sábado, 12 de outubro de 2019

Legislativas 2019: Aftermath

Está quase a cumprir-se uma semana desde que as Eleições Legislativas tiveram lugar. Embora previsível tenha sido o desfecho, no que ao mais votado concerne - o PS -, houve, em todo caso, surpresas, e para mim quase nenhuma foi agradável. Antes de avançar para aquilo que aconteceu, e não aconteceu, devo dizer que, em geral, as previsões feitas neste blog, ao longo do tempo, foram certeiras - não que isso interesse particularmente a alguém. Talvez o único erro crasso de análise aqui cometido tenha sido eu ter advogado um resultado trágico para o PSD e uma manutenção mais ou menos favorável para o CDS. Acontece que - e admito que foi, em absoluto, total erro meu de análise - sucedeu precisamente o contrário. O PSD, embora tenha perdido deputados, mantém uma posição destacada face aos demais partidos, com excepção do PS claro, e o CDS enfrenta, pela segunda vez na sua História, o risco de desaparecer da Assembleia da República. Foi uma radical descida de 18 para 5 deputados, e de forma nenhuma alguém, dentro do partido, subestimou a queda. A sangria de 13 deputados ecoou de tal forma que Assunção Cristas, reconhecendo a responsabilidade daquilo que tem sido uma oposição fraca, simplória, demagógica, rude - que evidentemente resultou na dispersão de boa parte do eleitorado, do CDS, para os quadrantes políticos dignos da sua atenção - abandonou a sala no momento em que os resultados eram conclusivos. Au revoir
O que o PS vai fazer da vida, enquanto Governo, infelizmente diz-me respeito. Por mim, que se oriente, sozinho ou com o Bloco Centra. Mas continuar a dar de barato que a Esquerda lhe levará o pequeno-almoço à cama, todas as manhãs, como um bom elfo doméstico, isso é que não pode ser. É contra producente para os partidos de Esquerda. É um risco para a Nação, mesmo que a apregoada estabilidade seja comprometida. Palavra de honra que gostava de assoprar aquele sorriso manhoso da cara de António Costa. Calma, não estou a demonstrar impulsos violentos ante o Primeiro-Ministro, o que quero dizer é que o PS deveria aprender a não contar com muletas governativas, muletas essas que, uma vez usadas, são atiradas para o caixote dos inflexíveis. O que aconteceu ao PCP (outra sangria, embora menor) é consequência de que, politica e eleitoralmente, só há um partido a retirar dividendos desta convergência. Embora muitos dos avanços que aconteceram no país - desde o aumento do salário mínimo, à reposição de rendimentos, aos cortes dos impostos directos, ao pé firme ante o lobby do ensino privado que tem tentado sugar os apoios do Estado - tenham sido concretizados porque CDU e BE para isso fizeram pressão, o PS foi o único que levou o troféu de missão cumprida, enquanto roubou um pouco de eleitorado ao BE e muito eleitorado ao PCP. 
O PCP aprendeu com o erro e a sua disponibilidade, de momento, para acordos com o PS, é tão grande quanto a minha vontade de ir à missa. O PCP precisava de dar muitos passos para voltar a ser uma grande e credível força de Esquerda na República como nos tempos de Álvaro Cunhal - se bem que a luta sindical ainda aí está, e isso ainda é alguma coisa -, mas o primeiro passo já foi dado porque a recuperação da autonomia política parece ressuscitar. Enquanto personagens como Augusto Santos Silva e Carlos César existirem para tirar vida a tudo o que os rodeia e reforçarem-se a si próprios, como cactos no deserto, o PCP não pode funcionar como é definido na sua génese política. O PCP precisa de se libertar do jugo de convergências ingratas que o prende, voltar a adoptar uma postura não cúmplice, porque, sejamos francos, no quadro maior, os avanços efectuados sabem a pouco. O mesmo recado vai para o Bloco de Esquerda. Não é por acaso que o BE não subiu um deputado que fosse, circunstância anómala na minha opinião. 
A tendência do BE tem sido sempre para subir, ainda por mais agora que já deu provas de como a sua leverage política é útil para pressionar governos fundamentalmente frágeis. Mas eis que Costa e PS arranjaram forma de também ao BE tirarem vida, como cactos a desidratarem o espaço circundante... e eu nada mais me posso confessar para além de chocado ante o facto do BE se ter mantido na mesma. Se o BE não mantiver o seu cariz político frontal, radical quando necessário e verdadeiramente socialista, o seu eleitorado - no qual eu me incluo - esvaziar-se-á, e alguns, como eu, optarão por propostas radicais, que substituam o Bloco enquanto movimento esquerdista, enquanto outros irão para o bolso do PS. Vivemos tempos incertos e complexos. Tudo o que eu peço é que a Esquerda se liberte dos grilhões e faça entender ao Governo que isto não é um passeio no parque. A Esquerda tem de, por natureza, ser uma alternativa ao sistema capitalista, e se o PS não representa tal alternativa, e se os partidos de Esquerda, eleitoralmente, nada ganham com isso - nem os portugueses, ao longo prazo, ganharão aquilo que quer que seja com isto - então a ponte com o Governo PS tem de ser cortada.
Tão incertos e complexos estão os tempos que um neofascista chegou ao Parlamento. Esperava, e previ, a vinda do LIVRE e da Iniciativa Liberal (fenómenos políticos distintos entre si, mas altamente compreensíveis dentro das mentalidades do Século XXI), mas não esperava que também já houvesse um número bastante de portugueses, embalados na retórica etno-centrista, ultra-capitalista, homofóbica, autoritarista e fanaticamente nacionalista, ao ponto de André Ventura conseguir ser eleito. Afinal, embora mais lentamente, os movimentos que têm sucedido noutras latitudes geográficas, para minha grande tristeza, chegaram a Portugal, e de todos os círculos, em proporção, Portalegre (o meu círculo) é que teve mais adesão. Ainda que seja irónico que o cabeça de lista do Chega, em Portalegre, já ter sido um associado do PS. O Ser Humano é mesmo um mamífero estranhíssimo. O Chega chegar ao Parlamento é motivo suficiente para eu, pessoalmente, declarar estado de sítio na República por um motivo muito simples: basta ler as primeiras 20 páginas do Programa Político deste partido. Está lá, não de forma escamoteada, não de forma subliminar, não de forma implícita, mas sim explicitamente: o Chega quer terminar com a Constituição actual - declara-a como um produto de marxistas conspiradores - e criar uma nova, e segundo aquilo que são as ideias de sociedade do Chega, de acordo com as 50 páginas daquele Programa Político, tal Constituição seria uma híbrida entre a Fascista que vigorou em Portugal entre 1933 e 1974, e os modelos dos EUA. Na essência, o Chega quer fundar aquilo a que chama de "IV República". Motivações como estas, com eleitorado ganho através de tais argumentos, já houve muitas. Conquistar os eleitores através, do medo aos marxistas e à violência nas ruas, ou do ódio, ou do preconceito, a História já teve muito disso. Resultou sempre em retrocesso e Ditadura. Para mim, qualquer voz que se levante em defesa deste movimento político é nada mais que um inimigo da Democracia, da República e da Liberdade. Digo-o sinceramente, não são figuras de estilo nem é só pose. Até que todos os portugueses, que votaram no Chega, sejam convencidos de que o partido de André Ventura não é o caminho da mudança para melhor, de que o caminho que certos países tomaram não é o caminho da liberdade, igualdade e fraternidade, a República está em Estado de Sítio. Por último devo também dizer que a ideia, que pessoas como o Júdice tem difundido, de que os comunistas no Alentejo foram votar no Chega, é um disparate dito com propósito. É o propósito de dizer que o eleitorado do PCP é tudo um monte de totalitários. Se o leitor tinha essa ideia na cabeça, basta seguir a retórica do Chega, ou ler as primeiras 10 páginas do Programa Político deste partido, e perceberá que esquerdista nenhum (nenhum mesmo!) subscreve aquilo. Ainda por cima os comunistas, cuja base ideológica se sustenta na Filosofia de Karl Marx, e estas primeiras 10 páginas, de que falo, não são mais que um ataque ao Marxismo.
Por último, acerca do CDS. Este será o momento do CDS se definir. O CDS, como já vários comentadores referiram, tem dois caminhos a seguir. O caminho que tem tomado, tentando ocupar um espectro político que já há muito foi ocupado, ou desviar-se para a Direita, indo dar força ao projecto político do Chega. Há uma facção dentro do CDS, que sempre foi crítica de Cristas, que defende este desvio ainda mais à Direita, aproximando-se dos mesmos princípios ideológicos defendidos pelo Chega, e falo do TEM (Tendência Esperança em Movimento), da qual o Vice-Presidente da Concelhia Distrital de Lisboa, do CDS, faz parte. Se tal mudança de caminho tiver lugar no CDS, teremos, todos nós que queremos preservar a Revolução de Abril, muito a temer.
De resto, a ver vamos quanto tempo o XXII Governo Constitucional durará. No final, tudo poderá resumir-se à vontade, creio eu, ora do BE, ora do PSD. O futuro está mesmo muito incerto, para todos nós mesmo. Até para aqueles que vivem na ilusão de que a Política não os afecta.

E porque temos pela primeira vez, desde a União Nacional, um partido fascistizante no Parlamento, é agora que toda a Esquerda parlamentar tem de mostrar a sua fibra, a sua convicção e a sua luta. Talvez o Chega sirva de vacina à Esquerda, numa nação onde o Fascismo foi derrubado por métodos revolucionários. Talvez o PCP se inspire, perante aquela figura, a desenterrar a foice e o martelo. Talvez o BE se inspire a tornar-se, outra vez, o partido de adjectivação radical que o caracterizou durante vários anos. Talvez Ventura não se consiga levantar do tapete, quando esta legislatura terminar. Mas para isso, é preciso também o PS definir a sua posição na História, enquanto partido que ocupa o centrão. Posição essa que, por várias vezes, aos meus olhos, não foi feliz, perante a luta democrática por Liberdade e Socialismo. Será preciso bem mais que zombar do Chega, ou ignorar os palpites de Ventura, é preciso uma posição firme e apaixonada. 

Sem comentários:

Enviar um comentário