quarta-feira, 3 de abril de 2019

Reminiscências da Inquisição

Foi noticiado por vários órgãos de comunicação social que a Igreja Católica praticou mais outro crime intelectual. Em causa está um grupo de padres católicos, na Polónia, que, ora por mau gosto, ora pela patologia que lhes é inerente, decidiram que deviam queimar livros considerados "impróprios e ofensivos à moral cristã". Neste Index do Santo Ofício dos tempos modernos, encontram-se livros da série literária Harry Potter, escritos pela J.K. Rowling. Antes de mais, fazendo uma declaração de interesse, acho que a Joanne merecia todo o género de honras literárias, desde 2007. Também quero afirmar que, no domínio da literatura (e de muitas outras coisas) nada me é mais querido que estes livros. Todos os Verões, desde o de 2016, faço questão, com grande delícia (porventura ofensiva e imoral para estes neo-medievalistas), de arrumar com as 3000 páginas dos 7 volumes... o que costuma levar um mês. Certo. Dito isto, o leitor compreenderá o quanto sentimental sou perante esta Obra da Literatura imensa, que toca em tantos pontos da vida e da sociedade, tão bem escrito e pensado, tão divertido e tão sério... e só de pensar que ao queimarem aqueles livros estão a queimar o próprio Albus Dumbledore - não tenho habilidade suficiente para colocar em prosa o que me vai na mente.

Para essa gente sinistra, cujas vidas são vividas em torno de preconceito, ódio, medo e obscurantismo, que se divertem com estes espectáculos, para esses padres católicos e para toda a cúpula que lhes presta vassalagem, compreendam uma coisa: livros não se queimam. Nenhum livro deve ser queimado. Nenhum! Não se queima o Mein Kampf, é um testemunho dos tempos. Não se queima o Malleus Maleficarum (que certamente adorarão), é um documento histórico imprescindível para se estudar a Era Medieval. Não se queima o Código de Hammurabi. Não se queima o Alcorão. Não se queima o Tora. Não se queima a Bíblia. Não se queima Camões, Cervantes, Shakespeare, Platão, Sun Tzu, Byron, Allan Poe, Tolstoy, Pessoa, Saramago, Orwell, Huxley, Hitchens, Chomsky. Também não se queimam obras marxistas... ou fascistas. Não se queimam livros, são conhecimento, padres, sabem o que isso é? E certamente não se queima uma obra literária que atingiu o coração de tanta gente, de tantas nacionalidades e demografias, desde os 10 aos 80 anos de idade. Que vergonha... o que irá dizer um hipotético futuro mundo civilizado deste circo?

Terminando. Acho que estes padres deveriam estar mais preocupados com os reportados 400 casos de pedofilia na Igreja Católica polaca, levantados desde os anos 90. Acho que Francisco I deveria tomar medidas, mas quer-me parecer que há mais uma desilusão a caminho. Um Papa Francisco semelhante àquele que o mundo pinta excomungá-los-ia. Mas isso não vai acontecer. A capela católica - a matilha, como dizia José Saramago -  que lá manda é toda una, infelizmente, e Francisco I jamais os irá enfrentar.

Pedindo desculpa aos meus pais, à minha madrinha e ao meu padrinho (a culpa nem se quer é totalmente deles, mas enfim, continuo a adorar-vos, e de qualquer das formas o meu pai é agnóstico), por esta, e por incontáveis outras razões, tenho tanto asco em estar baptizado na Igreja Católica. Tenho nojo do próprio número que represento como membro do Catolicismo e da Cristandade. Uma Igreja que, sejamos claros, efectivamente me odeia. Assim como o seu Deus me odiaria... se existisse claro.

(Disclaimer, à precaução: Este texto não afirma que eu tenho repugnância pelos católicos em geral, ou que odeio todos os padres, ou que todos os católicos me odeiam, não é isso o que lá está escrito. Estou a falar da matilha que manda, e do ideário claro... há coisas que não se deviam esquecer tão depressa.)

Será que João Paulo II aplaudiria estes espectáculos inquisitoriais?

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