O Partido Comunista, de Portugal, é o mais antigo partido, dos que estão activos, na Nação. Fundado em 1921, não duma separação dum movimento socialista ou social democrata - como era costume suceder na Europa daqueles longínquos (mas tão familiares) dias -, mas sim nascido dum movimento anarco-sindicalista que então operava em Portugal. O passado primordial do partido, à luz da História, é por vezes sinuoso, e da sua fundação a cinco anos o partido tornou-se ilegal, assim como todos os outros, aquando do Golpe Militar ditatorial de 1926 que pôs fim à I República. Foi preciso esperar 48 anos, pela Revolução dos Cravos, para que o PCP voltasse a ser um partido legalizado na República Portuguesa. O PEV, por outro lado, é um partido mais recente. Fundado em 1982, nunca concorreu em Eleições Legislativas sozinho, tendo desde o ano da sua fundação mantido uma coligação parlamentar com o PCP. Muitos consideram que tal é pouco digno dum partido. José Sócrates, aliás, quando então dava a secreta infelicidade ao país de ser Primeiro-Ministro, fez uma declaração a respeito do PEV quando se dirigia à sua Líder Parlamentar, Heloísa Apolónia, dizendo "verdes por fora, vermelhos por dentro". Saltando por cima do claro anti-socialismo de Sócrates, o PEV é um partido que não tem visto reconhecida verdadeira justiça. Embora seja verdade que sempre tenham mantido coligação com o PCP, têm um programa político próprio, sendo o primeiro partido Eco-Socialista na História da política portuguesa, e revelando, inclusive, nos últimos anos, um espírito de liberdade social mais progressista que o PCP. Embora tenha passado despercebido, não só o PEV é solidário com o consumo de cannabis, como também apresentou uma proposta de lei, na AR, pela legalização da eutanásia, da última vez que esta foi discutida no Parlamento.
Quanto ao PCP, este não só é um partido pelo qual eu tenho um profundo respeito e admiração, como também é um partido ao qual todos os portugueses, que são pró-25 de Abril, devem o derrube do Fascismo. Embora a historiografia contemporânea tenha dado o lugar de destaque ao PS, e ao seu líder fundador Mário Soares, como principais opositores civis ao Fascismo, foi o PCP que correu o país de Norte a Sul, muitas vezes em bicicleta, distribuindo jornais e panfletos clandestinos, fazendo uma oposição democrática pelas sombras, agitando o povo português e os jovens universitários a erguerem-se contra a Ditadura. Foram inúmeros militantes e colaboradores comunistas que acabaram presos, torturados, e por vezes mortos em longínquos locais como o Tarrafal - como exemplo o Secretário-Geral Bento Gonçalves -, e foram os comunistas que no dia 25 de Abril eram bestiais, e no dia 25 de Novembro do ano seguinte já eram bestas, fruto de incontáveis esfaqueamentos pelas costas. Claro que nenhuma menção histórica ao PCP fica completa sem aquele que é o meu maior ídolo político português, Álvaro Cunhal.
Cunhal atravessou uma juventude academicamente brilhante, participando na célebre polémica cultural com José Régio, desde cedo abraçando a Filosofia Marxista, e desde cedo tomando acção contra o Fascismo. Filiou-se ao PCP, tornou-se o seu Secretário-Geral, e atravessou 11 anos de violência e opressão na Prisão de Alta Segurança de Peniche. Eventualmente, a alta segurança não impediu que Cunhal e outros camaradas se evadissem da Prisão, em 1960, passando ao exílio, na União Soviética e em França, até ao famoso dia 25 de Abril de 1974. Desde aí, Cunhal lutou pela efectivação duma Revolução Socialista e Democrática em Portugal, tendo estando ao lado dos desígnios do PREC, mas nunca indo ao ponto de querer iniciar uma Guerra Civil, como outros, por ventura, estariam dispostos. Sabemos hoje que Mário Soares chegou a estabelecer contacto com os EUA, para que estes invadissem Portugal, em 1975, no caso das soluções do PREC se tornarem definitivas. Há muito que vejo o camarada Álvaro como uma personagem vinda de uma qualquer obra literária fantástica. "Filho adoptivo do Proletariado", como se declarava, era também possuidor de uma intelectualidade fantástica. Muitas vezes é disso que sinto falta no PCP. Uma voz pelo Proletariado, e ao mesmo tempo um farol intelectual, uma estrela vermelha inspiradora, com destreza política e capaz de ler, com a máxima assertividade, o mapa do caminho socialista e as orientações do Marxismo. Mas o Álvaro, apesar da sua longa e preenchida vida, já não vive. E como não vive já não pode corrigir os erros, anteriores e ulteriores, do partido.
O PCP, e por consequência a CDU - uma vez que este foi sempre o partido maior na coligação -, já não tem, nem a vida, nem os deputados, que outrora teve. Nas primeiras Eleições Legislativas, em 1976, o PCP obteve 40 deputados, tendo alcançado vitória em três distritos: Setúbal, Beja e Évora. Na altura correspondeu a quase 800 mil votos dos eleitores. Hoje, 43 anos após tal coisa, a bancada parlamentar da CDU está reduzida a menos de metade dos deputados (15 do PCP e 2 dos Verdes). A linha decrescente lê-se como tinta preta em papel branco, infelizmente.
Creio que Cunhal deixou para trás um grande vazio de orfandade, não só para muitos de nós que acreditam, ou esforçam-se por acreditar, que um futuro socialista é possível - e sim, eu de facto acredito que, no plano democrático, tal transformação civilizacional seja possível no Mundo -, mas também para o próprio PCP. Não vale a pena negá-lo. A força já não é a mesma. O pulsar ideológico e a Luta política já não são os mesmos. Muitos dos deputados já não acreditam, com a força que antes se acreditava, que o Capitalismo é um sistema não democrático e ingrato. Pergunto-me mesmo quantos deles compreendem as artérias do pensamento marxista e a tese do Materialismo Histórico. Bernardino Soares compreende-os? António Filipe compreende-os? Sou céptico porque os costumo ouvir, e não me soam a comunistas. Saramago afirmava, com algum humor, que era um comunista hormonal. Possivelmente, para se ser é isso que é preciso. Uma forma de acção e pensamento, um estilo de vida, que justifique tal compromisso. E há várias razões pelas quais eu não sou, mas isso será para outra altura. Por agora basta-me dizer que, apesar de ter admiração pela dinâmica da mentalidade, selectas coisas impedem-me de o ser, nomeadamente a forma como a ideologia fecha os olhos a outras filosofias que partilham vários aspectos em comum.
Continuo a acompanhar o PCP nas suas bases ideológicas económicas, acompanho menos no que à base social diz respeito. O PCP já foi socialmente progressivo. Foi Cunhal que apresentou uma Dissertação sobre a legalização do aborto, num país que ainda estava a anos luz de se pensar em tal coisa, e foi o PCP que apresentou uma proposta de lei pela sua legalização em 1982. Também foi o PCP um grande defensor dos direitos da mulher na sociedade. Mas outras questões, de similar importância, com o tempo, escaparam à atenção do partido. Quanto à sua organização política - em tempos massiva, inconformada, de grande força sindical -, é o que, acima de tudo, está mal no PCP. Perdeu-se o norte. E a culpa não reside no seu Secretário-Geral, Jerónimo de Sousa, pelo qual tenho uma tremenda admiração. Jerónimo também lutou, e luta, pela verdadeira Democracia. Jerónimo é dos políticos mais honestos da História de Portugal. Nunca teve o mais pálido interesse em enriquecer às custas da política, abraçando-a como um autêntico serviço ao Povo. Mas o PCP insiste em dar cobertura a Nicolas Maduro, aos crimes que têm sido feitos na Tchetchénia, ao Regime Ditatorial na China, a não comentar a natureza sinistra do regime da Coreia do Norte. No meu ponto de vista, o PCP precisava de reformular os estatutos da sua base ideológica. Abraçar os preceitos do Marxismo clássico. Dar os mesmos passos em frente que, por exemplo, o Partido Comunista Japonês deu. O PCP precisa de aprender a reconhecer derrotas políticas quando elas, de facto, sucedem, para que haja espaço para a auto-crítica e a correcção da praxis. Isto é muito mais que teoria, é um facto. Não há caminho socialista sem aplicação de método e praxis. E as mudanças de fundo têm de ser aplicadas o mais rápido possível, antes que seja tarde. Reformulem os quadros do partido, expulsem quantos tiverem de expulsar. Um partido comunista tem de ser, por natureza, radical na sua acção política (e para o leitor mais obtuso, com radical não me refiro a rebentar bombas, logicamente). Chegou uma altura em que o PCP teve de expulsar, nos anos 80, gente como a Zita Seabra, do partido. O PCP não pode ser complacente com o facto do imobiliário dos partidos e as igrejas não contribuírem, fiscalmente, para o Estado. Aliás, o PCP não devia ter qualquer género de relação com qualquer forma de religião organizada. O PCP devia ser vocal com a forma como a Religião anestesia, como ópio, a população mundial, como Marx um dia escreveu. Não é preciso ser-se comunista para votar PCP, ou CDU se quiserem, eu planeio, por enquanto, continuar a fazê-lo na minha autarquia, de consciência tranquila, mas até ao dia em que estas reformas não forem pensadas e efectuadas, não poderão contar comigo no plano nacional.
No dia 6 de Outubro irá haver um embate. A CDU decidiu que devia colocar candidatos importantes, como Heloísa Apolónia, em distritos onde há séculos que não elegem ninguém. Tudo o que tenho a dizer é que a bala vai sair pela culatra. É possível que a CDU perca mais uns quantos deputados. Haverá dias melhores se o espírito crítico e o bom senso ideológico falarem mais alto que o Centralismo Democrático.
Post scriptum:
Até ao dia em que o PCP abraçar a Revolução Internacionalista, focada numa Esquerda Libertária. Até ao dia em que denunciarem, explicitamente, o: Estalinismo; o Holodomor; a agressão da URSS à Checoslováquia em 1968; e a perseguição de 90% do Comité Central do Partido Comunista Soviético, por Stalin, que resultou no assassinato de, entre outros, Leon Trotsky; não fizeram avanço nenhum... com grande tristeza minha.
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