terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Sondagens: um instrumento de (des)informação

Texto da autoria de Afonso Mourato Nabo

Há alguns anos, eu não dava valor às sondagens. Num universo superior a 10 milhões e 500 mil eleitores, espalhados por Portugal continental, arquipélagos da Madeira e dos Açores, Europa e Resto do Mundo, é muito arriscado fazer extrapolações à escala nacional a partir de 500 ou 1000 entrevistas. No entanto, isto não é novidade para quem conduz estes processos, por isso é que existem diversas técnicas para aumentar a fiabilidade dos resultados.

Não obstante, a razão pela qual, nos dias de hoje, dou imenso valor às sondagens não se prende tanto com o facto de traduzirem as opções do eleitorado, mas penso que são as opções do eleitorado que, de certa forma, se deixam influenciar pelos resultados das sondagens. É claro que as sondagens também traduzem a vontade de UMA PARTE do eleitorado e admito que se possa proceder a extrapolações (depois cada um analisa como quiser). Por outro lado, também acredito que os resultados das sondagens não constituem o principal factor influenciador das escolhas dos eleitores. Ainda assim, apesar do artificialismo e desvantagens inerentes ao processo, as sondagens são, do meu ponto de vista, instrumentos de opinião a ter em consideração, visto que, no fim de contas, são a forma mais fiável, quando bem realizadas, de aferir o posicionamento dos eleitores sobre as mais variadas questões (sem contar com o sufrágio propriamente dito).

Estas considerações levam-me para outra questão relacionada com a diversidade de empresas a realizar estudos de opinião. Não me parece que exista qualquer problema relacionado com a realização do mesmo tipo de sondagens (em Portugal, a maioria são simulações de eleições legislativas) por diferentes empresas de estudos de opinião. Em Portugal, para além da Intercampus e da Eurosondagem, a Aximage, a parceria ISCTE/ICS-UL, o CESOP da Universidade Católica, a Pitagórica e a Multidados também produzem estudos de opinião. Neste momento, pretendo focar-me apenas na Intercampus e na Eurosondagem porque foram estas as empresas que produziram o maior número de sondagens sobre a preferência partidária dos eleitores desde as Eleições Legislativas 2019. A Intercampus produziu cinco sondagens e a Eurosondagem produziu quatro (a Intercampus fez um estudo em Outubro, a Eurosondagem não).

Após analisar os resultados das várias sondagens conduzidas por estas duas empresas, onde se colocou (talvez por outras palavras) a seguinte pergunta, “Se as Eleições Legislativas fossem hoje, em que partido votaria?”, cheguei à conclusão que os resultados obtidos não são semelhantes. Isto é perfeitamente natural, pois basta pensar que as cerca de 600 pessoas que a Intercampus entrevista para cada sondagem não fazem parte do grupo de cerca de 1000 pessoas que a Eurosondagem entrevista para as suas sondagens. Para além disto, é completamente possível que as pessoas entrevistadas nunca sejam as mesmas. Portanto, o facto das empresas obterem resultados diferentes de mês para mês é perfeitamente natural. Também, o facto de chegarem a resultados diferentes sobre o mesmo tema, no mesmo mês, acaba por ser uma consequência do que acabei de sugerir.

No entanto, a minha atenção desperta quando observo padrões. Neste caso, a existência de padrões poderá ser um sintoma de que algo não está bem. Aqueles que possuem uma técnica da indução bastante apurada, não só reparam facilmente na existência de padrões, como também rapidamente adivinham o acontecimento seguinte, caso exista, de facto, um padrão. Ora, nada disto é suposto acontecer quando se trata de preferências de eleitores, entrevistados de forma aleatória (respeitando apenas algumas regras para que o processo seja levado a cabo da melhor forma). Pude observar que, apesar de não haver qualquer problema com a diferença de resultados obtidos pelas empresas, existem tendências demasiado evidentes, quer do lado dos resultados das sondagens da Intercampus, quer do lado da Eurosondagem.

Vamos, então, passar à análise. Em cinco sondagens da Intercampus, o PS regista perdas sucessivas, passando de 35,6% no final de Outubro para 31,1% em Fevereiro. No entanto, em quatro sondagens da Eurosondagem, o mesmo partido regista ganhos sucessivos, passando de 36,9% em Novembro para 37,4% em Fevereiro. Já o PSD, nas sondagens da Intercampus, registou ganhos sucessivos nas quatro primeiras sondagens (subiu 1% ao todo), até que, em Fevereiro, caiu 2% para os 23,8%. Contudo, nas sondagens da Eurosondagem, entre Novembro e Fevereiro, perdeu apenas 0,4%, ficando nos 26,7%.

Mas os casos que podem levantar sérias dúvidas são os próximos, nem que seja pelos partidos em causa. O Bloco de Esquerda, nas sondagens da Intercampus, passou de 10,7% em Outubro para 13,2% em Fevereiro. Nas sondagens da Eurosondagem registou perdas sucessivas, passando de 10,1% em Novembro para 9% em Fevereiro. Mas o caso mais notório é o do Chega, que regista aumentos sucessivos nas sondagens da Intercampus, passando de 2,5% em Outubro para 6,9% em Fevereiro, ou seja, de 8ª força política para 4ª força política. Nas sondagens da Eurosondagem, nem entra nas contas em Novembro (tal como a Iniciativa Liberal e o Livre) e sobe apenas 0,6% em três sondagens, passando de 1,9% em Dezembro para 2,5% em Fevereiro.

Para além destes quatro partidos, são avaliadas pelas sondagens outras cinco forças políticas, sempre com tendências diferentes quando comparados os resultados de ambas as empresas, salvo uma excepção. Nas sondagens da Intercampus, a Coligação Democrática Unitária (composta pelo Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes”) chegou aos 8,1%, obtendo 6,3% em Fevereiro, logo atrás do Chega. Nas sondagens da Eurosondagem, apenas chegou aos 7,1%, mas acabou por obter em Fevereiro sensivelmente o mesmo valor. Portanto, sinto-me à vontade para afirmar que a CDU é a rara excepção, visto que apresenta valores diferentes nos estudos das duas empresas sem que se possa concluir que haja padrões de evolução totalmente diferentes de uma empresa para a outra.

Apesar de ter obtido 0,8% em Fevereiro, as sondagens da Intercampus começaram por ser bastante generosas para o Livre, tendo o partido atingido os 2,7%. Nas sondagens da Eurosondagem, o Livre nunca passou dos 0,6%. A Iniciativa Liberal obteve 2,9% no mês de Fevereiro, no que toca à sondagem da Intercampus, mas o melhor que conseguiu nas sondagens da Eurosondagem foi 1,3%. Já o partido Pessoas-Animais-Natureza chegou aos 6,1% nas sondagens da Intercampus e em Fevereiro registou 5,4% das intenções de voto, mas nas sondagens da Eurosondagem o melhor que conseguiu foi 3,6%. Por último, o Centro Democrático e Social – Partido Popular, no meio de subidas e descidas, conseguiu um máximo de 4,4%, um mínimo de 1,9% e obteve 3,5% das intenções de voto em Fevereiro nas sondagens da Intercampus, mas nas sondagens da Eurosondagem apenas variou 0,7% entre Novembro e Fevereiro, tendo começado nos 4% e descido até aos 3,3%.

Nas sondagens da Intercampus, todos os partidos apresentam variações, algumas mais notórias que outras. Nas sondagens da Eurosondagem, tal não acontece. O PS varia 0,5% entre máximo e mínimo (e ganha), o PSD varia 0,6% (e perde), o BE varia 1,1% (e perde), a CDU varia 0,6% (e perde), o CDS-PP varia 0,7% (e perde), o PAN varia 0,5% (e perde), o Chega varia 0,6% (e ganha), a IL varia 0,2% (e mantém) e o Livre varia 0,1% (e perde). Como já foi dito, estes últimos três partidos nem foram avaliados na primeira sondagem da Eurosondagem, em Novembro.

Temos, claramente, dois padrões de evolução das intenções de voto completamente diferentes de um grupo de estudos para o outro. Se nas sondagens da Intercampus o PS perde 4,5% de Outubro para Fevereiro, nas sondagens da Eurosondagem ganha 0,5%. Se nas sondagens da Intercampus o BE ganha 2,5%, mas nas sondagens da Eurosondagem perde 1,1%. Se nas sondagens da Intercampus o Chega ganha 4,4%, nas sondagens da Eurosondagem ganha apenas 0,6%. Poderia continuar a dar mais exemplos, mas penso que fica bem patente, principalmente nestes três exemplos, as diferentes tendências.

Resta perguntar: porque é que existe esta diferença? Não será algo perfeitamente normal? É claro que podemos assumir que é normal, tendo em conta aquilo que expliquei anteriormente: as pessoas entrevistadas não são as mesmas. Mas, se são escolhidas de forma aleatória, porque é que as sondagens da Eurosondagem apresentam sempre tamanha rigidez na variação das percentagens, ao passo que as sondagens da Intercampus apresentam tantas variações? Porque é que as sondagens da Eurosondagem conservam os partidos de tal forma que mal variam, sendo que o partido do Governo é um de apenas dois que sobem nos resultados? Eu não tenho respostas concretas para estas perguntas, apenas suposições.

A principal ideia que quero deixar é que, neste momento, acredito que as sondagens já não são como as esferográficas, pois escreve-se com uma qualquer. Desengane-se quem pensa que as campanhas eleitorais e os programas partidários compõem a propaganda dos partidos: existe um novo mundo político que não pára, não dorme, está 24 sobre 24 horas a funcionar. Tudo é política, tudo serve para ganhar a confiança dos eleitores, até mesmo daqueles que não compreendem o tema de hoje.

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Dados relativos ao resultado das eleições e às sondagens da Intercampus e Eurosondagem:

Eleições Legislativas 2019 (51.4% abstenção)
6 Outubro
PS - 36,4% (108 deputados); PSD - 27,8% (79); BE - 9,5% (19); CDU - 6,3% (12); CDS-PP - 4,2% (5); PAN - 3,3% (4); CH - 1,3% (1); IL - 1,3% (1); L - 1,1% (1)

...

Intercampus (604 pessoas)
22 a 28 Outubro
PS - 35,6%; PSD - 24,8%; BE - 10,7%; CDU - 6,9%; PAN - 5,3%; CDS-PP - 4,4%; L - 2,7%; CH - 2,5%; IL - 0,8%

Intercampus (604 pessoas)
20 a 26 Novembro
PS - 34,9%; PSD - 24,9%; BE - 10,8%; CDU - 8,1%; PAN - 4,8%; CH - 4,8%; CDS-PP - 2,9%; IL - 2,9%; L - 2,7%

Intercampus (606 pessoas)
12 a 17 Dezembro
PS - 33,9%; PSD - 25,7%; BE - 10,7%; CDU - 6,3%; PAN - 6,1%; CH - 5,7%; CDS-PP - 3,9%; IL - 2,4%; L - 1,1%

Rui Rio reeleito Presidente do PSD

Intercampus (619 pessoas)
19 a 24 Janeiro
PS - 32,8%; PSD - 25,8%; BE - 11,9%; CDU - 6,2%; CH - 6,2%; PAN - 6,0%; IL - 2,3%; CDS-PP - 1,9%; L - 1,7%

Francisco Rodrigues dos Santos eleito Presidente do CDS-PP

Joacine Katar Moreira deixa de representar o Livre na Assembleia da República

Orçamento de Estado 2020 aprovado em votação final global

André Ventura anuncia candidatura a Presidente da República pelo Chega

Intercampus (614 pessoas)
11 a 17 Fevereiro
PS - 31,1%; PSD - 23,8%; BE - 13,2%; CH - 6,9%; CDU - 6,3%; PAN - 5,4%; CDS-PP - 3,5%; IL - 2,9%; L - 0,8%

...

Eurosondagem (1011 pessoas)
17 a 21 Novembro
PS - 36,9%; PSD - 27,1%; BE - 10,1%; CDU - 6,9%; CDS-PP - 4,0%; PAN - 3,3%

Eurosondagem (1019 pessoas)
8 a 12 Dezembro
PS - 37,1%; PSD - 26,9%; BE - 9,5%; CDU - 7,1%; CDS-PP - 3,6%; PAN - 3,5%; CH - 1,9%; IL - 1,1%; L - 0,6%

Eurosondagem (1010 pessoas)
5 a 9 Janeiro
PS - 37,2%; PSD - 26,5%; BE - 9,6%; CDU - 6,6%; PAN - 3,6%; CDS-PP - 3,5%; CH - 2,2%; IL - 1,3%; L - 0,6%

Rui Rio reeleito Presidente do PSD

Francisco Rodrigues dos Santos eleito Presidente do CDS-PP

Joacine Katar Moreira deixa de representar o Livre na Assembleia da República

Eurosondagem (1020 pessoas)
2 a 6 Fevereiro
PS - 37,4%; PSD - 26,7%; BE - 9,0%; CDU - 6,5%; CDS-PP - 3,3%; PAN - 3,1%; CH - 2,5%; IL - 1,1%; L - 0,5%

Orçamento de Estado 2020 aprovado em votação final global

André Ventura anuncia candidatura a Presidente da República pelo Chega

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