sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Legislativas 2019: Bloco de Esquerda

O presente ano do calendário gregoriano assinala o 20º aniversário do Bloco de Esquerda. Foi no ano em que também eu nasci, que três forças políticas esquerdistas, de pequena dimensão, se juntaram para darem origem àquilo que é, na minha opinião, um dos fenómenos partidários mais interessantes de Portugal. A União Democrática Popular era um movimento marxista-leninista, com uma natureza ideológica algo semelhante ao PCP, fundada em 1974. A Política XXI, fundada em 1994, era um espaço que albergava um espectro político consideravelmente vasto, desde o Eurocomunismo até à Social Democracia. O Partido Socialista Revolucionário - confesso que, para mim, é dos nomes mais atractivos para se dar a um partido -, fundado em 1978 no contexto, e no seio, da Liga Comunista Internacionalista, foi um dos mais proeminentes partidos trotskistas em Portugal. Foi o PSR que, uma vez fundido no BE, fez o principal contributo em fazer do Bloco o grande farol da Nova Esquerda em Portugal. Francisco Louçã foi líder do PSR e seria ele quem iria ser um dos principais fundadores do BE, e o seu primeiro Coordenador. Portanto, se há partido que tem um nome oportuno em Portugal, é o BE: um bloco político onde convergem várias visões de esquerda - é por isso que a única posição oficial nos estatutos do partido são a Alternativa ao Capitalismo e o facto deste ser um movimento de Esquerda. 
Indo aos tempos primordiais do BE, três pessoas são facilmente identificáveis com ele: o Professor  e Economista Francisco Louçã, o já falecido Miguel Portas, e o Professor e Historiador Fernando Rosas, com o qual tive o enorme gosto de ter aulas no semestre passado. Hoje, 20 anos após a fundação, as caras do partido são diferentes, o que é uma prova da necessidade do Bloco renovar, regularmente, os seus quadros. Figuras notórias hoje na bancada parlamentar do partido são Mariana Mortágua, José Soeiro, Luís Monteiro e a Coordenadora Catarina Martins. O BE é uma enorme lufada de ar fresco na política portuguesa porque vem representar a Nova Esquerda em Portugal, corrente que, até então, tinha muita pouca visibilidade neste ibérico rectângulo. 
Nova Esquerda (ou New Left), para quem não está familiarizado com o termo, é uma corrente, de várias correntes esquerdistas, surgida durante a Contra-Cultura da década de 60, inspirada por um grande conjunto de ideias socioeconómicas, muitas delas difundidas pela Escola de Frankfurt - corrente académica esta, inspirada em vultos da Sociologia, Psicologia, Economia e História, como Karl Marx, Max Weber, Sigmund Freud, Georg Hegel ou Gyorgy Lukács - fundada entre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais, como resposta à sociedade capitalista, ao Fascismo e à URSS estalinista. É, aliás, através do papel político, académico e social da Escola de Frankfurt que os movimentos Neofascistas vão inventar o termo "Marxismo Cultural", uma teoria da conspiração completamente destituída de razão, que afirma que os judeus querem impor ao mundo uma agenda comunista, internacionalista, anticristã, maçónica, "homossexualista", feminista, entre outros termos, para destruir os valores da família e das nações, e fazer erguer uma diabólica Nova Ordem Mundial. Num mundo onde ainda há gente que pensa que o planeta é plano, não posso ficar surpreendido com gente que acredite nestas teorias. Passando à frente desta descrição deveras desconfortável, de fazer regelar os ossos, foi, portanto, há 50 anos que a Nova Esquerda começou a ganhar forma nas sociedades civis de vários Estados. Diversas personalidades proeminentes podem ser identificadas com esta corrente de correntes, entre os quais Noam Chomsky (linguista, professor e filósofo), Christopher Hitchens (jornalista e professor), Herbert Marcuse (membro da Escola de Frankfurt), Bertrand Russell (matemático, filósofo e historiador), Jean-Paul Sartre (escritor), Pepe Mujica (ex-Presidente do Uruguay), Michel Foucault (sociólogo, historiador e professor). Vale a pena também mencionar, ainda, figuras anteriores ao surgir da New Left, mas de certa forma associáveis à corrente, como Leon Trotsky, Antonio Gramsci, Ho Chi Minh, Mahatma Gandhi, Ché Guevara, Albert Camus, Albert Einstein, Emma Goldman ou Rosa Luxemburg.
É esta a carga (e a escola) ideológica do BE. Sempre foi este horizonte o objectivo com este projecto político que, acima de tudo, se declara como um "movimento de cidadãos e cidadãs". E é precisamente isto que considero fascinante no BE. O Bloco, embora procure um plano socialista para a sociedade, não se cinge a uma única ideologia. É um projecto que, verdadeiramente, tem potencial para abraçar toda a Esquerda. Indo mais ao concreto da questão, o Bloco defende, num plano económico, um caminho que defenda os Direitos Laborais e a intervenção do Estado nos sectores chave da Economia: Saúde, Educação, Transportes, Energia. Num plano social, o BE está na vanguarda da defesa da liberdade: igualdade de género, defesa dos refugiados na Europa, direito ao aborto, eutanásia, defesa de homossexuais, bissexuais e transgéneros, e direito ao consumo recreativo de cannabis. Num plano cultural, o programa do Bloco, para além de ser claramente republicano, também é laico, não mantendo qualquer tipo de relação oficial com qualquer religião. Inclusive, o Bloco pretende que as Igrejas comecem a pagar IMI, assim como os imobiliários dos partidos políticos e dos clubes desportivos profissionais. (Numa nota de curiosidade, a Igreja Católica, a seguir ao Estado, é o maior proprietário de Portugal). Se isto não é comprometimento com igualdade e Estado forte, não sei o que é.
Numa nota de cautela, ou recomendação, sugiro que o BE, em tempo algum, suavize nenhuma das suas posições ante o status quo. Mais. Uma vez que o PS decidiu revelar a sua grandessíssima ingratidão com um partido que lhe aprovou quatro Orçamentos de Estado (mas que, ainda assim, lhe fazia frente em questões concretas quando a ocasião o pedia), em nome da confiança e da estabilidade nacional, sugiro que o BE, de agora em diante, se mantenha à margem de qualquer acordo parlamentar que surja na Assembleia da República, quer venha do PS ou do PSD. Os partidos do sistema não merecem a confiança do Bloco de Esquerda (facto do qual eu já desconfiava fortemente quando a Geringonça foi montada e eu torci o nariz), uma vez que o respeito que têm pelo partido é nada mais que um esgar de cinismo. Estes quatro ano, com os sucessivos episódios incómodos que, em questões de fundo juntavam PS, PSD e CDS, e as declarações dos barões do PS durante a campanha e pré-campanha, sobre a Geringonça, são prova disso mesmo. Voltar a aprovar uma solução parlamentar liderada pelo PS, é o mesmo que o BE atirar à janela o seu esquerdismo vincado e a sua génese radical.
Não vou esconder que este texto não é, também, um apelo de voto no Bloco de Esquerdo. Eu não tenho partido político uma vez que não estou afiliado a nenhum. Mas no que toca à defesa dum programa socioeconómico socialista: em defesa da Escola Pública e do SNS; em defesa dos salários de quem trabalha, das oportunidades de quem vai trabalhar e das reformas de quem trabalhou; em defesa do Estado como fonte de redistribuição da riqueza; em defesa do ambiente e dum progresso sustentável; em defesa duma política socialmente libertária; em defesa duma Europa verdadeiramente democrática (a UE está a anos-luz disso) - o Bloco de Esquerda é a resposta enquanto se mantiver firme nas suas linhas ideológicas e na sua integridade enquanto movimento político. Não há maior prova quanto a estes factos do que o seguinte: nos anos 70 e 80, o PCP era o grande estandarte da Esquerda nacional e a grande oposição à Direita, recebendo em troco grandes e violentas reacções, e hoje, o grande alvo dos reaccionários são o BE porque foi o BE quem ocupou essa posição. Trocando isto por miúdos: o Bloco está para o José Miguel Júdice como o PCP estava para o mesmo nos anos 80.
O dia 6 de Outubro poderá ser decisivo para o BE aumentar a sua força política, e o BE precisa disso. A Esquerda precisa disso. A República Portuguesa precisa disso. Se domingo for favorável, o BE passará a ter mais de 20 deputados na Assembleia da República... mas, por favor, longe da agenda do Arco do Governo!

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