sexta-feira, 12 de abril de 2019

Missas que fazem Escola

Pelos vistos, há direcções de escolas e associações de pais, por esse Portugal fora, que ainda não compreenderam o princípio da laicidade do Estado na República. Apesar das constantes e suscitantes dúvidas relativamente a este princípio estar presente na Constituição Portuguesa (o actual Presidente da República parece não o compreender, com os seus números protagonizados em Fátima), a Fonte Fundamental é bem clara. Diz o Artigo 41º: "As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto"[4ª alínea]. Que significa isto? Efectivamente, que as instituições religiosas, embora livres, não são parte orgânica do Estado. Significa que o Estado é imparcial quanto a todas as religiões, não tendo nenhuma, nem reconhecendo oficialmente a existência de um deus.

Esta achega à Constituição vem a propósito dumas situações, das quais obtive conhecimento através do Diário de Notícias, no qual é relatado que em concelhos como Vieira do Minho, Famalicão, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real, há dirigentes escolares que, sob o aval dos respectivos conselhos gerais, promovem, no âmbito da própria escola, a realização de missas católicas, com óbvia vista à catequização dos próprios alunos. É assegurada, na própria notícia, que estas cerimónias religiosas não são de assistência obrigatória, todavia, o Presidente da Associação Ateísta Portuguesa, Carlos Esperança, ao DN, "garante já ter recebido queixas de pais cujos filhos se sentem pressionados a matricular-se em Educação Moral e Religiosa". A disciplina de Educação Moral Religiosa e Católica, oferecida pela escola pública como opcional, é o lobby interno que promove este género de digressões. Confesso que, por deliberada vontade, frequentei a disciplina do 5º ao 9º ano. Duas razões se prendem com tal, uma vez que, já na altura (efectivamente a partir do meu 6º ano), eu era ateu (embora só me viesse a cruzar com o conceito concreto por volta do meu 7º/8º ano): tinha, pelo menos, mais uma visita de estudo garantida, e passava 45 minutos bastante engraçados com os meus amigos. Devo dizer também que o professor Paulo Neves foi sempre uma pessoa impecável. Apesar dos meus tempos bem passados em EMRC, não me tranquiliza ver esta disciplina a ser utilizada como forma de "instrumentalização da escola pública", como afirma Ricardo Alves, Presidente da Associação República e Laicidade, ao DN. E quando a escola pública tem uma visão oficial em favorecimento duma religião, tal me remete a tempos mais fascizantes da História de Portugal.

Poderá o leitor afirmar, "mas isso é a sua opinião, que a escola não pode promover os bons valores católicos. Portugal é um país católico!". Nesse caso eu digo: Portugal até podia ser um país de gente que acredita no Monstro do Esparguete Voador, a Constituição da República - dos melhores exemplos de bom senso neste quase milenar país - é, outra vez, claríssima! Afirma o Artigo 43º: "O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas"[alínea 2ª]; "O ensino público não será confessional"[alínea 3ª]. Qualquer pessoa minimamente letrada, lendo estas alíneas d'ouro, compreenderá a machadada inconstitucional que tem sido perpetuada nestes concelhos (e noutros, possivelmente). Aliás, muito tenho pensado, e cheguei à conclusão que nem a própria existência da disciplina de EMRC na Escola Pública é constitucional. Ou seja, eu, e muitos, temos andado a participar em inconstitucionalidades, e ninguém me foi capaz de avisar... Ante estas missas de escola, PS, PSD, CDS (óbvio) e Governo da República, nada fizeram. A justificação que deram é que estas promoções religiosas estão contidas  dentro do princípio da autonomia das escolas. Uma coisa é a autonomia legal, e tais são bastante saudáveis. Outra é dirigentes escolares quebrarem a Constituição. Outra, contida nesta última, é, dentro do espaço do ensino público intelectual, beatos andarem a lavar a cabeça de menores segundo uma cartilha religiosa estabelecida, em detrimento doutras confissões, promovida pelo Estado. Isto não pode ser! Alguém tem de ser chamado à justiça. Com a laicidade do Estado não se brinca. Esta nação não se pode assimilar aos EUA, onde a laicidade também existe, mas é violada a todo o santo minuto.

Ora, é verdade! Mais um texto a achincalhar a religião, e com toda a razão, diga-se. Mas não me fico por aqui. O próximo capítulo será sobre as mais recentes actividades dum decano entre os medievalistas (não no sentido do estudo historiográfico) - o ex Papa, Joseph Ratzinger.

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