O meu trabalho textual de hoje é muito mau trabalho. Não pelo facto de ser um trabalho medíocre, mas pelo facto de ter consciência de que vou ser mau para alguns dos meus conhecidos e amigos. Praxis! É uma palavra que vem do helénico (ou grego como, infelizmente, é mais comum dizer-se), que tem grande parecença com a palavra portuguesa prática. Praxis significa "acção e, sobretudo, acção ordenada para um certo fim" segundo o Dicionário Priberam. Especial atenção para o pormenor da "acção ordenada". Ora, é de praxis que vem o termo 'praxe', altamente conhecido no meio dos estudantes universitários.
De uma forma geral, aquilo que todas as comissões de estudantes, dos vários cursos dos inúmeros estabelecimentos de ensino superior, dizem sobre a praxe é que é uma forma de integrar os novos alunos - geralmente designados como caloiros, ou noutras situações, como é exemplo a Universidade de Évora, onde antes do ranking Caloiro vem o ranking de Bicho. Integrá-los no espírito académico e no amor ao curso, do qual fazem parte, em suma, é esse o alegado objectivo. Claro que cada zona, ou cada curso, tem o seu próprio estilo. O Curso de História da minha faculdade, por exemplo (do qual só fiz parte na primeira sessão do meu primeiro ano, depois saí porque os sistemas hierárquicos nunca foram do meu máximo agrado), tem métodos de integração exemplares, no qual os novos alunos não são insultados gratuitamente, nem são agredidos com ovos, farinha e outros géneros alimentícios, nem lhes é feito qualquer modo de coação ou pressão no caso de não quererem fazer parte da praxe. Aí, ao menos, vê-se que há uma genuína integração, entre estudantes mais velhos e mais novos. O mesmo, segundo tenho sido informado ao longo do tempo, não se pode dizer do curso de Ciências da Comunicação da minha Faculdade, onde o curso de Sociologia é alvo de queridos insultos e onde os caloiros poderão ser, de tempos a tempos, alvo de arremesso de géneros alimentícios. Mas a verdade é que nada do que se poderá passar na minha faculdade chega às solas dos pés do que se passa noutras zonas do país.
Não é só na Universidade de Évora - na qual tive hipótese de ver um vídeo exemplar, através do Jornal Público, duma praxe completamente estúpida e inaceitável - que os caloiros são denominados de 'bichos'. Para fins informativos, e um pouco para meu divertimento pessoal, eis aqui a hierarquia dos títulos para todos os participantes na praxe da Universidade do Porto: bichos, paraquedistas, caloiros, caloiros estrangeiros, pastranos, semi-putos, putos, terceiranistas, quartanistas, quintanistas, doutores de merda, merda de doutores, veteranos, (e para o fim, no topo desta cadeia alimentar, estão os títulos distintíssimos e pomposos) dux-facultis e dux-veteranorum - estes últimos são geralmente os indivíduos com mais matrículas, nunca são os mais inteligentes ou academicamente mais brilhantes. Onde é que eu quero chegar? A uma conclusão muito simples! O problema não é a Praxis em si, o problema são as pessoas que nela ordenam, e as motivações por parte dos praxistas. Para mim, pessoalmente, o conceito de praxe não é muito apelativo: um sistema onde os estudantes mais velhos dão ordens aos mais novos, pelo simples facto de serem mais velhos, e toda a cadeia hierárquica, acumulando ainda o dito Tribunal de Praxe, não é um organismo do qual eu queira fazer parte. Respeito, contudo, quem queira. É uma organização como outra qualquer.
Todavia, vejo que surge um problema de facto quando os estudantes mais novos são submetidos a práticas humilhantes e repressivas, em nome da integração e em nome da Praxis. Infelizmente, já conhecemos os extremos a que uma praxe violenta pode chegar. Temos o Meco para nos recordar disso! A integração dum indivíduo nunca será feita através de métodos humilhantes e autoritários, porque os humilhados de agora serão praticantes da humilhação no futuro, e sinceramente considero que há muitos institutos de educação superior que deviam rever os seus códigos de integração, dos quais o Instituto Politécnico de Portalegre não se escapa. Não sei como está a situação neste momento, mas volta e meia, sempre que fazia o meu caminho a pé da ESSL até à minha residência, passava pela Praça da República, e, sempre que estava a suceder uma praxe a céu aberto, havia quase sempre uma ou outra aluna mais nova (geralmente eram estudantes do sexo feminino) a chorar... Mas em última análise, quem escolhe participar nestas peças é que é o primeiro responsável por si porque, infelizmente, já sabe muito bem para aquilo que vai, e em primeira instância é o estudante novo que decide ou não ir. E se houver práticas de pressão caso não queiram, resistam-lhes!
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