quinta-feira, 3 de junho de 2021

Robert Owen: Reformas sociais em New Lanark

O ensaio que se segue, Robert Owen: Reformas sociais em New Lanark, foi um trabalho escrito, por mim elaborado, em Novembro de 2019, para a cadeira de História Contemporânea (séc. XIX), leccionada pelo Professor Daniel Ribeiro Alves, durante a minha licenciatura. Nos tempos vindouros irei publicar mais dois ensaios elaborados durante a licenciatura. Nenhuma alteração será submetida aos textos, salvo algumas adaptações no âmbito das referências bibliográficas, sem as quais não seria possível editar os textos no blog, e as citações, que no trabalho original estão em inglês, e aqui optei por fazer a tradução para português. Para aqueles que muito curiosos se perguntarem do porquê de eu estar a publicar trabalhos que realizei durante a minha licenciatura no Pensatório da Divisão, digamos que estes três ensaios são trabalhos dos quais estou particularmente orgulhoso e sempre é uma forma de partilhar conhecimento. Em todo caso, de alguma forma, achei apropriado editá-los neste meu blog que me é tão especial. Começa então o texto.


Breves considerações sobre Socialismo Utópico:

Não restam dúvidas de que, entre todas as ideologias políticas sobre as quais já se dissertou, quer seja no contexto das Ciências Sociais, quer seja no contexto específico da historiografia, o Socialismo é das que recebeu mais atenção. Todavia, a ideologia socialista é, por si, um campo excessivamente vasto para que todas as correntes, que ao longo da História deram corpo a esta ideologia, tenham recebido igual atenção pelos académicos ou pela opinião pública. O objecto temático no qual este ensaio se debruçará é, precisamente, aquela que possivelmente é a corrente que menos atenção recebeu dentro desta vasta ideologia: o Socialismo Utópico. Esta corrente socialista não tinha, efetivamente, um nome próprio, na altura em que os seus principais ideólogos lhe deram  forma. Em todo caso, este movimento surge no início do Século XIX, com claras influências ideológicas vindas dos quadrantes mais revolucionários, ou radicais, do Iluminismo e da Revolução Francesa, como resposta, à caótica e imprevisível época da Revolução Industrial, na qual o Sistema Capitalista ganhava, a passos largos, contornos mais complexos, e também como reacção à apatia do Liberalismo e do Conservadorismo perante as condições sociais miseráveis de boa parte da população europeia, que constituía a mão-de-obra do emergente industrialismo. [Smaldone, 2014, 8, 23, 25 - 26]


Antes de mais, contudo, será justo afirmar que um socialista revolucionário como Engels, apesar de reconhecer as próprias circunstâncias históricas em que a Revolução Francesa estava inscrita – suplantação do Feudalismo pela Burguesia -, e sendo ele próprio influenciado pelos precedentes que foram desencadeados por este evento histórico, apontava críticas aos mais radicais iluministas, como Rousseau, no sentido da nova República Francesa de inspiração iluminista, sobre a qual tal processo revolucionário se assentava, estar envolta em vicissitudes associadas à Propriedade Privada  [Engels, 1880, 37], de, apesar da vitória do emergente Terceiro Estado, o poder ter ficado centrado numa pequena parte dessa classe [Idem, 43], e de ter encontrado a sua concretização no “Reino de terror, do qual a burguesia, que havia perdido confiança na sua própria capacidade política, tinha encontrado refúgio primeiramente num Directório corrupto, e, finalmente, sob a alçada do despotismo Napoleónico [trad. própria][Idem, p. 40]. Os autores do termo Socialismo Utópico são Karl Marx e Friedrich Engels, e são eles que, primeiramente, no Manifesto do Partido Comunista, irão identificar quais são esses socialistas utópicos, entre eles o centro específico deste ensaio: Robert Owen. [Engels & Marx, 1848, 32]


Esta corrente socialista recebeu o cunho de “utópica”, por parte do Marxismo, não no sentido literal do termo, mas sim no sentido de esta fase do Socialismo ainda não ter tomado uma acção revolucionária, junto do Proletariado, na dinâmica histórica que o Marxismo designa como Luta de Classes, mantendo, ainda, uma expressão meramente idílica: “Os acertadamente designados sistemas Socialistas e Comunistas de Saint-Simon, Fourier, Owen, entre outros, florescem num prematuro período (...) do conflito entre o proletariado e a burguesia (...) o proletariado, ainda na sua infância, oferece-lhes o fenómeno duma classe ainda sem qualquer iniciativa histórica ou movimento político independente [trad. própria][Idem, 32]. Apesar desta classificação, é crucial que se perceba que Marx e Engels não pretendiam, com tal, criticar negativamente os socialistas utópicos, apenas caracterizá-los no tempo e no espaço, e, em última análise, designá-los como seus ascendentes ideológicos. Em todo caso, o peso da influência, do Socialismo Utópico, e, para interesse do assunto do ensaio, de Robert Owen em particular, são inegáveis no desenvolvimento do designado Socialismo Científico da segunda metade do Século XIX. [Smaldone, 2014, 26]


Breves considerações biográficas sobre Robert Owen:

O homem pode parecer, em princípio, uma contradição social e política em si, à luz da rara ocasião, como esta, em que um empresário – um self-made man ao estilo burguês – se tornou filantropo, de filantropo tornou-se num transformador social, de génese radicalmente progressista, e daí passou à História como um dos pioneiros do Socialismo, do sindicalismo e do colectivismo económico. A verdade é que Owen nasceu em Newtown, no País de Gales, no ano 1771, filho de um pai ferreiro, seu homónimo, e da mãe Anne, que segundo o próprio Owen era “superior em mente e etiqueta [trad. própria][Owen, 1857, 1], ambos naturais da localidade galesa. Durante o seu tempo escolar, Owen já era considerado por ter boa caligrafia, ser um bom leitor, e compreender regras básicas da aritmética. De facto, de acordo com o próprio, Owen era um ávido leitor aos oito/nove anos de idade. [Idem, 3] Podemos, de acordo com a sua autobiografia, encontrar aqui os primeiros indícios da grande importância que Owen dava à instrução intelectual e à Educação, elementos estes que, mais tarde, se iriam reflectir no transformador social Owen, em New Lanark. Aos 10 anos de idade, o jovem Owen já era trabalhador aprendiz na emergente indústria têxtil. [Siméon, 2012, 2] Enquanto trabalhador, Owen progrediu diligentemente pela escada profissional desta indústria, até se tornar gerente numa particularmente relevante e tecnologicamente avançada fábrica, na cidade de Manchester. [O'Hagan, 2007, 3] Ophélie Siméon, biógrafa de Owen, declara que os pensamentos políticos e filosóficos do socialista já tinham começado a ganhar forma durante os seus tempos em Manchester, antes de chegar a New Lanark, convivendo com os círculos filantrópicos e ilustrados da cidade, [Siméon, 2012, 3] e, certamente, vendo de perto a precariedade da Classe Trabalhadora Inglesa. Foram sem dúvida estas vivências, e estas absorções de conhecimento e experiência social, que iriam sensibilizar Owen para a necessidade premente de haver uma profunda transformação social, na qual a Educação teria de ser uma raiz.


Owen e New Lanark:

New Lanark é uma pequena localidade escocesa, desde 2001 elevada a Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO. Apesar de ter sido fundada, em 1785, como uma comunidade inserida numa fábrica de fiação de algodão, pelo empresário escocês David Dale – ele próprio um filantropo, famoso por pagar os melhores salários, fornecer condições de saneamento básico aos seus trabalhadores, e dar-lhes condições de obterem instrução intelectual -, é sobretudo conhecida por ter sido o local no qual Robert Owen colocou em prática as suas teses sociais e económicas. [O'Hagan, 2007, 2] Diria que o impacto que Owen, desde essa localidade, teve no pensamento europeu é quase inenarrável [devido ao facto do assunto central deste ensaio ser a experiência socioeconómica de Owen em New Lanark, as suas actividades em New Harmony, Indiana, EUA não serão abordadas]. Entre os anos 1800 e 1829, Owen foi o dirigente da Indústria em New Lanark, albergando uma comunidade que cresceu gradualmente até aos 2500 habitantes, tornando-a numa comunidade modelo onde “alcoolismo, polícia, magistrados, multas, leis degradantes, caridade, eram desconhecidos. E tudo isto conseguido por, simplesmente, se terem colocado as pessoas em condições dignas de seres humanos, e especialmente por se ter formado cudadosamente as gerações mais novas[Engels, 1880, 49]. Engels é muito enfático na forma como destaca o elemento humano. Tendo em conta a questão, anteriormente já colocada, do flagelo urbano que havia sido desencadeado pela Revolução Industrial, é mais que evidente que as relações de trabalho precisavam dum rumo mais humanizado, e as consciências, de como é exemplo Owen, começavam a despertar-se perante tal necessidade. Prova do comprometimento de Owen perante as necessidades dos seus empregados era o facto de que, enquanto a sua competição económica mantinha os operários em labor durante 13 a 14 horas por dia, Owen, já nesta altura, mantinha os operários por si empregados em labor durante 10 horas e meia por dia [Idem, 49] – um passo enorme para a época, especialmente se tivermos em conta que a ideia partiu do próprio patrão. Ainda assim, Owen reconhecia que as condições nas quais os seus empregados viviam ainda não eram dignas de humanidade. [Idem, 49] Em todo caso, Owen tinha descoberto neste poder colectivo de produção, da Classe Trabalhadora, uma reconstrução da sociedade; estas [as forças de produção] estariam destinadas, como propriedade comum de todos, para o bem comum de todos [Idem, 50].


Colocando os motivos ideológicos de Owen numa concha, face a estas questões essencialmente laborais (e não só), há uma afirmação autobiográfica do próprio que sintetiza a questão: “Eu tinha de considerar estas infortunadas pessoas exactamente como elas eram, criaturas de ignorantes e crueis circunstâncias, que eram o que eram devido a circunstâncias malévolas (...) e pelas quais a sociedade, para além de tudo, devia ser considerada responsável; e, em vez de atormentar indivíduos (...) eu tinha de transformar estas condições malévolas em condições benignas (...) superar os carácteres maus e inferiores, criados por más e inferiores condições, e criar bons e superiores carácteres em condições boas e superiores [Owen, 1857, 58]. No fundo, no que a problemas socioeconómicos, entre a sociedade, concerne, podemos fazer um paralelismo com a realidade do Século XXI – apesar de certas conjunturas específicas serem já distantes do passado. Talvez pudéssemos, enquanto sociedade, retirar alguns ensinamentos deste princípio filosófico de Owen, aplicado num espaço real, no qual o caminho para combater a marginalização social e a violência, ao longo prazo, não é acrescer o elemento autoritário, ou combater violência com mais violência de Estado, mas sim criar condições para que os níveis económicos e intelectuais destas franjas da sociedade possam melhorar substancialmente.


Owen, a Instrução Pública e o seu Pensamento:

Creio, então, que é a instrução pública, dos seus empregados, um dos principais faróis que guiava o método de desenvolvimento social investido por Owen em New Lanark, e um dos aspectos que mais ocupava o seu pensamento. Antes de tudo o que se pudesse discutir, Owen declarava que a educação e instrução intelectual duma criança era um aspecto que vinha, invariavelmente, de casa, ou seja, da convivência com a sua família. [Idem, 83] Owen, observando as realidades de New Lanark, afirmava que 99 em 100 pais não tinham as ferramentas instrutivas e cívicas bastantes para abordarem o “o método correcto para lidarem com crianças, e as suas próprias crianças especialmente [Idem, 83]. O plano que Owen encabeçou, precisamente, foi empreender um projecto que ergueria o primeiro centro educativo em New Lanark, que permitisse que a situação social da criança fosse combatida. Owen tinha sido altamente sensibilizado, durante os seus tempos em Manchester, pela relevante dimensão que a educação tinha para o desenvolvimento da Civilização. Todavia, os esforços de Owen, para revolucionar o ensino das crianças de New Lanark, não foi recebido em apoteose por toda a comunidade. Owen afirma, na sua autobiografia, que tanto os pais das crianças, como até o sacerdote da paróquia, se opuseram, inicialmente, a tal – e para estes desconfiável – projecto. [Idem, 84]


Num panorama mais abrangente, para lá dos limites de New Lanark, Owen tinha a convicção de que o sistema educativo tinha de se basear na máxima de que o Estado melhor governado é aquele que dispõe de melhor sistema nacional de educação [Gordon, 1994, 282] – algo que, hoje, nas nações mais desenvolvidas, é um dado adquirido e interiorizado, supostamente. A visão sociológica de Owen era tão avançada e visionária que muitos prossupostos pedagógicos e sociológicos que são quase unânimes entre a sociedade contemporânea foram teorizados e aplicados por este homem na primeira metade do Século XIX. Owen defendia que um indivíduo, por si só, não é um produto da sua instrução e do ambiente social em que está inserido, mas é, sim, a sociedade no seu todo o produto de tais elementos [Idem, 282] (visão esta defendida na sua obra A new view of society, que complementa o que acima foi afirmado sobre as “condições malévolas” de que Owen fala na sua autobiografia). Eventualmente, as reformas sociais empregues por Owen, descritas por alguns (como o seu respeitado sócio David Dale) como “excentricidades” receberam resistência. Owen não só defendia o direito inalienável da criança à educação, como reduziu o número de horas de trabalho dos trabalhadores mais jovens – para que estes pudessem usufruir da instrução intelectual providenciada nos já citados centros de educação -, recusando-se, inclusive, a empregar crianças abaixo dos 10 anos de idade. Outro aspecto revolucionário – em certos aspectos até para os nossos dias - da prática pedagógica encorajada e empreendida por Owen, era o facto de que na educação e instrução destas crianças não prevalecia o castigo físico ou o uso de um discurso agressivo, mas sim a promoção da fraternidade, da gentileza, do espírito crítico, da suscitação da curiosidade e do diálogo (método este absorvido do pensamento de Rousseau) [Idem, 285]. Robert Dale Owen, o filho do filantropo industrial, deixou para a posteridade um relato corroborativo da vida educativa nestes centros. [Idem, 282 - 283] Escusado será dizer que tal praxis influenciou imenso o pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels, no que aos direitos da criança concerne. Evidentemente, como já em cima foi adiantado, em breve Owen teve divergências com os seus colaboradores. Apesar de David Dale também ser reconhecido como um filantropo, este não conseguiu compactuar com o crescente radicalismo (como eram então rotuladas tais posições) de Owen, e em 1809 os seus colaboradores resignaram das suas funções na fábrica. [Idem, 283]


Será injusto da minha parte, enquanto autor deste ensaio, prosseguir como se a imagem de Owen, enquanto reformador social, fosse unânime entre os académicos que já se debruçaram sobre esta personalidade. Adomas Puras e Antoine Picon são vozes duma linha de interpretação e pensamento que vê a realidade de forma diferente. Puras, apesar dos contributos duradouros de Owen, no campo da visão sociológica e da pedagogia, anteriormente abordados, entende que, em nenhum aspecto, Owen era um visionário sociológico, ou que Owen não deixou, praticamente, nenhum legado às Ciências Sociais, consubstanciado esta posição no facto de Owen nunca ter usufruído de ensino superior, ou de nunca ter revelado interesse em tal, ou de ter sido avesso à intelectualidade erudita. [Puras, 2014, 65 - 66] Picon, por sua vez, embora não sendo tão criticamente enfático quanto aos socialistas utópicos, e Owen em específico, deixa claro, todavia, que Owen nunca sistematizou coerentemente os seus planos sociológicos sobre educação, que Owen foi um dos precursores do positivismo de Auguste Compte, rematando, enfim, que a questão sobre se Owen é, ou não, um percursor das Ciências Sociais, é ambígua. [Picon, 2003, 7, 18] A verdade é que, quanto a mim, relativamente ao caso específico das considerações de Puras sobre o legado de Owen, estas surgem de uma manifesta tentativa de ataque ao próprio legado histórico do ideário socialista, sendo o próprio autor a afirmar que, para a elaboração do artigo citado, se baseou numa base de análise “anti-marxista”. É um artigo que, dado o nível de argumentação empreendido, assim como a linguagem utilizada, não passa de uma ferramenta política de arremesso contra Robert Owen. Para não falar que também o seu método de estudo historiográfico é, no mínimo, medíocre, misturando, no espaço, tempos e eventos insociáveis (como exemplo dessa mistura é a experiência owenista em New Lanark e os eventos históricos da URSS), com o puro objectivo de executar um número político, não acrescentando nada àquilo que é a Historiografia. Portanto, vale aquilo que vale. [Puras, 2014, 71 - 74]


Relativamente aos pensamentos de Owen, também estes são muito ricos, diversos e contemporâneos, abordando muitas questões familiares aos dias de hoje (como já se pode observar). Owen afirma na sua autobiografia de que uma das críticas mais recorrentes, usadas contra as suas radicais ideias, é que tais princípios iriam desvirtuar, entre a sociedade, o significado do correcto e do errado. [Owen, 1857, 76] Contudo, face a isto, Owen argumenta que “A mente humana sobre o mundo, como até aqui tem sido instruída e preenchida desde o berço com falsas e altamente incoerentes ideias, não tem claras concepções da verdade em princípio, ou de correcto ou errado em prática; eis então as incongruências, os conflitos, as guerras, e a universalmente irracional conduta dos nossos dias em todo o mundo. Todas as nações da terra (...) são hoje governadas pela força, fraude, falsidade, e medo, emanando da ignorância em governantes e governados[Idem, 77]. Invariavelmente, Owen leva-nos sempre de regresso à ideia da necessidade premente de instruir e educar a Classe Trabalhadora, desde o berço, de forma a torna-la mais harmoniosa e fraterna enquanto colectivo social, e para que esta tenha capacidade de reagir à elite opressora que governa o mundo. Francamente, embora não haja uma teoria historiográfica ou económica estruturada e sistematizada, também aqui podemos encontrar protótipos da Teoria da Luta de Classes.


Quanto à dimensão do pensamento existencial ou religioso de Owen, este, devo admitir, nem sempre é claro ou óbvio. Neste aspecto, nada mais fiel que a autobiografia de Owen. Diz-nos que – como, possivelmente, será óbvio – Owen era uma criança religiosa [Idem, 3], estranho era se não fosse dada a época. Todavia, Owen afirma que, complementando as leituras dos evangelhos com outras leituras, como exemplo a obra poética épica, Paradise Lost, de John Milton, em breve descobriu que “deve haver algo fundamentalmente errado com todas as religiões, como tinham sido ensinadas até este período [Idem, 4]. Tal desenvolvimento veio a ter influência no adulto e reformador social Owen, ao ponto do pensamento deste se ter alienado, totalmente, da raiz religiosa abraâmica. Como tal, sabemos também que, entre as reformas sociais em New Lanark, nunca Owen impôs qualquer doutrina religiosa. Ainda assim, a relação entre Owen e a ideia de Deus continua difícil de escrutinar, sendo Picon quem o vai rotular como espiritualista num período mais tardio da sua vida. [Picon, 2003, 11] No entanto, possivelmente por deliberada ignorância ao termo, Picon não equacionou outra possibilidade, mais credível, dado até o espaço ideológico no qual Owen estava inserido: Siméon, dado precisamente aquilo que foi, neste aspecto, o pensamento de muitos iluministas, classifica Owen como um deísta. [Siméone, 2012, 3]


Legado de Robert Owen enquanto Socialista:

Banido da alta sociedade, com uma conspiração de silêncio contra ele na imprensa, arruinado pelas suas experiências comunistas mal-sucedidas na América, na qual sacrificou toda a sua fortuna, ele virou-se para a classe trabalhadora e continuou a trabalhar no seu seio durante trinta anos. Todo o movimento social, todos os avanços reais, na Inglaterra, em nome dos trabalhadores está ligado ao nome de Robert Owen [Engels, 1880, 51 - 52]”. A eloquência e a assertividade do texto de Engels, para além de deitar por terra qualquer teoria de que a filosofia marxista era crítica de Owen, é também uma sinopse deste legado. Se é verdade que Owen nunca se identificou como socialista – uma vez que o termo foi cunhado por socialista utópico contemporâneo Saint-Simon -, o peso que o seu pensamento e a sua intervenção social têm na ideologia é esmagador. Também em assuntos sociais, que mais tarde viriam a ocupar as reflecções de socialistas, em torno das quais muitos se viriam a reunir, como exemplo é a condenação do casamento institucional como mecanismo deturpador e domador da natureza humana, ou a própria defesa do direito das mulheres e a sua plena igualdade, política, social ou económica, ante o sexo masculino. [Gordon, 1994, 290] 


Por fim, os contributos de Owen para o desenvolvimento da análise sociológica da sociedade, e das relações de poder entre classes, são tão inegáveis como as anteriormente mencionadas. Owen foi um teórico que aplicou as suas teorias de transformação social em New Lanark, detendo os meios materiais necessários, reconhecendo a sua responsabilidade, enquanto indivíduo que ascendeu à Burguesia, para com a Classe Trabalhadora, tendo como horizonte a cultivação intelectual e cívica do indivíduo, através da Educação, para que este possa actuar de forma mais revolucionária, harmoniosa e fraterna no núcleo do colectivo humano do qual faz parte. New Lanark foi uma experiência no qual a Humanidade assistiu, à aurora dum movimento de massas que viria a desafiar a ordem civilizacional, e à aurora dum homem novo na sua busca por liberdade, igualdade e felicidade. Nascia então o Socialismo.


Bibliografia:

Fontes:

Owen, Robert (1857). The life of Robert Owen written by himself: With selections from his writings and correspondence: Vol I. London: Effingham Wilson.


Obras Bibliográficas:

Engels, Friedrich (1880/1901). Socialism: Utopic and scientific (Edward Aveling, Trad.). New York: New York Labor News Company. (Trabalho original em alemão publicado em 1880).

Engels, Friedrich & Marx, Karl (1848/2004). Manifesto of the Communist Party (Andy Blunden, Trad.). (Trabalho original em alemão publicado em 1848). Em https://www.marxists.org/archive/marx/works/download/pdf/Manifesto.pdf

Gordon, Peter (1994). Robert Owen: (1771-1858). UNESCO: International Bureau of Education, 24, pp. 279 – 296.

O’Hagan, Francis, J. (2007). Robert Owen and the development of good citizenship in 19th century New Lanark: enlightened reform or social control?. Em Blee, Harry & Britton, Alan & Peter, Michael A. (Ed.), Global citizenship education: Philosophy, theory, pedagogy. Amsterdam: Sense Publications. Em https://brill.com/abstract/book/edcoll/9789087903756/BP000024.xml

Picon, Antoine (2003). Utopian socialism and social science. Em Porter, Theodore M. & Ross, Dorothy (Ed.), The Cambridge History of Science. S.l.: Cambridge University Press. Em https://www.cambridge.org/core/product/identifier/CBO9781139053556A010/type/book_part

Puras, Adomas (2014). Robert Owen in the history of the social sciences: Three presentist views. Journal of the History of the Behavioral Sciences, 50, pp. 58 – 78. Em http://doi.wiley.com/10.1002/jhbs.21644

Siméon, Ophélie (2012). Robert Owen: The father of british socialism?. Books and Ideas. S.l.: Collège de France. Em https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-01574714

Smaldone, William (2014). European socialism: A concise history with documentsLanham, Maryland: Rowman & Littlefield Publishers, Inc.

Todos os sítios na Internet consultados entre Outubro e Novembro de 2019.

Sem comentários:

Enviar um comentário