Referente à revolução cultural da década de 60 - na qual havia uma nova forma das massas olharem para a sexualidade -, o ex-Papa Bento XVI (que se lhe chame agora Joseph Ratzinger) tem a dizer que "os padrões vinculados à sexualidade colapsaram", num documento de 18 páginas por si escrito, no qual o antigo pontífice reflecte sobre estas questões e os massivos casos de pedofilia que têm sido descobertos nas últimas décadas na Igreja Católica. Isto foi notícia do Jornal Público, dia 11 de Abril. De acordo com a notícia, Ratzinger, jamais desarmando da sua investida, afirmou que o fenómeno da "total liberdade sexual" da Contracultura está "fortemente relacionado a esse colapso mental". Ratzinger também prosseguiu com umas ladainhas sobre a teologia da Igreja ter sido refreada por esta demoníaca mudança cultural e, como diriam os americanos, throwing caution to the window, decidiu, descendo a pico - qual ave de rapina -, num golpe torpe, cercado de analogia e comparação falaciosa, lançar esta tirada: "em vários seminários foram estabelecidos grupos homossexuais que actuavam mais ou menos abertamente, o que mudou completamente o clima que se vivia".
Ratzinger consegue ser bem mais sinistro que isto. Como fundamentalista católico que é, dois grandes alvos sempre estiveram na mira do ex-Papa - assim como estão na mira de demais correlegionários do clérigo reformado: os marxistas, e a sua visão satânica sobre a Economia e a História; e, claro está, o bode expiatório deste esclarecedor ensaio, os homossexuais (ou qualquer coisa relacionada com isso). O raciocínio de Joseph Ratzinger, que é altamente similar a outros tantos argumentos ainda usados - quer seja em congressos restritos ou nas belas caixas de comentário de jornais, na web -, passa por uma analogia entre: aquilo que foi a liberação da sociedade de dogmas morais religiosos - dogmas esses que banem não só a homossexualidade como também o simples uso do preservativo, ou até mesmo diversas posições sexuais -, liberação essa que de facto começou a ter lugar na sociedade internacional, em força, nos anos 60; e o 'surto' de pedofilia que, segundo o senhor padre, invadiu a Igreja Católica. Ratzinger argumenta que a suposta degeneração da Contracultura deu origem à actual crise de valores da Igreja.
Os anos 60, e o seu Movimento da Contracultura (que ainda se estende nos 70), são uma das razões de ser deste blog devido a imensas razões. Mas não será necessário ir mais longe que o símbolo que representa este blog, para se notar uma ligação entre os anos 60 e o Pensatório da Divisão. Assim sendo, convém afirmar que os anos 60 trouxeram mudanças profundas, e desde já elenco selectas: a liberação sexual de que falei; protestos globais contra a guerra - caso mais famoso, a Guerra do Vietname - e as armas nucleares (John Lennon, Albert Einstein e Bertrand Russell foram activista proeminentes nestas causas); consciência ambientalista, que ainda era muito esmorecida na altura; e todo um grande número de movimentos artísticos, entre os quais principiam os Beatles, o Bob Dylan, o David Bowie, os Pink Floyd ou os Doors, por exemplo; o Movimento dos Direitos Civis nos EUA, no qual Martin Luther King, Malcolm X e as Stonewall Riots são ícones. Só coisas boas, devo dizer! Limpando assim a sujidade, prevaricada pelo ex-Papa, do nome da Contracultura, abordo, finalizando, os argumentos concretos de Ratzinger.
A homossexualidade, para além de sempre ter sido uma realidade presente na Humanidade, sempre esteve presente no seio católico. O historiador medievalista francês Jacques Le Goff, faz questão de clarificar, na sua História do Ocidente Medieval, a existência de práticas homossexuais nesse tempo histórico, dentro da Igreja inclusive. Também sabemos que o abuso de crianças é, infelizmente, tão recuado quanto tudo isto. Portanto, quando Ratzinger vem a público afirmar que a homossexualidade é uma doença que se massifica nos anos 60, e que contamina a saúde do Catolicismo, introduzindo esta prática na Igreja, perpetuando a pedofilia, falando duma actuação de grupos homossexuais (quase como se fossem uma máfia), está não só a ser intelectualmente desonesto quanto à História, como também está a usar um grupo social como bode expiatório a ser culpado pelos crimes que se praticam na Igreja Católica. Como se homossexualidade e pedofilia fossem conceitos idênticos. Sabemos que a pedofilia não é uma questão de orientação sexual, é antes um estado psicológico grave, e que surge tanto num formato heterossexual ou homossexual. Será desnecessário dizer, mas eu digo-o ainda assim: estes argumentos, que revelam que o ex-Papa não quer encarar o núcleo do problema, e que prefere antes prosseguir com a sua sanha persecutória, são típicos dum fascista, e é isso mesmo que esse indivíduo sempre foi.
O que vemos confirmado com isto? O medo que o Catolicismo enquanto instituição - e todas as três religiões abraâmicas em especial - sempre teve do sexo e da sexualidade. Confirma também a ainda existente mentalidade de algumas cabeças. Se o pastor incita na direcção do precipício da ignorância, o mais certo é ovelhas irem atrás. Felizmente, tais ovelhas são cada vez menos. Reconheço a dureza das minhas palavras, mas usar todo um grupo social como carne para canhão, influenciando de forma irresponsável a cabeça de muita gente, não só incita ao ódio como também é um ataque a uma das melhores coisas que aconteceram na História Contemporânea: o Movimento da Contracultura da Década de 60.
Disclaimer: quando me refiro a instituições em geral, falo da sua cúpula. Há certamente elementos que fogem às tristes vicissitudes.
(Quando a poeira acalmar - ainda há muita no ar, levantada propositadamente por muita gente - escreverei sobre a questão dos 9 anos, 4 meses, 2 dias.)
Disclaimer: quando me refiro a instituições em geral, falo da sua cúpula. Há certamente elementos que fogem às tristes vicissitudes.
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