segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Swan Songs em Negro

Para mim, na música, sem querer soar muito redutor, há dois tipos de bons músicos e artistas: aqueles que produziram excelentes álbuns no auge da sua carreira, mas que, devido ao processo definhador da sua criatividade musical, não produzem nada mais relevante ou extraordinariamente marcante na fase final da carreira; e existem aqueles que têm uma fase áurea na sua carreira onde produzem a música mais marcante, abrandam na sua criatividade musical numa fase final, mas, antes de falecerem, deixam uma última e inesperada obra de arte para nós - uma swan song, portanto.

Quatro exemplos deste génio musical inigualável (entre outros que eu conheço e desconheço) são o Jim Morrison, enquanto cantautor dos Doors, o Johnny Cash, o David Bowie e o Leonard Cohen. Uma extraordinária e emocionalmente espessa swan song é o que estes quatro ícones têm em comum, para além do facto, escusado será dizer, que nenhum deles infelizmente é clinicamente vivo.

Cohen, em plena consciência da sua mortalidade iminente, lançou no ano 2016, semanas antes da sua morte aos 82 anos, um derradeiro álbum intitulado You Want it Darker. É uma obra que mistura Blues, Gospel e Soft Rock numa única melodia, abordando temáticas como a morte, a fé religiosa e a vida no seu estádio término. De entre as várias faixas que compõem You Want it Darker, todas elas compostas por uma letra rica, poesia da autoria do próprio Leonard Cohen, e como só ele poderia entregar, as minhas faixas favoritas são o Treaty, o Leaving The Table e a faixa homónima do álbum. Ouvindo este álbum, podemos de facto sentir através da poesia e da música, o que um homem como o Leonard Cohen estava a atravessar, sabendo que a sua última expiração estava para breve. Este álbum, longe dum fiasco, foi a mais justa swan song que Cohen podia ter, ao ponto de ser o meu álbum favorito da discografia do Leonard Cohen, a par com o New Skin for The Old Ceremony (1973). 

Bowie, à semelhança de Cohen, estava plenamente ciente da sua mortalidade, de tal forma que padecia dum cancro terminal aos 69 anos, embora a sua condição clínica estivesse desconhecida do público, o que fez da sua morte um evento abrupto e duro para milhões de fãs em todo o mundo. A swan song do David Bowie foi um êxito comercial e criticamente aclamada nos simples dois dias que separaram o lançamento de Blackstar (assim é o nome do álbum) e a morte de David Bowie. Blackstar é um álbum musicalmente complexo, num tom bastante negro. É aquilo a que podemos utilizar a expressão "primeiro estranha-se, depois entranha-se". Foi, num registo temático, a forma que Bowie encontrou para dizer ao mundo que a sua vida estava a chegar ao fim, tornando o álbum numa reflexão da sua vida. O género musical do álbum pode ser definido como Experimental Rock, com traços de Blues, Jazz e Hip-Hop, o que torna o álbum muito característico e singular, como se pertencesse ao seu próprio estilo, possuindo duas faixas altamente psicodélicas, intituladas Blackstar e Lazarus, cada uma delas num ambiente bastante surrealista, quase macabro. 

Cash, embora tivesse mais dois álbuns a serem lançados (e eventualmente seriam lançados após a sua morte), teve o American IV: The Man Comes Around como a sua swan song, lançado em 2002, meses antes da sua morte em 2003. Foi o quarto álbum do renascimento de carreira de Cash - uma fase mais negra e nublada da vida do Man in Black -, e este álbum, à semelhança dos restantes cinco da mesma série de álbuns, foi, na maioria das faixas, uma compilação de covers que Johnny ousadamente fez de outros clássicos, e dão-nos uma perspectiva mais negra e sinistra de Cash, defrontado com a ideia de finalidade. O American IV, num género em que se mistura Country e Gospel num tom obscuro, tem três faixas de destaque em todo o álbum: o The Man Comes Around, obra original de Cash, repleto de referências bíblicas; o Personal Jesus, cover do original dos Depeche Mode numa versão melhorada, quanto a mim; e o Hurt, cover do original dos NIN (Nine Inch Nails) de tal forma sentida e genial, que os NIN admitiram que o Hurt era a partir desse dia uma música do Johnny Cash.

Morrison, embora não fosse de suspeitar que falecesse tão prematuramente, era alguém para quem a morte era uma constante presença e uma libertação. Terá sido, talvez, por isso que levou a sua vida numa rapidez e numa turbulência tal, para mais próximo estar da sua libertação. A sua swan song foi o sexto álbum da banda The Doors, intitulado L.A. Woman, um álbum que mistura o Rock N' Roll clássico e o Psychadelic Rock, lançado em 1971, três meses antes da sua morte em Paris, aos 27 anos. Apesar do caminho destrutivo em que Jim Morrison tinha entrado e do disfuncionamento reinante nos Doors, o L.A. Woman foi um autêntico êxito. Embora não esteja entre os meus favoritos dos Doors, este álbum contém duas faixas absolutamente geniais: o Love Her Madly e, especialmente, a definitiva swan song de Jim Morrison, o Riders on the Storm - a última música que Morrison gravou, fechando o pano de forma épica, num dos maiores hinos do século XX.

Todavia negros, taciturnos, emocionalmente pesados estes quatro álbuns, eles são o último beijo que estes quatro ícones deixaram no mundo. São o canto de cisne épico e realista destes quatro astros da música, que muito conscientes estavam da sua mortalidade iminente, e que, através das últimas músicas fantásticas que produziram, disseram ao mundo as suas mais profundas reflexões e os seus mais tristes sentimentos face à morte. Perante a morte, a arte também pode ser isto.

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