terça-feira, 30 de julho de 2024

A Bala de Trump e a Sucessão Presidencial

A tentativa de assassinato do candidato do PR (Partido Republicano), e anterior Presidente dos EUA, na Eleição Presidencial deste ano, é um fenómeno criminal e política que, no meu entendimento, demasiadas pessoas não compreenderam, e aparentemente ainda não compreendem, e é uma grande vitória para Donald Trump. O autor da tentativa de assassinato é um jovem, pouco mais novo que eu, registado no partido de Trump, branco, e já não está entre nós. O seu nome, quer se goste ou não goste, viverá para sempre na infâmia: Thomas Matthew Crooks. Este acontecimento, que desde já fica inscrito na História dos EUA, pode ser analisado em três domínios: 1) a tentativa de assassinato em si, e a relação de Donald Trump, candidato presidencial, com o facto da sua vida quase ter terminado; 2) a forma como este acontecimento influecia a campanha política e o Presidente Joe Biden; 3) e o que teria acontecido se Crooks tivesse sido bem sucedido nos seus desígnios. Passo a abordar os domínios de análise, por mim propostos, um de cada vez.


1) - Logo na noite (lá ainda era de dia) em que anunciaram “notícia de última hora”, que Donald Trump tinha sido alvejado num comício do PR, em Butler, Pensilvânia, as redes sociais - e a opinião pública generalizada, devo imaginar - lançaram-se em conjecturas de que tudo se tratava de uma encenação, da qual o atirador fazia parte, e que aquilo que Trump tinha na face não era sangue mas sim molho de tomate. O público português, assim como o público norte-americano, lançou imediatamente essa hipótese, antes de ver as filmagens, e por aí muitos continuaram depois de terem visto as filmagens. Eu próprio, assim que fui informado (pelo meu namorado, estávamos em casa), ponderei essa possibilidade. Mas ponderei essa possibilidade sem ter a mais breve ideia do que tinha acontecido. Quis, portanto, ver com os meus próprios olhos. Foi logo no momento em que vi as filmagens que essa hipótese, para mim, perdeu muita força. Na manhã seguinte, inteirando-me de mais informações relativas ao acontecimento, essa hipótese caiu no ridículo e na cegueira política. Obviamente que não foi uma encenação! O atirador foi morto no local por agentes dos serviços secretos! Da salva de tiros que Crooks disparou, para além de um ter levado um pedacinho da orelha de Trump, outro matou uma pessoa presente no comício! Não há encenações assim! Foram também feitas suposições em torno da forma como Trump reagiu ao ataque. Depois do atirador ter sido morto e do perigo ter sido neutralizado, o candidato presidencial ergueu o punho, celebrou o facto de ainda estar vivo e galvanizou o público, com a orelha ensanguentada, sendo, segundos depois, escoltado para fora do comício por agentes dos serviços secretos. Ainda sobre a hipótese de encenação, será oportuno referir algo muito importante: nenhuma farsa de tentativa de assassinato envolveria um tiro de raspão na orelha. Encenações deste tipo envolvem uma bala na perna ou no braço. Uma encenação com uma bala na orelha seria extremamente arriscada, pois a mínima falha poderia implicar uma bala na cabeça e a morte instantânea. Nesta ordem de ideias será pertinente também afirmar que Trump evadiu a morte por milímetros. Tivesse o disparo sido feito uns meros milímetros para a esquerda, neste momento estaríamos a falar de Donald Trump morto. Para remate deste primeiro ponto quero desde já expressar a minha pessoal condenação deste acto de violência política e também deixar escrita a minha condenação de retóricas acéfalas que procuraram ridicularizar, apoucar ou desvalorizar a tentativa de assassinato de um opositor político à actual administração norte-americana.


2) - Aquilo que teria sido uma desforra da eleição de 2020 estava a dar, desta vez, uma vantagem muito assinalável a Trump relativamente ao Presidente Joe Biden. Se Trump, em 2020, tinha pelo menos metade do país contra ele - e a fraca resposta dos EUA à Pandemia contribuiu para isso - e Biden apresentava-se como um candidato forte derivado da sua longa carreira, da sua experiência, de ser promovido como um sucessor de Barack Obama, e por apresentar energia suficiente para encarar a campanha de Trump, em 2024 a realidade é muito diferente. A enorme nódoa sobre o nome de Trump, derivado dos acontecimentos de 6 de Janeiro de 2021, já perdeu peso e Trump consegue apresentar-se novamente como um candidato fresco. A péssima presidência de Biden também tornou isso possível, e eu afirmo que a presidência de Biden é péssima numa perspectiva objectiva e histórica, mas também na perspectiva do eleitorado típico do PD (Partido Democrático). A Administração Biden não conseguiu oferecer respostas aos problemas sociais e económicos nos EUA, e a Administração Biden conduziu uma política externa desastrosa que levou à tomada do Afeganistão por parte dos talibãs, que dá cobertura ao Estado de Israel para levar a cabo a sua agressão contra o povo palestiniano (aqui não há nenhuma diferença entre Biden e Trump) e deu confiança a Vladimir Putin para iniciar uma invasão da Ucrânia. A forma como Biden tem relativizado o derramamento de sangue na Palestina tem, inclusive, alienado o eleitorado esquerdista do PD, eleitorado árabe e também eleitorado negro que podem ou não inserir-se dentro do possível eleitorado esquerdista. Em adição a estas circunstâncias, Biden tem vindo a perder as suas faculdades mentais nos últimos quatro anos (saliento que isto não é de agora e já se constata há muito tempo), culminando com a calamitosa prestação de Biden no primeiro debate que teve com Trump. Foi um debate mais cívico e organizado que aqueles que tiveram há quatro anos, foi um debate onde Trump procurou uma postura mais correcta e onde foi eficaz a transmitir a sua mensagem, e foi um debate no qual Biden se perdia constantemente, tropeçando no discurso, perdendo o fio à meada, fazendo confusões entre uma coisa e outra e entre um assunto e outro. Foi na sequência deste debate que fortes preocupações começaram a surgir dentro do PD. Investidores de peso começaram a retirar apoio à campanha de Biden - gente da Disney e da Netflix, por exemplo. Também destacadas figuras do PD começaram a fazer pressão para Biden desistir da corrida, entre estes o próprio Obama. Biden, por fim, a perder apoio dos Democratas na cúpula do seu partido e no Congresso dos Estados Unidos, cedeu à pressão e fez algo acertado: anunciou não se candidatar a um segundo mandato. Para além de tudo o que enunciei neste ponto, também a tentativa de assassinato de Trump contribuiu para a queda de Biden e irá contribuir para a vitória de Trump em Novembro. Trump sai reforçado depois da bala, passando a ser visto como um mártir na causa nacionalista dos EUA e como uma vítima de violência política. A forma carismática como Trump reagiu à sua tentativa de assassinato e a materialização de Trump enquanto vítima não só deram ainda mais força política a Donald Trump como também, no mesmo ritmo, retiraram ainda mais idoneidade política a Biden. Portanto, a tentativa de assassinato foi também um factor que contribuiu para a queda de Biden. As lideranças do PD compreenderam que a tentativa de assassinato tinha fortalecido (ainda mais) a demanda de Trump e dadas as circunstâncias entenderam que o afastamento de Biden seria imperativo. Dias depois, a muito custo, Biden haveria de ceder e abrir o caminho à Vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris.


3) - O que teria acontecido se por alinhamento de circunstâncias a bala tivesse encontrado o crânio de Trump, tal como aconteceu a outros presidentes norte-americanos? Haveria motins, insurreições e rebeliões em boa parte dos estados da União. Em especial aqueles que são dominados pelo PR. O ambiente político nos EUA, neste momento, seria um barril de pólvora. Seria de uma instabilidade tremenda que poderia anunciar o espoletar de uma guerra civil. Há gente, claro, que considera tal cenário um exagero, mas eu considero que o talento histórico que os EUA têm para a divisão violenta, o sectarismo e o antagonismo da outra facção política não deve ser subestimado. Aqui falamos tanto no domínio civil como no domínio militar. É por isto que é minha convicção que todos aqueles que encontraram motivo de chacota neste acontecimento não estão a compreender o que estaria em jogo se Trump tivesse sido morto. Uma guerra civil nos EUA representaria instabilidade internacional e, dada a infortuna dependência que as nações europeias têm em relação aos EUA, representaria também um grande abalo na Europa. É do nosso profundo interesse, portanto, que as contendas políticas e eleitorais nos EUA envolvam o menor volume de violência. Muitos poderão subestimar a capacidade de liderança de Trump - por virtude de não gostarem dele - mas Donald Trump é um dos intervenientes políticos mais influentes das últimas décadas. A lealdade cega e a euforia acéfala que Trump inspira no seu eleitorado não devem ser subestimadas. Ele foi subestimado em 2015 e 2016 e contrariamente às preconizações de muitos (não as minhas, devo dizer) Trump foi eleito Presidente dos EUA. Agora é diferente. Agora Trump inspira uma massa de seguidores ainda mais fanáticos, facciosos e dogmáticos… e o PD não tem a coragem política de enfrentar verdadeiramente esta maré. O que nos leva à última etapa deste texto.


A candidata que o PD apresenta para defrontar Trump, ainda que, à primeira vista, seja a opção mais óbvia - tratando-se da Vice-presidente e sendo mulher (nunca na História dos EUA houve uma mulher presidente) -, é também a opção que confirma a vitória de Trump. Kamala Harris não reúne apoio suficiente nos eleitores típicos do seu partido. Não levanta entusiasmo dentro dos eleitores independentes da Esquerda. Não inspira confiança nem consegue convencer os eleitores independentes da Classe Trabalhadora, brancos e protestantes, que presentemente (muitos deles) se encontram encantados pelo feitiço de Trump. Não tem uma estrutura programática de governo sólida e uma base ideológica suficientemente vincada e robusta que permita inspirar o eleitorado em valores universalistas e humanitários. Em suma, Kamala Harris não é de Esquerda. É mais do mesmo. Mais do mesmo Liberalismo americano que promete progresso colectivo e avanços sociais mas que fica muito aquém das promessas, à semelhança da Administração Obama, e as pessoas já viram este filme. Para concorrer contra Donald Trump em Novembro, o PD precisaria de apresentar um candidato ou candidata que reunisse os créditos políticos que Kamala Harris não tem. Talvez fosse o momento de dar uma última oportunidade ao Senador Bernie Sanders. Só um socialista convicto como Sanders - o líder da ala esquerdista do PD -, com a experiência que tem, com a reputação de honestidade e coerência de décadas, tem força popular e ideológica bastante para evitar que Trump volte a ser eleito Presidente dos Estados Unidos. Todavia, o centrismo liberal que domina as estruturas do partido e os interesses das grandes corporações não permitem que um socialista, com grande experiência, com convicções, e com grande ligação junto das camadas sociais ignoradas pelo PR, seja o candidato oficial do PD e ‘corra o risco’ de ser eleito Presidente. Para tal seria preciso uma crise socioeconómica profunda como aquela que caiu sobre os EUA em 1929 e que culminou com a eleição de Roosevelt - um estadista tão à esquerda que até Noam Chomsky o admira. No século XXI, o PD antes prefere a eleição de Trump do que ter uma administração presidencial aderente ao Socialismo.


Numa última nota, o PD sempre poderia apoiar a candidatura do Robert Kennedy Jr que presentemente se apresenta como um candidato independente, e que como tal já tem superado os 10% em sondagens, o que, atendendo à realidade política norte-americana, é um grande feito. Um candidato sensível à condição da Classe Trabalhadora nos EUA, com uma visão progressista da sociedade e um candidato preocupado com a questão climática. Também um candidato que se opõe aos massivos interesses da indústria farmacêutica nos EUA e um candidato genuinamente decidido em perceber, e dar ao público a conhecer, porque razão, e por quem, o seu pai e o seu tio foram mortos nos anos 60. Claro que por muitas destas razões, e pela promessa que Kennedy seria, os Media fazem uma campanha activa contra este candidato. E claro, o PD antes prefere ter o Trump presidente do que dar uma hipótese a Robert Kennedy Jr. Eles não detestam assim tanto o Trump.


Martes, 11 de Termidor CCXXXII

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