTQ… bem, caso não tenham reparado, essas atrocidades já são cometidas em solo ucraniano com ou sem Vladimir Putin. Mas eles bem se esforçam para nos garantir que a contenda bélica que está a ser travada é uma guerra entre o bem e o mal. Continuemos, então.


Há 7 dias, Putin decidiu abrir o jogo e agir unilateralmente, invadindo o território ucraniano para depor o seu governo e assegurar controlo e influência sobre este pedaço importante do Continente Europeu. As reacções da Europa e dos EUA foram demasiado óbvias para não serem comédia. De um segundo para outro já toda a gente sabia qual era a bandeira da Ucrânia, erguendo-a em tudo o que era redes sociais, sem esperarem um minuto e reflectir. Reflectir se por vezes a neutralidade perante conflitos não será a manobra mais sensata e segura. Espero que também já saibam apontar a Ucrânia no mapa. Espero que ninguém volte a afirmar que eslavos são todos a mesma coisa. E perante um cenário de agressão de uma nação a outra, numa Europa onde ninguém quer presenciar isso, e com razão, rápidos foram os EUA a saltarem para o pedestal de ordens, orientações e receitas de ordem mundial, usando a Europa e, sobretudo, a Ucrânia, como escudo a ser investido contra um urso furibundo que tinha estado adormecido.


No núcleo deste conflito a Ucrânia foi e é um joguete nas mãos dos EUA. Tivesse a Ucrânia honrado os Acordos de Minsk, tivesse a Ucrânia mantido a neutralidade política à semelhança da Finlândia e da Suécia, tivesse a Ucrânia não alinhado no cerco geopolítico que os EUA, através da NATO, impuseram à Rússia, tivessem os sucessivos governos ucranianos nunca reclamado adesão à NATO, talvez a Rússia nunca tivesse sentido necessidade de adoptar esta postura musculada e mandar a diplomacia aos arames. No dia em que os ucranianos compreederem que escolherem alinhar-se com a Rússia ou com os EUA é uma falácia do falso dilema e é uma armadilha que os EUA montaram à Europa e da qual o imperialismo russo logrou proveito, talvez se possa virar o tabuleiro ao contrário.


A tomada de posição que seria desejável a Europa e a República Portuguesa singularmente terem adoptado seria a neutralidade perante o conflito. Assumir iniciativa militar contra a Rússia resultaria numa guerra horrenda na Europa da qual poucos se ergueriam vivos. A neutralidade e a assessoria à mediação do conflito seria a melhor decisão para permitir o arrefecimento das tensões, aferir aquilo que a Rússia pretende retirar disto e dar uma oportunidade à Ucrânia para ajustar as suas orientações diplomáticas, longe de armadilhas norte-americanas que não resultaram em mais nada a não ser usar o povo ucraniano como carne para canhão. Se for preciso ceder os territórios russófonos na Ucrânia à Rússia, que se faça. Os mais formados poderiam, em resposta a isto, atirar-me com a anexação dos sudetas na Checoslováquia pela Alemanha Nazi. Eu garanto, em jeito de resposta, que os tempos, as circunstâncias e os intervenientes são muito diferentes daquilo que eram há mais de 80 anos. Por vezes precisamos negociar a paz. Por vezes precisamos de fazer cedências em nome da paz, e a Rússia é um interveniente com uma histórica dignidade actorial, com argumentos a favor do seu acto de guerra - se é que algum acto de guerra pode ser verdadeiramente justificado. 


A chave para a paz na Europa não reside numa NATO massiva, não reside numa Europa hostil ante a Rússia - sendo esta fornecedora de energia de primária importância para tantas nações europeias, entre as quais não se encontra Portugal -, nem reside numa constante vivência dos traumas subsistentes da Guerra Fria. A chave para a paz na Europa não reside numa contínua dependência militar nos EUA, nem reside na ausência de autonomia diplomática das nações europeias, aguardando pela receita diplomática demoníaca do Pentágono. A chave para a paz na Europa jaz no esforço que as nações europeias têm de fazer para fazer diplomacia com a Rússia. Sobretudo, a chave para a paz na Europa é encontrada quando as nações europeias abandonarem e NATO - sem renderem as armas nucleares em solo europeu - e formarem um bloco militar uno, independente e soberano. Claro que tal também significaria uma derrocada épica dos EUA, mas a Europa tem de acima de tudo assegurar a sua existência e a sua manutenção como o continente mais livre, pacífico, desenvolvido e avançado de todo o mundo. Qualquer nação europeia deve ser convidada a integrar este projecto magnânimo. Aqueles que são partidários da NATO poderão argumentar que sem a NATO a Rússia já teria avançado sobre outras nações europeias membros na NATO. Todavia, no lugar da NATO poderia estar um bloco militar exclusivamente europeu que, quanto a mim, faria um esforço diplomático muito mais digno e saudável que a actual arquitectura geopolítica de que a Europa está refém.


Vladimir Putin é um indivíduo com sede de guerra, regendo a sua nação com um punho de ferro e rejeitando qualquer manifestação na sociedade civil russa contrária aos seus desígnios imperialistas. Quanto a isso, não há argumento que valha. Todavia, creio que a classificação de Putin como um louco - como surge regularmente nos textos ‘noticiosos’ dos Media - será uma manobra deveras problemática. Putin está a fazer aquilo que tantos outros governos russos fizeram ao longo da História: assegurar as fronteiras e alargar influência russa nas nações eslavas. Nada diferente daquilo que era o projecto da alegadamente martirizada Dinastia Romanov. Quanto às sucessivas ofensas aos direitos humanos na Rússia, nem valerá a pena fazer dissertações. Todos as conhecem. Há quanto tempo me insurjo contra as violências islamo-fascistas da República da Tchetchénia - parte da Federação Russa - contra todo o tipo de grupos sociais considerados indignos pelos governantes tchetchenos? Não estou alheio a nada disso, tal como não estou alheio aos crimes humanitários cometidos por aliados dos EUA, como é exemplo a Arábia Saudita. Se na Tchetchénia - reduto fascista e islâmico na Rússia - enviam homens e mulheres homossexuais e bissexuais para campos de concentração, no Reino da Arábia Saudita há condenação a pena de morte. Se na Rússia não encontramos dignidade nem ética, porque haveria de haver dignidade ética nos EUA - num país onde a segregação racial institucional ainda é uma realidade e onde há um sangrento historial de invasões e ataques militares à revelia do Direito Internacional?


O que querem os EUA? Não faço a mais pálida ideia. É uma nação entregue ao desnorte, à ignorância, à desinformação e à estupidez. Quanto ao Pentágono e à actual administração presidencial, será quiçá mais fácil identificar o que estes pretendem. A Administração Biden pretende reunir unidade nacional em torno da sua governação acéfala - como pediu Barack Obama, às custas do povo ucraniano - e usar as nações europeias como aríete ante os portões de Moscovo. Não é somente um braço de ferro com a Rússia, é também uma instrumentalização da Europa para os interesses geopolíticos norte-americanos, como aliás a governação norte-americana fez durante toda a Guerra Fria… e a História prossegue.


Que não seja enviada uma única vida portuguesa para a frente ucraniana. Se alguém não concordar com isso, então eu voluntario essa pessoa para meter a arma ao ombro (se conseguir) e ir de caminho para Kiev. Comigo e com o Filipe não contem. Temos destinos melhores do que guerrear em contendas de gente velha. Qualquer vida portuguesa que se perder para lá das fronteiras ucranianas ou como consequência deste conflito, eu, desde já, condeno o Governo de Portugal pela perda. Nada, absolutamente nada, tinha-vos obrigado a isso. É lastimável que tenhamos abandonado a paz mediterrânica para alinhar na cascata de lágrimas ante um evento militar que há muito que estava a ser adiado e com o qual nada temos que ver. Isto é a República Portuguesa a capitular a sua própria independência.


O Estado Ucraniano está forte na sua defesa, e está de parabéns por isso. Demonstra a firmeza das Forças Armadas Ucranianas e demonstra a falta de preparação que as Forças Armadas Russas tinham para esta aventura. Há uns dias, Putin ameaçou a Finlândia e Suécia com retaliações caso estes estados quebrassem o seu princípio de neutralidade. Possivelmente, Putin não estudou a Guerra de Inverno para adoptar um discurso tão trauliteiro. Se para invadir a Ucrânia têm todo este trabalho, a violação do espaço territorial finlandês está fora do alcance russo, com ou sem Simo Hayha. 


Por último, resta apenas afirmar que as maiores vítimas da guerra são as crianças. Nada será mais horrendo do que a morte de uma criança em batalha. É um sintoma da ausência de futuro da Humanidade enquanto espécie. É por motivos humanitários, portanto, para salvaguardar o maior números de vítimas da guerra, que as nações europeias devem maximizar esforços para acolher o maior número possível de refugiados ucranianos que pretendem salvar as suas vidas e as vidas de crianças ucranianas, e em nada esta tomada de posição comprometeria qualquer princípio de neutralidade. A República Portuguesa deve fazer parte deste esforço e deve assegurar o regresso de quaisquer emigrantes portugueses na Ucrânia.


Sob pena de as chamas da guerra serem ateadas numa dimensão sem precedentes nas últimas décadas, resta à Europa não tomar atitudes precipitadas e funcionar como ponte na resolução deste conflito. Era bom que assim fosse.


Joves, 12 de Ventoso CCXXX


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