sábado, 21 de setembro de 2019

Legislativas 2019: Partido Social Democrata

De entre todos os partidos que concorrem às Eleições Legislativas deste ano, duvido que haja partido, cujo nome traga mais confusões ao eleitorado ideologicamente informado, do que o PSD. No seu passado fundador, logo após o 25 de Abril, fundação essa liderada por Francisco Sá Carneiro, o nome era Partido Popular Democrático (PPD). As bases ideológicas do partido eram, essencialmente, moldadas segundo o pensamento político de Sá Carneiro - base socioeconómica fiel à Social Democracia histórica, e base filosófico-cultural fiel ao humanismo cristão. Na verdade, Sá Carneiro era uma figura central, de tal forma carismática, na imagem do partido - por consequência da sua oposição ao Regime Fascista, da sua destreza política, e da sua vasta intelectualidade - que muitos só se tornaram militantes do PPD por causa daquele ser o partido de Sá Carneiro. Rui Rio, o actual Presidente do PSD, é um dos que afirma tal coisa, e confesso que não o posso criticar de forma alguma, nesse aspecto. Durante o tempo que Sá Carneiro foi Primeiro-Ministro de Portugal (1980), após ter ganho as eleições em coligação com partidos de Direita (CDS e o Partido Popular Monárquico), houve não só uma abertura para discussões sociais que até então eram tabu na sociedade portuguesa - como a legalização da homossexualidade, que se concretizou eventualmente em 1982, com a revisão do Código Civil - mas houve também um grande reforço no Estado Social, apoio ao estabelecimento dum Serviço Nacional de Saúde (fundado nesse ano, antes das eleições), considerável investimento público, e reformas agrárias no Alentejo que, embora haja quem isto conteste, se poderão considerar de Esquerda. Devo assinalar que este Governo foi também o primeiro em Portugal a ter uma consciência ecológica e ambiental, por influência, talvez, do Engenheiro Gonçalo Ribeiro Telles, que era, então, o líder do PPM.
Sinto também que, antes de avançar para tempos mais actuais, devo fazer uma menção à questão da relação entre o Socialismo e a Social Democracia do PPD. Graças às Fontes Historiográficas, é inegável que Socialismo fazia parte do léxico do PPD e do seu Presidente. Não um Socialismo como eu o defendo, possivelmente. Há muitas interpretações para o caminho socialista, umas mais retrógradas que outras. O Socialismo, como conceito presente no glossário da Social Democracia clássica, representa uma ferramenta para anular as feridas causadas pelo Sistema Capitalista, através de uma grande intervenção do Estado na Economia, por vias reformistas e não revolucionárias, de modo a criar uma sociedade mais justa e igualitária. O PPD e Sá Carneiro regiam-se por isto de tal forma que José Miguel Júdice acusou o CDS, de Freitas do Amaral, de se estar a desviar à Esquerda. Aliás, Júdice, que para mal da sociedade tem tido tempo de antena exclusivo durante 40 anos, até aos dias de hoje, discorda completamente de mim quanto ao relação que existe entre o Socialismo e o PPD... ou eu é que discordo dele. No seu livro, escrito dois anos após a morte de Sá Carneiro, "O Pensamento Político de Sá Carneiro e outros Estudos", ele afirma não só que a Social Democracia clássica tem como objectivo guiar o modelo a um "Liberalismo avançado", como também afirma que a única razão que levou o PPD, nos seus primeiros anos, a usar o termo Socialismo foi por mera conveniência política. Afirma ele que a situação eleitoral se vivia de tal forma que era impossível um partido ter sucesso eleitoral sem ter Socialismo no glossário. A isto eu chamo manipulação da verdade e revisionismo histórico. As práticas e a História falarão sempre mais alto. De qualquer dos casos, um dia destes ocuparei o meu tempo a dedicar um texto à pessoa do José Miguel Júdice.
Na essência Sá Carneiro está entre os últimos dos sociais democratas neste país. Um cristão que não era dogmático - aliás, os seus planos de divórcio e algumas das suas visões progressistas trouxeram-lhe achincalhamento político e problemas com a Igreja Católica - e um defensor do Estado Social com uma mentalidade personalista. Mas, como julgo que devia ser do conhecimento geral, há um PSD da era social democrata, e um PSD pós-Sá Carneiro.
Após a morte prematura e estranha de Sá Carneiro - tragédia essa (Caso Camarate) à qual dedicarei um texto em Dezembro do próximo ano - demorou apenas 5 anos que o partido fosse absolutamente sequestrado pelo Conservadorismo Social e pelo Neoliberalismo económico. Alguns dos autores desse sequestro são precisamente José Miguel Júdice e Aníbal Cavaco Silva. O pior é que não foi só o partido que foi sequestrado, o eleitorado do partido veio a reboque. Poucos debandaram, mas muitos, cegos ao facto de que o PSD só já mantinha a Social Democracia no nome, mantiveram-se nas fileiras. Reitero que não foi necessário André Silva e Catarina Martins - duas pessoas pelas quais tenho grande respeito - dizerem que o PSD já não respeita a ideologia que o fundou. Eu já cheguei a essa conclusão há anos, modéstia à parte.
Muita da História política recente da República Portuguesa, pelos piores motivos, afunila num nome: Cavaco Silva. Os 10 anos de Cavaquistão (1985-1995) marcaram Portugal com uma política gémea à Administração de Ronald Reagan e ao Gabinete de Margaret Thatcher, baseada em: privatizações de sectores da sociedade, e do Estado, importantíssimos; intentonas contra as forças sindicais e a Classe Trabalhadora; disseminação dum Catolicismo dogmático (devo lembrar que foi o Governo de Cavaco que impediu que o livro " O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de José Saramago, ganhasse um Prémio Europeu), aliado ao Pensamento Único e Acrítico; esbanjamento de fundos importantíssimos que deveriam ter sido canalizados na Educação e na Saúde, e que acabaram por cair em obras desprovidas de sentido - como a construção de três auto-estradas entre Lisboa e Porto -, entre outras maleitas que o Professor Cavaco nos legou. A História do PSD que a seguir se seguiu é um espelho deste sequestro. Uma sequência de líderes seguiram a Cavaco Silva, como Durão Barroso, Santana Lopes e Pedro Passos Coelho, que nada mais fizeram que seguir as passadas do padrinho da investida neoliberal nesta República.
Mas abordemos então o caso actual, sobre a liderança de Rui Rio. No meu ponto de vista, o estilo retórico e, se quisermos, estético, de Rui Rio, é em muito diferente daquilo que têm sido os líderes do PSD dos últimos anos. Talvez por influência da sua veia nortenha (curioso que Sá Carneiro também era natural do Porto), Rio tem uma forma de actuar consideravelmente genuína e honesta, não estando preocupado em ter uma rígida e imutável figura de Estado. Talvez, por consequência da sua franqueza, e também das suas claras críticas à comunicação social, Rio tem coleccionado grande animosidade por parte dos Media, que não têm prestado grande credibilidade a Rui Rio. Vale a pena afirmar que Rio tem experiência política, não só como ex-deputado - cargo no qual ele não tem interesse, como já afirmou - mas também como Presidente da Câmara Municipal do Porto. Rio, aliás, tem a característica interessantíssima de reunir mais opositores propriamente ditos, junto dos barões do partido dele, do que com os seus adversários extra-partidários. Há quem diga que é o lobby de Lisboa, há quem diga que são os sinais do cataclismo no PSD. Eu confesso que, numa altura, tive esperança que o Rio desviasse o PSD para a Social Democracia. Quando foi a última vez que um Presidente do PSD disse, afinal, que o partido não era de Direita? Sá Carneiro, precisamente! Mas foi, confesso, uma esperança altamente ingénua. No máximo, talvez, haja um afastamento do jugo do CDS, mas por outro lado algo me diz que a actual presidência no PSD não vai ser longa. Eu não sou fã do Rio, mas não tenho animosidade por ele, como tenho para com Passos Coelho, Paulo Portas ou, sei lá, Marques Mendes. Diria até que gosto mais de Rui Rio do que do Presidente da República (um barão rebelde do PSD que já há muito me tirou do sério). Mas o programa do PSD continua assente nas premissas que têm orientado o partido nos últimos 30 anos, e a Social Democracia continua em diáspora neste país, dispersa por vários cidadãos, instituições e partidos mais pequenos que o PSD.
O resultado do PSD? Vai ser dramático, trágico, como nada que alguma vez tenha acontecido. O resultado que o PSD terá nestas eleições reforçará em níveis gigantescos o PS e abrirá, num futuro próximo - quem sabe - caminho para formas mais vincadas e conservadoras de Direita.

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