Faz hoje uma semana que teve lugar, na Cidade de Portalegre, um crime contra o património e a cultura, não só da nossa cidade, mas também um crime contra um legado que diz respeito a toda uma nação, ainda que o Estado, para todos os efeitos, não o reconheça como tal. Sim!, é um crime, um atentado como colocou o Partido Comunista, sem meias palavras, sem eufemismos, sem esponjas por cima de assuntos.
Já tive hipótese, ao longo dos anos, de visitar a Fábrica da Robinson e de interagir com a Fundação, cuja obrigação é a defesa e promoção do legado cultural dessa mesma fábrica. Uma fábrica que foi um centro de desenvolvimento económico do Concelho. Uma fábrica onde esteve presente a luta e o sacrifício dos operários, pela cidade e sobretudo pelas suas famílias. Uma fábrica que foi o grande símbolo da Cidade Branca nos últimos 100 anos. E ruínas duma fábrica cujo potencial de perpetuação cultural, em benefício da memória histórica e dos portalegrenses, é tão evidente que só os mais intelectualmente brutos não compreenderão. A ideia de haver uma Fundação Robinson, que proteja este património histórico, só tem de fazer sentido - é algo que qualquer cidade desenvolvida, no país ou no mundo, tem a preocupação de fazer. O problema, quanto a mim, prende-se com a questão da tutela da Fundação. Ora, presentemente, é tutelada pela Câmara Municipal de Portalegre, e como temos tido a oportunidade de observar, os resultados - devido sobretudo aos sucessivos Executivos ruinosos da Câmara - foram tumulares para o património. A solução imediata que eu vislumbro, e que gente que já esteve ligada à fundação vislumbra, é a Fundação passar a ser tutela directa do Ministério da Cultura, retirando-a do jugo de interesses, esquemas e comprometimentos que assombram este Concelho. Mas é preciso que quem de direito, e os portalegrenses claro, promovam tal solução.
Há uma razão clara para as preocupações que exponho no parágrafo anterior. A razão é obviamente o crime de que falo: a demolição abrupta e danificadora de parte do edifício da Fábrica, segundo consegui saber, promovida pelo Presidente do Conselho de Administração da Fundação, José Manuel Faria Paixão, à revelia dos procedimentos democráticos do Conselho e dos seus membros. A situação não é grave, somente, pelo facto dos ditos procedimentos democráticos que estão inerentes à Fundação terem sido desrespeitados, é antes de mais grave pelo facto de ter sido demolido um edifício, e sem qualquer cautela para com o material arqueológico industrial - nomeadamente relíquias de máquinas, que representam um legado patrimonial. Eu duvido que o Sr. Paixão tenha consciência daquilo que fez. O Sr. Paixão é o grande responsável pelo dano causado a várias máquinas e ao património da Robinson, e por isso não reúne condições para se quer pisar aquele espaço. Mais: as demolições não tiveram a supervisão de uma única pessoa competente (um arqueólogo ou especialista do género), o que significa um total desprezo pela mão científica e conhecedora destes assuntos.
Noutro plano, também o Jornal Alto Alentejo esteve terrivelmente mal. Quem leu a edição de hoje terá tido hipótese de, antes de mais, enxergar a capa, que por si só já é uma vergonha jornalística, no domínio da mínima imparcialidade que tal profissão requer, e veja-se o exemplo seguinte, dizendo em destaque: "Polémica na Robinson - PEV acusa Fundação de «crime contra o património»... resta saber qual património". Qual património? O Alto Alentejo está a gozar com a cara dos portalegrenses? As históricas torres fumosas que se destacam sobre a cidade não significam nada para estes jornalistas? Eu peço paciência para com as considerações, não conheço o Presidente do Conselho da Fundação, não conheço um único jornalista do Alto Alentejo, mas isto é boçalidade cultural. Representa a cru a rudez intelectual que circunda todo este problema! Para não falar que o jornal nem se dignou a dar lugar, na capa, à menção do excelente e esclarecedor texto que o professor Gonçalo Pacheco escreveu... e conheço bem as intenções por detrás disso.
Em notas informativas, asseguro que, ao contrário do que o Sr. Paixão já afirmou, as fotografias divulgadas pela ex arqueóloga na Fundação, Susana Pacheco, não são de há um ano, são sim de há uma semana, e sei-o porque estive nas imediações da Fábrica na noite seguinte, numa festa que tinha lugar no parque de estacionamento da Escola de Hotelaria, e pude ver o crime com os meus olhos - eu e as centenas que por lá passaram. Asseguro também que, ao contrário do que se possa pensar, o lugar de Susana Pacheco na Fundação em nada se deveu à presença do professor Gonçalo Pacheco no Conselho de Administração. A Susana Pacheco para lá entrou antes de todo o redemoinho das Eleições Autárquicas, antes do professor Pacheco ter alguma coisa a ver com a Fundação, e lá se manteve até há uma semana, depois da resignação do professor Pacheco. E há quem se pergunte porquê... pois bem, Susana Pacheco tem um mestrado em arqueologia industrial, pela FCSH, essa qualificação é suficiente! Desprezar o trabalho e lealdade ao património da Fábrica, de Susana Pacheco, é desprezar os jovens que tentam ajudar a erguer esta cidade. Desprezar o trabalho de Gonçalo Pacheco na administração da Fundação é desprezar qualquer trabalho honesto e contínuo ao serviço de Portalegre, e mais uma vez recomendo a leitura do seu texto, relativamente a este assunto - de facto escreve quem disto sabe -, que não só está disponível no Jornal Alto Alentejo, como também na página Facebook do mesmo. Para mais afirmo, e esta nota é especial para mentes mais paranóicas, que nem Susana ou Gonçalo Pacheco fazem parte duma conspiração comunista, nem eles têm algo a ver com o PCP... portanto, que morra de vez esse boato.
Toda esta situação é triste e desmoralizante. A forma como toda esta questão se tornou partidária, quando não tinha de o ser, é negativa para um esforço colectivo em prol do Património. Desde miúdo me lembro de contemplar, desde a janela do meu quarto ou da Praça da República, a majestade cultural daquelas chaminés-torres. Lembro-me de imbuir-me do legado e o potencial que pulsa nas raízes da minha cidade - quer seja em árvores, fábricas, escolas, poesias ou ruas -, do sítio que foi o meu início e que será o meu fim, e vê-lo ser desrespeitado por administradores e jornais é quase como me cuspirem na cara. O apelo que eu faço é ao salvamento do património de Portalegre, e se alguém de direito considerar que a minha modesta mas genuína ajuda é útil, não hesite em informar-me.
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