Texto da autoria de Afonso Mourato Nabo
Há alguns anos, eu não dava valor às sondagens.
Num universo superior a 10 milhões e 500 mil eleitores, espalhados por Portugal continental, arquipélagos da Madeira e dos Açores, Europa e Resto do Mundo, é
muito arriscado fazer extrapolações à escala nacional a partir de 500 ou 1000
entrevistas. No entanto, isto não é novidade para quem conduz estes processos,
por isso é que existem diversas técnicas para aumentar a fiabilidade dos
resultados.
Não obstante, a razão pela qual, nos dias de
hoje, dou imenso valor às sondagens não se prende tanto com o facto de
traduzirem as opções do eleitorado, mas penso que são as opções do eleitorado que,
de certa forma, se deixam influenciar pelos resultados das sondagens. É claro
que as sondagens também traduzem a vontade de UMA PARTE do eleitorado e admito
que se possa proceder a extrapolações (depois cada um analisa como quiser). Por
outro lado, também acredito que os resultados das sondagens não constituem o
principal factor influenciador das escolhas dos eleitores. Ainda assim, apesar
do artificialismo e desvantagens inerentes ao processo, as sondagens são, do
meu ponto de vista, instrumentos de opinião a ter em consideração, visto que,
no fim de contas, são a forma mais fiável, quando bem realizadas, de aferir o
posicionamento dos eleitores sobre as mais variadas questões (sem contar com o
sufrágio propriamente dito).
Estas considerações levam-me para outra questão
relacionada com a diversidade de empresas a realizar estudos de opinião. Não me
parece que exista qualquer problema relacionado com a realização do mesmo tipo
de sondagens (em Portugal, a maioria são simulações de eleições legislativas)
por diferentes empresas de estudos de opinião. Em Portugal, para além da
Intercampus e da Eurosondagem, a Aximage, a parceria ISCTE/ICS-UL, o CESOP da
Universidade Católica, a Pitagórica e a Multidados também produzem estudos de
opinião. Neste momento, pretendo focar-me apenas na Intercampus e na Eurosondagem
porque foram estas as empresas que produziram o maior número de sondagens sobre
a preferência partidária dos eleitores desde as Eleições Legislativas 2019. A
Intercampus produziu cinco sondagens e a Eurosondagem produziu quatro (a
Intercampus fez um estudo em Outubro, a Eurosondagem não).
Após analisar os resultados das várias
sondagens conduzidas por estas duas empresas, onde se colocou (talvez por
outras palavras) a seguinte pergunta, “Se as Eleições Legislativas fossem hoje,
em que partido votaria?”, cheguei à conclusão que os resultados obtidos não são
semelhantes. Isto é perfeitamente natural, pois basta pensar que as cerca de
600 pessoas que a Intercampus entrevista para cada sondagem não fazem parte do
grupo de cerca de 1000 pessoas que a Eurosondagem entrevista para as suas
sondagens. Para além disto, é completamente possível que as pessoas
entrevistadas nunca sejam as mesmas. Portanto, o facto das empresas obterem
resultados diferentes de mês para mês é perfeitamente natural. Também, o facto
de chegarem a resultados diferentes sobre o mesmo tema, no mesmo mês, acaba por
ser uma consequência do que acabei de sugerir.
No entanto, a minha atenção desperta quando
observo padrões. Neste caso, a existência de padrões poderá ser um sintoma de
que algo não está bem. Aqueles que possuem uma técnica da indução bastante
apurada, não só reparam facilmente na existência de padrões, como também rapidamente
adivinham o acontecimento seguinte, caso exista, de facto, um padrão. Ora, nada
disto é suposto acontecer quando se trata de preferências de eleitores,
entrevistados de forma aleatória (respeitando apenas algumas regras para que o
processo seja levado a cabo da melhor forma). Pude observar que, apesar de não haver
qualquer problema com a diferença de resultados obtidos pelas empresas, existem
tendências demasiado evidentes, quer do lado dos resultados das sondagens da
Intercampus, quer do lado da Eurosondagem.
Vamos, então, passar à análise. Em cinco
sondagens da Intercampus, o PS regista perdas sucessivas, passando de 35,6% no
final de Outubro para 31,1% em Fevereiro. No entanto, em quatro sondagens da
Eurosondagem, o mesmo partido regista ganhos sucessivos, passando de 36,9% em
Novembro para 37,4% em Fevereiro. Já o PSD, nas sondagens da Intercampus,
registou ganhos sucessivos nas quatro primeiras sondagens (subiu 1% ao todo),
até que, em Fevereiro, caiu 2% para os 23,8%. Contudo, nas sondagens da
Eurosondagem, entre Novembro e Fevereiro, perdeu apenas 0,4%, ficando nos
26,7%.
Mas os casos que podem levantar sérias dúvidas
são os próximos, nem que seja pelos partidos em causa. O Bloco de Esquerda, nas
sondagens da Intercampus, passou de 10,7% em Outubro para 13,2% em Fevereiro.
Nas sondagens da Eurosondagem registou perdas sucessivas, passando de 10,1% em
Novembro para 9% em Fevereiro. Mas o caso mais notório é o do Chega, que
regista aumentos sucessivos nas sondagens da Intercampus, passando de 2,5% em
Outubro para 6,9% em Fevereiro, ou seja, de 8ª força política para 4ª força
política. Nas sondagens da Eurosondagem, nem entra nas contas em Novembro (tal
como a Iniciativa Liberal e o Livre) e sobe apenas 0,6% em três sondagens,
passando de 1,9% em Dezembro para 2,5% em Fevereiro.
Para além destes quatro partidos, são avaliadas
pelas sondagens outras cinco forças políticas, sempre com tendências diferentes
quando comparados os resultados de ambas as empresas, salvo uma excepção. Nas
sondagens da Intercampus, a Coligação Democrática Unitária (composta pelo
Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes”) chegou aos 8,1%,
obtendo 6,3% em Fevereiro, logo atrás do Chega. Nas sondagens da Eurosondagem,
apenas chegou aos 7,1%, mas acabou por obter em Fevereiro sensivelmente o mesmo
valor. Portanto, sinto-me à vontade para afirmar que a CDU é a rara excepção,
visto que apresenta valores diferentes nos estudos das duas empresas sem que se
possa concluir que haja padrões de evolução totalmente diferentes de uma
empresa para a outra.
Apesar de ter obtido 0,8% em Fevereiro, as
sondagens da Intercampus começaram por ser bastante generosas para o Livre,
tendo o partido atingido os 2,7%. Nas sondagens da Eurosondagem, o Livre nunca
passou dos 0,6%. A Iniciativa Liberal obteve 2,9% no mês de Fevereiro, no que
toca à sondagem da Intercampus, mas o melhor que conseguiu nas sondagens da
Eurosondagem foi 1,3%. Já o partido Pessoas-Animais-Natureza chegou aos 6,1%
nas sondagens da Intercampus e em Fevereiro registou 5,4% das intenções de
voto, mas nas sondagens da Eurosondagem o melhor que conseguiu foi 3,6%. Por
último, o Centro Democrático e Social – Partido Popular, no meio de subidas e
descidas, conseguiu um máximo de 4,4%, um mínimo de 1,9% e obteve 3,5% das
intenções de voto em Fevereiro nas sondagens da Intercampus, mas nas sondagens
da Eurosondagem apenas variou 0,7% entre Novembro e Fevereiro, tendo começado
nos 4% e descido até aos 3,3%.
Nas sondagens da Intercampus, todos os partidos
apresentam variações, algumas mais notórias que outras. Nas sondagens da
Eurosondagem, tal não acontece. O PS varia 0,5% entre máximo e mínimo (e
ganha), o PSD varia 0,6% (e perde), o BE varia 1,1% (e perde), a CDU varia 0,6%
(e perde), o CDS-PP varia 0,7% (e perde), o PAN varia 0,5% (e perde), o Chega
varia 0,6% (e ganha), a IL varia 0,2% (e mantém) e o Livre varia 0,1% (e
perde). Como já foi dito, estes últimos três partidos nem foram avaliados na
primeira sondagem da Eurosondagem, em Novembro.
Temos, claramente, dois padrões de evolução das
intenções de voto completamente diferentes de um grupo de estudos para o outro.
Se nas sondagens da Intercampus o PS perde 4,5% de Outubro para Fevereiro, nas
sondagens da Eurosondagem ganha 0,5%. Se nas sondagens da Intercampus o BE
ganha 2,5%, mas nas sondagens da Eurosondagem perde 1,1%. Se nas sondagens da
Intercampus o Chega ganha 4,4%, nas sondagens da Eurosondagem ganha apenas
0,6%. Poderia continuar a dar mais exemplos, mas penso que fica bem patente,
principalmente nestes três exemplos, as diferentes tendências.
Resta perguntar: porque é que existe esta
diferença? Não será algo perfeitamente normal? É claro que podemos assumir que
é normal, tendo em conta aquilo que expliquei anteriormente: as pessoas
entrevistadas não são as mesmas. Mas, se são escolhidas de forma aleatória,
porque é que as sondagens da Eurosondagem apresentam sempre tamanha rigidez na
variação das percentagens, ao passo que as sondagens da Intercampus apresentam
tantas variações? Porque é que as sondagens da Eurosondagem conservam os
partidos de tal forma que mal variam, sendo que o partido do Governo é um de
apenas dois que sobem nos resultados? Eu não tenho respostas concretas para
estas perguntas, apenas suposições.
A principal ideia que quero deixar é que, neste
momento, acredito que as sondagens já não são como as esferográficas, pois
escreve-se com uma qualquer. Desengane-se quem pensa que as campanhas
eleitorais e os programas partidários compõem a propaganda dos partidos: existe
um novo mundo político que não pára, não dorme, está 24 sobre 24 horas a
funcionar. Tudo é política, tudo serve para ganhar a confiança dos eleitores,
até mesmo daqueles que não compreendem o tema de hoje.
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Dados relativos ao resultado das eleições e às sondagens da Intercampus e Eurosondagem:
Eleições Legislativas 2019 (51.4% abstenção)
6 Outubro
PS - 36,4% (108 deputados); PSD - 27,8% (79); BE - 9,5% (19); CDU - 6,3% (12); CDS-PP - 4,2% (5); PAN - 3,3% (4); CH - 1,3% (1); IL - 1,3% (1); L - 1,1% (1)
...
Intercampus (604 pessoas)
22 a 28 Outubro
PS - 35,6%; PSD - 24,8%; BE - 10,7%; CDU - 6,9%; PAN - 5,3%; CDS-PP - 4,4%; L - 2,7%; CH - 2,5%; IL - 0,8%
Intercampus (604 pessoas)
20 a 26 Novembro
PS - 34,9%; PSD - 24,9%; BE - 10,8%; CDU - 8,1%; PAN - 4,8%; CH - 4,8%; CDS-PP - 2,9%; IL - 2,9%; L - 2,7%
Intercampus (606 pessoas)
12 a 17 Dezembro
PS - 33,9%; PSD - 25,7%; BE - 10,7%; CDU - 6,3%; PAN - 6,1%; CH - 5,7%; CDS-PP - 3,9%; IL - 2,4%; L - 1,1%
Rui Rio reeleito Presidente do PSD
Intercampus (619 pessoas)
19 a 24 Janeiro
PS - 32,8%; PSD - 25,8%; BE - 11,9%; CDU - 6,2%; CH - 6,2%; PAN - 6,0%; IL - 2,3%; CDS-PP - 1,9%; L - 1,7%
Francisco Rodrigues dos Santos eleito Presidente do CDS-PP
Joacine Katar Moreira deixa de representar o Livre na Assembleia da República
Orçamento de Estado 2020 aprovado em votação final global
André Ventura anuncia candidatura a Presidente da República pelo Chega
Intercampus (614 pessoas)
11 a 17 Fevereiro
PS - 31,1%; PSD - 23,8%; BE - 13,2%; CH - 6,9%; CDU - 6,3%; PAN - 5,4%; CDS-PP - 3,5%; IL - 2,9%; L - 0,8%
...
Eurosondagem (1011 pessoas)
17 a 21 Novembro
PS - 36,9%; PSD - 27,1%; BE - 10,1%; CDU - 6,9%; CDS-PP - 4,0%; PAN - 3,3%
Eurosondagem (1019 pessoas)
8 a 12 Dezembro
PS - 37,1%; PSD - 26,9%; BE - 9,5%; CDU - 7,1%; CDS-PP - 3,6%; PAN - 3,5%; CH - 1,9%; IL - 1,1%; L - 0,6%
Eurosondagem (1010 pessoas)
5 a 9 Janeiro
PS - 37,2%; PSD - 26,5%; BE - 9,6%; CDU - 6,6%; PAN - 3,6%; CDS-PP - 3,5%; CH - 2,2%; IL - 1,3%; L - 0,6%
Rui Rio reeleito Presidente do PSD
Francisco Rodrigues dos Santos eleito Presidente do CDS-PP
Joacine Katar Moreira deixa de representar o Livre na Assembleia da República
Eurosondagem (1020 pessoas)
2 a 6 Fevereiro
PS - 37,4%; PSD - 26,7%; BE - 9,0%; CDU - 6,5%; CDS-PP - 3,3%; PAN - 3,1%; CH - 2,5%; IL - 1,1%; L - 0,5%
Orçamento de Estado 2020 aprovado em votação final global
André Ventura anuncia candidatura a Presidente da República pelo Chega
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