Costuma ser com a morte que o indivíduo encontra adoração por parte de todos, adoração essa que por vezes é muito hipócrita. John McCain é esse indivíduo neste momento. O Senador McCain nunca me iludiu nem me surpreendeu alguma vez. Foi sempre o típico americano conservador e militarista, sempre visto pelos media como tal, pelo menos até ao seu falecimento. Apesar do aligeiramento das suas posições nos últimos anos, tal não apaga o historial de posições autoritárias e anti-democráticas, tomadas ao longo da sua vida política, que teve início (numa forma mais séria) em 1987 aquando da sua eleição para o Senado, pelo Partido Republicano. Sinteticamente, alguns excelentes exemplos da política conservadora e militarista de McCain são, respectivamente, as suas acções legislativas impregnadas de uma homofobia avassaladora, entre elas a defesa da Proposição 8 da California, ou outros decretos relacionados, no seu Estado do Arizona, cujas bases são a proibição de uniões ou casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
McCain foi também, embora tenha reconhecido o seu erro mais tarde, um acérrimo opositor ao feriado nacional em homenagem a Martin Luther King. McCain procurou pôr sempre a sua religião cristã por cima de outras religiões, ou ausências de religiões. Para terminar esta salva de factos esquecidos pela comunicação social no meio de tantos elogios e crónicas sobre o Senador McCain, este foi um político influente que, a cavalo do Partido Republicano e do seu então Presidente Bush Jr., apoiou a invasão do Iraque e outras operações militares de igual nível agressivo, desnecessário e oportunista. No fundo, McCain foi um autêntico político de amizades profundas com lobistas financeiros, e desde quando é que nós demonstramos tamanha simpatia por alguém assim? Quanto à história do herói de guerra, trata-se do retroceder das inúmeras conclusões que temos atingido nos últimos anos. Trata-se duma falta de respeito perante os acontecimentos do Vietname, se bem que, neste caso, a culpa não será de McCain. Este não era mais do que um soldado a cumprir ordens dum poder maior que fazia avançar os jovens filhos da América contra a frente vietnamita, alegando que tudo se tratava da defesa do Cristianismo perante a ameaça comunista.
Será preciso dizer mais? As pessoas devem ser lembradas por aquilo que foram, e assim quero que seja comigo no dia em que eu falecer, e evidentemente que tudo isto escrito em cima seria desnecessário, todavia, quando a comunicação social não faz o trabalho que lhe compete, quando a totalidade dos factos não é relatada, acredito que deve haver sempre vozes para preencher essa lacuna que amiúde surge neste género de obituários, e, por exemplo, a minha intuição diz-me que o mesmo terá de ser feito no dia em que falecer o Professor Cavaco Silva.
Mudando de assunto, e porque os últimos dias têm sido deveras propícios ao debate, o Papa da Igreja Católica, Francisco I, deu um murro no estômago de muitas pessoas, entre as quais eu, no decorrer da conferência de imprensa que deu no seu avião, após a sua visita à República da Irlanda. Sucede que, para aqueles que têm estado distraídos, quando o Papa foi interrogado por um jornalista sobre o conselho que daria aos pais de uma criança que revelasse homossexualidade, a resposta do Papa foi que dialogassem, rezassem e que procurassem ajuda junto dum psiquiatra. Depois da homossexualidade ter sido desmistificada como uma simples orientação sexual e não como uma anomalia psicológica. Depois da OMS, em 1992, ter retirado a homossexualidade da lista de doenças mentais, este Papa, supostamente bem mais progressista que os restantes, solta um disparate deste tamanho. Fico com um sentimento de genuína tristeza. Depois de tanto ter elogiado, depois de ter, inclusive, admirado a certo ponto este líder religioso, há sempre nódoas a serem feitas, e de que forma. Pode ser que assim as frentes manifestantes que defendem os direitos dos não-heterossexuais compreendam que não encontrarão exemplar consolo ou apoio na Igreja Católica, porque por lá a mentalidade ainda não mudou.