Portalegre e Eu
Portalegre, a Cidade Branca, como em tempos, que pertencem a uma memória esmorecida, costumava ser designada esta cidade no Alto Alentejo. Cidade dos lanifícios, nos históricos tempos do fomento industrial da governação do Marquês de Pombal, numa época em que Portalegre era um verdadeiro centro de produção industrial em Portugal. Cidade das tapeçarias, que permanecem ainda como um símbolo portalegrense, deslumbrando forasteiros portugueses e internacionais de igual forma. Cidade da cortiça, numa época em que as históricas torres fumosas expeliam a sua névoa industrial, que era, olhando em retrospectiva, uma garantia de que, numa forma ou outra, a cidade continuava a trabalhar, e casa laboral de muitos trabalhadores e trabalhadoras que, não obstante as dificuldades que atravessaram naquela fábrica, também tiveram a iniciativa proletária de reivindicar os seus direitos e a sua primordial importância no coração produtivo daquela fábrica, e portanto de Portalegre. A Fábrica Robinson. Os tapetes e os lanifícios. A cortiça. A Serra de São Mamede cercando Portalegre, sendo, em simultâneo, fronteira de um microclima citadino e um descomunal obelisco guardião duma cidade que sobe e desce, sobe e desce, sobe e desce... "Em Portalegre, cidade/Do Alto Alentejo, cercada/De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros", como escreveu José Régio, o poeta, que durante 40 anos brindou Portalegre com a sua vida, em cuja obra literária muitos dos problemas endémicos de Portalegre foram desenhados.
O que será que deu na cabeça do Rei João III - aquele que trouxe a Inquisição - para fazer de Portalegre cidade, para que esta, volvidos quase 500 anos, esteja condenada a perder esse estatuto, mais tarde ou mais cedo? Claro que o beato monarca nada tem que ver com o fado portalegrense e tampouco podia prever o futuro. Ele fez aquilo que lhe competia, mediante Carta de Foral, dado o crescente estatuto socioeconómico que Portalegre estava a conquistar no Século XVI. Mas terá de o futuro ser tão agreste, tão deprimente, tão humilhante e tão desgraçado? Será possível que nada possa ser feito para combater o deserto galopante que desce sobre Portalegre como as leves azas da Morte rapinam sobre uma alma moribunda?
Eu nasci, cresci e vivi em Portalegre. Gosto de pensar que ainda é aí que vivo, embora o meu coração esteja repartido entre o amor que tenho à Cidade do Alto Alentejo e ao amor que encontrei na Cidade Património da Humanidade, Évora... também Alentejo. Em Portalegre sempre despertei para o dia como em mais nenhum outro sítio. Se estivesse Sol, eu contemplaria um radiante céu azul, cercado pela paz do Bairro das Carvalhinhas, com os pálidos prédios do Atalaião a uma boa distância, à minha direita, e, lá ao longe, lá estavam as altas chaminés e depois o Monte da Penha como um sentinela pacífico e eterno, ali permanecendo desde tempos muito anteriores à fundação da nacionalidade e ali permanecerá muito depois de ter morrido a última pessoa portalegrense. Se não houvesse Sol, o despertar era igualmente (ou ainda mais) bonito. Muita pouca coisa, para mim, foi tão boa como despertar para o nevoeiro e um dia cinzento e frio em Portalegre, o Monte da Penha oculto, e sentir-me abraçado por toda aquela névoa e aquele clima pluvioso. Só a neve poderia fazer do Inverno portalegrense algo ainda melhor. Tenho saudades de Portalegre, e do nevoeiro, e de tempos pretéritos, e tenho saudades de despertar, ainda muito jovem, e ao longe, direcção sudoeste, ver ainda as históricas torres fumosas, de noite, expelirem um fumo avermelhado. Mas, sobretudo, é do nevoeiro de Portalegre, da calçada molhada, das ruas, das paredes brancas e da Praça da República de que tenho saudades. E estas não são saudades de quem não vai a Portalegre há uma eternidade, são saudades de quem vê o tapete ser-lhe puxado por baixo dos pés e se apercebe que, por uma razão ou outra, tudo isso irá acabar um dia.
O que foi... antes daquilo que aí vem
No dia 26 do presente mês, os munícipes portalegrenses são convocados às urnas para aquilo que é um dos mais importantes inventos da Revolução de Abril - falo, pois, das Eleições Autárquicas. Historicamente, o Município de Portalegre é dos concelhos mais conservadores e mais desviados para a Direita em todo o Alentejo, sendo que, por sua vez, dos três distritos que compõem a quase totalidade da região alentejana, mais um pedaço do Distrito de Setúbal (o litoral alentejano), o Distrito de Portalegre esteve envolvido em fenómenos políticos bem diferentes daquilo que se passava em Setúbal, Évora e Beja. Por exemplo, o Partido Comunista nunca ganhou a Câmara Municipal de Portalegre.
Desde a entrada em vigor da Constituição da República (1976) até ao início dos anos 90, aquando da retirada política de Álvaro Cunhal, o Partido Comunista Português (PCP) foi o mais bem sucedido, em todas as eleições, em Setúbal, Évora e Beja. Nas Eleições Autárquicas de 1982, o PCP, liderando a coligação Aliança Povo Unido (APU, também integrada pelo PEV e pelo MDP), alcançou mais de 1 milhão de votos de cidadãos e cidadãs portugueses, projectando uma épica cortina vermelha sobre a 'metade' sul da República Portuguesa. Em números ainda mais reveladores, o PCP/APU elegeu 55 presidentes de câmara. Hoje o PCP tem menos de metade desse número. Dizia eu que nessas Eleições de 1982, no Distrito de Portalegre, onde o Partido Comunista nunca exerceu o seu domínio político como nos demais sítios do Alentejo, dos 15 concelhos que compõem o mosaico distrital, o Partido Comunista saiu vitorioso em apenas 4 desses concelhos - Elvas, Avis, Ponte de Sôr e Nisa -, sendo que os demais concelhos (incluindo aquele que está sediado na Cidade de Portalegre) deram vitória eleitoral ao PS, com excepção de Sousel que deu uma vitória absolutamente isolada, em todo o Alentejo, ao PSD. Aliás, a sul do Rio Tejo, no Continente, o PSD só ganhou em mais dois concelhos para além de Sousel, e foi, claro está, no Distrito de Faro. Era isto a realidade outrora, hoje já não é assim, porque, como escreveu Luís de Camões, quando se mudam os tempos também se mudam as vontades. Hoje, em Portalegre Distrito, há apenas duas Câmaras Municipais detidas pelo PCP, Avis e Monforte, com maiorias absolutas. Para além disso, nem o PS tem a força no distrito que antes tinha, sendo que hoje quatro autarquias estão sob domínio do PSD (as Câmaras de Marvão, Castelo de Vide, Fronteira e Arronches são laranjas). E o Município de Portalegre?
Mais um pouco do que já foi
O Município sediado na capital de distrito, Portalegre, tem-se demonstrado particularmente conservador e direitista num distrito alentejano já de si atípico, politicamente. Aliás, de outra forma não se poderia explicar o mórbido carinho com que o projecto político do partido de André Ventura e Pacheco de Amorim foi recebido na minha terra. O Concelho de Portalegre foi dos primeiros municípios alentejanos a dar vitória ao PSD em Eleições Autárquicas. Não a deu em 1976 (aí foi PS) mas deu vitória pela sua primeira vez no sufrágio autárquico seguinte, em 1979, quando a Aliança Democrática (que se deve dizer é um pouco mais do que apenas PSD, embora o CDS e o PPM estivessem domados) ganhou a Câmara Municipal de Portalegre, tendo ficado em segundo lugar a nível nacional. Também entre 1989 e 1997 o Município de Portalegre teve executivo camarário do PSD, sendo que entre 1982 e 1989, e outra vez entre 1997 e 2001 o executivo camarário foi do PS. Todavia, um facto muito revelador do Município de Portalegre no Século XXI é que, desde as Eleições Autárquicas de 2001, que o executivo camarário está nas mãos da Direita, primeiro sob a forma do PSD, com a Presidência de José Mata Cáceres, empresário agrícola de profissão e, mais proeminentemente, o cangalheiro do Jardim da Corredoura e da saúde financeira da Câmara, e depois com Adelaide Teixeira, professora de profissão, que assumiu a presidência em 2011 após Mata Cáceres se ter demitido alegando razões de natureza pessoal. Adelaide Teixeira, tendo sido Vice-Presidente de Mata Cáceres e, portanto, também responsável pela políticas implementadas pelo autarca, sucedeu à Presidência, para terminar o mandato. Nas Eleições Autárquicas de 2013 (as primeiras das quais tenho viva, politicamente consciente e clara memória), Adelaide Teixeira voltou a pegar nas rédeas da Câmara, mas desta vez eleita para o cargo e com outra cara política: a Candidatura Livre Independente por Portalegre (CLIP), o movimento local que tem 'guiado' os destinos do Município de Portalegre desde então... e agora apresenta-se novamente nas urnas, com Adelaide Teixeira procurando o seu último mandato permitido por lei no concelho.
O que aí vem, finalmente
Pondo de lado macro-análises ao contexto nacional das Eleições Autárquicas, e ignorando em absoluto aquilo que se vai passar na Capital da Nação - da qual os Media gostam tanto de falar, ao ponto de julgarem, talvez, que Portugal é Lisboa, e à qual até atribuem circunstâncias locais especiais para o debate entre os candidatos -, o foco do texto daqui em diante será, somente, o Município de Portalegre.
Apresentam-se 6 diferentes candidaturas, cada uma constituída por três listas correspondentes aos três níveis do poder autárquico, 5 das quais são candidaturas oficiais de partidos e a outra sexta apresenta-se a título independente, e já sabemos qual é.
Começando pela candidatura encabeçada pela Presidente da Câmara, a CLIP é, essencialmente, uma amálgama entre gente resignada do PSD, mais algumas influências políticas do Centro-Direita, e mais uns quantos cidadãos não filiados e qualquer partido que caem na ingenuidade de pensar que a CLIP é um projecto político verdadeiramente livre e despegado de qualquer ideologia. Nada no espaço civil ou político está despegado de ideologia. Também a CLIP não é de facto livre porque, finda a carreira política de Adelaide Teixeira em Portalegre, também a CLIP perde a sua razão de existência, que é servir de plataforma política à actual Presidente da Câmara desde há 8 anos, quando se zangou com o PSD.
É com pesar que devo afirmar, ao contrário do que afirmei quando há 4 anos fiz parte da lista da CDU para a Câmara Municipal, que Adelaide Teixeira reúne todas as condições para ser reeleita para um último e agoniante mandato. A mais importante condição, devo afirmar, faz parte da estrutura mental de muitos cidadãos e cidadãs portalegrenses, que tem que ver com o seu conservadorismo endémico e, por consequência, com a sua resistência intrínseca em alterar o estado de coisas. É uma circunstância preocupante porque é este tipo de mentalidades que faz com que as pessoas deixam de ser meramente conservadoras e, portanto, adeptas da estática, e passem a ser verdadeiras reaccionárias e adeptas do retrocesso histórico.
Enfim, a CLIP bem que pode falar: da diminuição da dívida camarária; da chegada do Burger King, primeiro, e depois do McDonald's (que, tenho eu a certeza, terá significado maravilhas para muita gente); dos imaginários projectos de desenvolvimento da zona industrial; do fogo de artifício em tempos de festa; da rotunda, que era dos dadores de sangue, depois passou a ser a do pau da bandeira e, agora sim, já é uma rotunda com uma patriótica e republicana bandeira; a verdade é que, no Município de Portalegre, não há um dia melhor que o outro, mas antes cada dia é pior que o outro. Que se meta os olhos na Rua do Comércio. Que se olhe para a Cidade de Portalegre à noite, e veja-se se há mais algum sítio acordado que não seja a Praça da República. Pois claro! Também sei que tudo isto de que falo é um problema endémico maior, relacionado com a desertificação demográfica e económica do Interior português, e que os meses de restrições e isolamento aplicados, por razão da pandemia, também contribuiu para que mais estabelecimentos tenham fechado, mas, mesmo apesar de tudo isto, até em comparação com os demais locais interiores da República Portuguesa, Portalegre está um desastre, e, por este caminho, não mais será Portalegre Cidade mas sim Portalegre Vila.
No debate que foi transmitido pela RTP, medorado por um indivíduo intratável, Adelaide Teixeira foi mais do mesmo, no que concerne a sua pessoa. A estratégia foi exactamente a mesma de há quatro anos: esconder-se atrás da sua suposta obra feita e dos demais constrangimentos que impediram que a obra tivesse uma dimensão mais grandiosa. Talvez sirva para convencer o eleitorado portalegrense, mas perante o debate, a professora Adelaide esteve, como sempre, no seu pior.
A Candidatura do PSD, encabeçada pela ex-Presidente da Câmara de Arronches, Fermelinda Carvalho, apresenta-se como uma candidatura de juventude e de experiência autárquica extraordinariamente competente. Fermelinda Carvalho tem como estratégia de campanha - e foi este mesmo o principal argumento que utilizou em debate (debate no qual até esteve a altura) - usar a sua obra de reabilitação do Município de Arronches (que não me consta que tenha ficado qualquer coisa de especial), bramindo-o, afirmando: "Viram o que fiz com o deserto de Arronches? Eis o que vou fazer com o deserto de Portalegre, qual varinha mágica!". A pessoa leitora poderia agora afirmar que estou a ser injusto com Fermelinda, troçando dela, que ela ainda não fez mal nenhum a Portalegre, sendo ela uma portalegrense, inclusive - o que não a constitui como uma paraquedista. Bem, que afirme ter experiência autárquica a lidar com zonas em progressiva desertificação, é um argumento válido, aquilo que me incomoda, todavia, é o facto de no debate, e na campanha em geral, não apresentar umas quantas soluções concretas, para além de falar de um pouco de agricultura. Em Portalegre, o PSD, para além de um eleitorado estável e fiél (mas que muito mal consegue esconder o desagrado com o actual Presidente do partido), tem também o trunfo de uma JSD bem presente, à semelhança do trunfo que o PS tem com a sua JS, mas aquilo que seja fortemente representado em termos numéricos não implica, necessariamente, que seja uma congregação de muitas ideias e mentes que compreendem as coisas, e com a JSD de Portalegre de facto não é o caso - é uma massa de juventude a seguir a batuca do seu jovem presidente distrital, e o jovem presidente, por sua vez, segue a batuta das hierarquias superiores do seu partido, até ao dia em que, porventura, ele já não seja apenas um presidente distrital duma jota...
A candidatura do CDS... ah, que disparate. O CDS não se apresenta às urnas por estas bandas. Talvez tenha que ver com a diminuição de fundos implementada pelo Presidente Chicão ou talvez seja apenas o definhamento a céu aberto do mui conservador e católico partido. Tanta boa gente que perdeu uma oportunidade para ter protagonismo. Enfim, o CDS declara o seu apoio político à candidatura do PSD.
A candidatura do PS, encabeçada pelo actual Presidente da Assembleia Municipal de Portalegre e Deputado na Assembleia da República, Luís Moreira Testa, é uma candidatura em várias perspectivas diferente da candidatura apresentada há quatro anos. Para começar, não é encabeçada por José Correia da Luz (que consta ter-se zangado com o PS e agora concorre à Câmara do Crato pelo Nós, Cidadãos), o que, atendendo às péssimas características pessoais que assistem Correia da Luz, poderá ser uma melhoria modesta. Por outro lado, o estilo de campanha do PS para estas Eleições adoptou uma vertente diferente que ainda não consegui descortinar por completo. Será talvez Pós-modernismo? Talvez seja Pós-pós-modernismo, ou simplesmente demagogia. A verdade é que não compreendi aqueles cartazes, espalhados um pouco por toda a cidade, onde se lê que Portalegre é capital da juventude, do desporto, da indústria, do turismo, e de muito mais. Ora, eu compreendo que todos nós adoraríamos que Portalegre fosse isso tudo, mas não é. Portanto, assumir como uma boa ideia fazer campanha afirmando que Portalegre é capital de tudo e mais alguma coisa é um exercício de demagogia que só poderá enganar quem anda a viver debaixo de alguma montanha ou pessoas que nunca ouviram falar de Portalegre. Ou será esta campanha uma transmissão daquilo que o PS promete fazer de Portalegre? Bem, é demagogia na mesma, obviamente. Atenção, não quero tirar o crédito estético da campanha, mas em conteúdo não se aproveita grande coisa.
Tal como o PSD, como já tinha referido, também o PS tem uma estrutura sólida e organizada da sua JS em Portalegre, o que em campanha e actividade política é um grande trunfo. A diferença entre o PSD e o PS em Portalegre, no que concerne as suas organizações juvenis, é que a do PS tem uma dinâmica bem mais forte e, a títulos individuais, nos seus quadros, mais valiosa. Inclusive, as listas do PS que concorrem nas Eleições Autárquicas deste ano em Portalegre estão bem compostas por elementos jovens que vieram da JS, muitos dos quais são meus conhecidos e por alguns dos quais tenho estima enquanto pessoas. Por todas estas razões afirmo que as listas do PS que se apresentam este ano às urnas são melhores que as de há quatro anos, tendo, creio eu, grandes hipóteses de conquistar a Câmara, ainda que a vitória da CLIP seja quase uma inevitabilidade devido a condicionantes já anteriormente expostas.
Quanto à pessoa do Luís Testa, tenho apreço político pelo Deputado? Não. Possui o rasgo, a destreza e o mecanismo de ideias para tirar Portalegre do buraco em que está metido? Também não, e votar numa força política que já foi executivo camarário várias vezes seria uma insensatez, ainda que haja alternativas piores, assim como creio haver alternativas melhores. Vamos a elas daqui a pouco.
A candidatura do partido denominado Chega seria um motivo de comédia não fosse a máquina política altamente perigosa que a acompanha e supervisiona. Como já deveria ser do conhecimento comum, o Chega é um partido assente num pilar fundamental para o ideário que o circunscreve: o Culto de Personalidade. O que se quer geralmente dum partido - ou de outra qualquer organização política - é que seja um meio democrático, fiel a uma corrente ideológica (que em si pode albergar várias tendências e vertentes), e com uma riqueza de opiniões internas que possam fazer progredir a base de ideias do partido, no qual a pluralidade de posições deve ser respeitada. Uma coisa que, quanto a mim, não se quer num partido é que haja um chefe pessoal em torno do qual se cria toda uma estrutura para lhe servir como plataforma. Acontece que o Chega corresponde à última frase e não corresponde à frase antes dessa. Então e quem enviou a autocracia do Chega para se fazer representar na Eleições Autárquicas no Município de Portalegre? Bem, é aqui que acaba a tragédia e começa a comédia.
Luís Lupi, campeão nacional de obstáculos a certa altura da sua vida, veterinário e professor de profissão, é um vazio de ideias. Teria sido doloroso ver aquele desempenho no debate da RTP não estivesse eu rejubilante por o Chega ter desencantado um vácuo de soluções e ideário para os representar. É que nem se quer coisas alarmantes o indivíduo foi capaz de proferir (ainda que muito provavelmente as pense), como aquelas que André Ventura vai proferindo uma vez por outra. Mas não nos deixemos enganar nem baixemos a guarda. Lupi poderá ser quase inofensivo, do ponto de vista pessoal, mas a máquina ideológica que está por detrás dele não é, e Lupi conseguir a Câmara (para além de este ser um deserto mental) significaria o Chega conseguir o executivo camarário. Todavia, ainda que uma vitória do Chega em Portalegre, a este ponto, ainda seja virtualmente impossível (embora haja bases criadas, não são suficientes), não podemos descartar a dantesca possibilidade de Luís Lupi ser eleito Vereador, e isso já é mau o suficiente.
Outra coisa que tenho constatado na campanha do Chega é a ausência de informação sobre os membros das listas do partido. Não os consigo encontrar em lado algum e o Chega, por uma qualquer razão curiosa, parece determinado para que a coisa permaneça assim. Só conhecemos o Luís Lupi e o seu vazio de propostas, ideias e soluções.
A candidatura do Bloco de Esquerda, encabeçada por aquele que foi o cabeça de lista a nível distrital do BE nas últimas Eleições Legislativas, António Ricardo, septagenário e reformado, é uma candidatura com poucas perspectivas, não por estar esvaziada de ideias, mas porque em Portalegre o Bloco não consegue reunir forças nem uma base fiel de eleitores. Nas últimas Eleições Autárquicas, no Município de Portalegre, o BE não conseguiu chegar a 1% dos votos para a Câmara Municipal, e não será em quatro anos que o panorama vai mudar radicalmente, ainda que António Ricardo não seja um mau candidato. Devo dizer, inclusive, que apreciei imenso o seu desempenho no debate da RTP (apesar do boicote subliminar por parte do intratável jornalista). Revelou compreender os problemas estruturais do Município e de Portalegre Cidade, em concreto, e revelou, como deveria ser, posições altamente críticas ante o centralismo lisboeta que devasta a República e desertifica o Interior de Portugal. Desejo à candidatura do BE toda a sorte e mais afirmo que ponderei muito em votar no Bloco no sufrágio destinado à Câmara Municipal, mas não o vou fazer, ainda.
Antes de avançar gostaria de partilhar com as pessoas leitoras um curto rumor que, alegadamente, terá soprado na Cidade do Alto Alentejo sobre a minha pessoa e os meus endeavours políticos. De acordo com este rumor - e acreditando que ele de facto correu -, que a mim chegou através de um ancestral colega do Ensino Secundário, eu estaria a movimentar-me nos quadros concelhios do BE em Portalegre, e que integraria uma das suas listas na candidatura para as Eleições no Município de Portalegre. Segundo consta, esse rumor terá corrido entre os quadros da CDU, em Portalegre. São perspectivas bizarras, devo confesar, uma vez que, tirando o Paulo Cardoso (cabeça de lista distrital pelo BE nas Legislativas de 2009), nunca conheci pessoalmente ninguém no meu concelho que esteja filiado no Bloco, tanto quanto sei claro. É, portanto, com máximas certezas de mim próprio, e em plena auto-consciência, que garanto não fazer parte da candidatura do BE em Portalegre ou em qualquer outra parte da República Portuguesa. Acho fantástico como florescem estes rumores sem o mínimo fundamento. As opções políticas para as Eleições Legislativas muitas vezes são distintas das Autárquicas. Claro que todo este parágrafo perde razão de ser no caso de, na realidade, tudo isto ser invenção e o rumor não existir, mas, dada a fonte, eu estou disposto a crer. Enfim.
A candidatura da Coligação Democrática Unitária (Partido Comunista & Verdes) é encabeçada por Hugo Capote, médico e cirurgião de profissão, no Hospital de Portalegre, e com grande preponderância a nível regional. Com algumas alterações e substituições, a candidatura da CDU é uma reedição da candidatura de 2017, sendo que dos três cabeças de lista, dois deles são os mesmos - o Professor Amândio Valente na Assembleia Municipal e Vitor Miranda na Junta de Freguesia de Sé e São Lourenço. O cabeça de lista à Câmara há quatro anos, Luís Pargana, é este ano o mandatário da campanha. É uma candidatura em alguns aspectos diferente e é uma candidatura virtualmente tão boa como a de há quatro anos. É evidente que há, para mim, algumas surpresas, e uma delas (uma excelente surpresa) é a da integração do meu querido amigo Henrique Raposo na lista para a Freguesia da Sé e São Lourenço. É a integração de um jovem idealista, dinâmico, altamente inteligente, um óptimo guitarrista e uma pessoa verdadeiramente esquerdista, e que cultiva o seu intelecto, o que, nos dias que correm, falta muito à Esquerda internacional e nacional.
Quanto à pessoa do Hugo Capote - para além de ser uma verdadeira referência em Portalegre - agrada-me a sua candidatura porque se trata de um indivíduo com garra, com irreverência no discurso e nas atitudes (que, por vezes, caem mal em algumas pessoas), que conhece Portalegre de lés a lés, conhecido pelos seus habitantes, militante do Partido Comunista, e que traz para a campanha, com os seus camaradas de candidatura, soluções reais para enfrentar os problemas que flagelam o Município de Portalegre: habitação, saúde ecológica das ruas e dos espaços públicos, o património da Robinson, firmeza com o Governo nacional, et cetera. Devemos ter presente nas nossas consciências que Portalegre não luta pelo desenvolvimento, mas por mais do que isso. Luta pela sobrevivência. Portalegre luta contra o seu próprio ocaso. Está na altura de Portalegre colocar preconceitos ideológicos de parte. Está na altura - e já estava há quatro anos, e há oito, e por aí fora - de os eleitores e eleitoras de Portalegre largarem o seu preconceito contra o Partido Comunista e apostarem numa solução que, até hoje, ainda não teve a sua oportunidade no executivo camarário.
Acredito que a vitória da CDU é possível? Não, não tenho esperanças para isso, mas ainda assim vou votar na CDU para os três níveis do poder autárquico. Voto na CDU porque é aí que está a melhor solução, voto CDU porque tenho esperança que (quem sabe?) um segundo vereador pela CDU possa ser eleito para o executivo camarário, voto CDU porque esta é uma força política que pode fazer frente às falanges reaccionárias, e voto CDU porque está aí a massa de pessoas em quem eu mais confio para ajudar Portalegre.
Terminando o meu manifesto, para os candidatos e candidatas pela CDU que lerem este texto (e se até aqui chegaram tiro-vos o chapéu), e demais membros dos dois partidos que compõem a coligação, deixo duas mensagens. A primeira é não cometerem o mesmo erro que foi cometido há quatro anos, e engendrarem um acordo camarário com a Presidente - ainda que esse erro tenha sido corrigido por Luís Pargana, foi cometido ainda assim. A Presidente Adelaide Teixeira, politicamente, não é uma pessoa de fiar e, como o Doutor Capote bem afirmou, é uma personalidade mitómana. A segunda mensagem é terem precaução com a selecção de elementos que fazem para compor as listas. É do meu entender que pessoas que já pularam por uma panóplia de movimentos e partidos também não são de fiar. Um dia estão num sítio, no outro dia já estão no total oposto. Quando se recruta alguém para uma lista CDU, creio eu, deve-se ter a certeza que essa pessoa acredita verdadeiramente em coisas como: a República, o Estado de Direito, o Estado de Providência, a basilar importância da iniciativa estatal na economia, a saúde pública, a educação pública, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e a defesa dos direitos da Classe Trabalhadora ante a ferocidade das corporações económicas. Tem de ser uma pessoa à Esquerda, portanto.
Eleitoralmente, o maior desafio que Portalegre tem para superar é a actual presidência da Câmara. É crucial fazê-lo, e virar o tabuleiro. Num sentido mais profundo, o maior desafio que Portalegre tem em mãos é combater o seu próprio ocaso e desviar os portalegrenses de projectos políticas que se revelem infernais. E o tempo começa a esgotar-se.
Se eu tivesse de escolher uma causa específica, relacionada com estas Autárquicas em Portalegre, eu diria que é o património da Fábrica da Robinson. Quem me dera que um centro cultural e turístico fosse erguido naquele sítio histórico, e tantas seriam as potencialidades. Outras propostas benignas e complementares também são bem-vindas. Tudo menos a exploração privada, obviamente: se fizessem isso era como se pregassem com uma das chaminés em cima de mim. Esperemos que não caiam... nem nada disto caia.