segunda-feira, 30 de julho de 2018

A Dificuldade da Coerência - O Caso Robles

A coerência é talvez dos aspectos mais desafiantes de nos mantermos intactos, não só na política, mas também enquanto defensores dos nossos próprios ideais e princípios. A dinâmica da própria sociedade seduz-nos, por vezes, a desviar-nos do caminho que julgamos ser o certo... Estou inclinado a concluir que foi isso que aconteceu a Ricardo Robles. 

Explicando a situação em linhas gerais, Robles, vereador da Câmara Municipal de Lisboa pelo Bloco de Esquerda - um partido assente na procura pela suplantação do capitalismo através das mais variadas ideologias esquerdistas, tais como o marxismo, o socialismo e o trotskismo -, um dos grandes críticos, e muito bem, durante as autárquicas do ano passado, da horripilante especulação imobiliária que tem assolado a cidade de Lisboa, especulação essa que tantas dificuldades tem trazido aos jovens estudantes, para encontrarem o mais pequeno apartamento para residirem, enquanto estudam na cidade, decidiu comprar, ainda quando estava no executivo camarário da mesma autarquia, um imóvel cujo preço rondou os 350 mil euros. Ricardo Robles comprou este imóvel à segurança social, reabilitou-o, o preço do imóvel terá escalado até ao milhão de euros com essa mesma reabilitação, mas o processo não ficou por aqui. Após criticar, e de forma excelente, a especulação imobiliária, depois de criticar pessoas que ganham dinheiro de forma agiotista, permanecendo num partido que critica (e muito bem) muitas das falhas do capitalismo e dos capitalistas, Robles decide então colocar o dito imóvel à venda num valor de mais de 5 milhões de euros, um preço cinco vezes superior ao valor real do dito imóvel. O que é isto que Ricardo Robles praticou? Especulação imobiliária... e da descarada.

Há duas questões que devem ser colocadas nesta situação. Ricardo Robles cometeu um crime? Claro que não, o sistema capitalista vive precisamente deste tipo de coisas: indivíduo x tem um isqueiro que não vale mais que 1 euro, alega que o isqueiro é muito especial, e tenta vendê-lo por 5 euros, "assaltando" o idiota que o comprou. Portanto, Robles não é nenhum criminoso, contudo, a segunda questão que deve ser colocada é bem mais complexa. Robles foi ideologicamente incoerente e eticamente hipócrita? Infelizmente foi. Praticou aquilo que tanto criticou. É aquilo que torna mais fácil um comportamento de Direita do que um comportamento de Esquerda. Um adepto do capitalismo pode fazer este tipo de manhosices sem nunca ficar com a consciência pesada ou ser ideologicamente incoerente - sim, manhosice, porque apesar de ser legal, a especulação imobiliária é sempre uma manhosice -, mas um critico do capitalismo, por outro lado, não se pode dar ao luxo de fazer este género de coisas. Tem de ser muito superior a isto. Para mim, como um jovem, por mais inútil que seja, que é esquerdista e que respeita imenso o Bloco de Esquerda, é este o ónus da questão. Como argumentou Ricardo Araújo Pereira na última edição do Governo Sombra, é possível ser de Esquerda e ser rico, dando até o exemplo do Comendador Rui Nabeiro. Todavia, não é, pois, possível ser esquerdista rico que explora laboralmente os seus trabalhadores. Com Robles a situação é similar: pode ser um esquerdista que comprou e reabilitou um prédio caro, não pode depois, em nome da coerência, praticar especulação na venda subsequente desse mesmo imóvel.

Sendo eu o mais frio possível, o melhor que devia ter acontecido era Ricardo Robles ter apresentado a demissão da vereação, porque não foi para isto que os seus eleitores votaram, tenho eu a certeza, e eu se residisse em Lisboa teria sido um deles, e o Bloco de Esquerda devia ter pedido desculpa perante isto, por respeito aos seus apoiantes. O melhor que aconteceu foi o dito imóvel nunca ter sido vendido nesse preço astronómico, e isso já não é mau de todo.     

sábado, 28 de julho de 2018

Sociedade Musical Euterpe

Na cidade de Portalegre também há espaço para elogios e congratulações, e é assim que hoje me sinto para com a Banda Euterpe de Portalegre. Por duas vezes tive hipótese de assistir a um concerto deste grupo musical, e por duas vezes abandonei o concerto satisfeito e realizado, e hoje, no Centro de Artes e Espectáculos, foi uma dessas ocasiões, precisamente no dia em que o maestro Henrique Ruivo se despediu do grupo musical que conduziu durante 15 anos. O que torna esta banda de orquestra especial, para além da grande concentração de jovens membros da banda, e da qualidade musical dos mesmos, é o sentido de inclusão da banda. Não é uma orquestra que exija génios e prodígios, não é uma orquestra elite do ponto de vista técnico, mas é uma orquestra que deu oportunidade a muitos jovens, no campo da música, é uma orquestra que deu a conhecer muito daquilo que é a música sinfónica a muitos jovens, e é uma orquestra que dá excelente música à Cidade de Portalegre. Eu como portalegrense e mero fã desta Sociedade Musical Euterpe (por coincidência, a rua onde resido tem este nome) sinto-me agradecido pela existência deste grupo musical, e a mais ninguém - ninguém mesmo - há a agradecer por isto, a não ser a todos os maestros que já conduziram esta banda, às sucessivas direcções, e actual direcção, que dirige esta sociedade, e a todos os músicos que constituíram e constituem esta banda. Muito obrigado!

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Sentido

Às vezes procuro o sentido das coisas. O sentido de nascer, crescer e viver, o sentido da felicidade, o sentido de ser útil à sociedade, o sentido de ouvir música ou de armazenar conhecimento, o sentido de partilhar a vida com alguém... O sentido da vida, portanto. Certo estou que a vida tem o sentido que lhe quisermos, ou não quisermos dar, e costumo convencer-me que as coisas, grandes ou pequenas, banais ou partes integrais da nossa vida, só têm o valor que lhes entendermos atribuir. Uma simples caneta pode ter um valor nulo, como também pode significar algo enorme para nós. Vendo bem o cenário de toda a realidade, ou as tiradas absurdistas que por vezes solto da minha cabeça, até nem é uma reflexão muito fatalista.

Gostava agora de citar algo escrito pessoalmente, por mim e para mim, que complementa este pensamento: "a vida é como uma labareda, quanto mais tempo passa mais nos queimamos nas suas eminências, a diferença entre uma labareda e a vida é que da labareda podemos tirar pacificamente a mão e aliviar a queimadura, na vida a única forma de aliviarmos as queimaduras que nos atingem é perdermos a vida, ou elevarmo-nos, irmos para além dessa dor, pois estas queimaduras, estas feridas, são perpétuas".

domingo, 22 de julho de 2018

Luz (poema)

Luzes cintilando no alcatrão
Luzes cintilando nas janelas
Luzes cintilando na nebulosa vastidão
Luzes cintilando nas pessoais velas.

Luz é o trilho deste caminho
Oblíquo sem mapa de estrada
Que nos guia no copo de vinho
E na pródiga descoberta, embora arrastada.
Luz é a bússola cobiçada.

Luz é a toda conhecedora escada
Que se desdobra na mente humana
E na descoberta página amada.
Luz é a essência que não engana
Luz é o cúmulo do conhecimento

A Luz também nos dá alento,
É esta pois a vida do urbanismo
E das habitações que nos placam o vento,
Uma dádiva do nosso industrialismo.
Um bem comum nunca devendo ser privado.

Mas Luz tem sempre o outro lado,
Pois sua artificialidade é a sua existência
E o contrário é simples ausência
Natural neste espaço mal-amado.
Trevas significa existência normal

Luz é a nossa salvação anormal.


Escrito em 28 de Fevereiro de 2018

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Descoberta Saloia

Fernando Medina, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, teve (ou emprestaram-lhe) a óptima ideia de inaugurar um museu dedicado à História da expansão marítima portuguesa. Só é pena que o nome que tenham pensado dar ao dito museu seja péssimo: Museu da Descoberta. A palavra "descoberta", por si, já é ambígua e vaga, pior ainda quando essa palavra, enquanto nome titular de um museu, remete ao termo Descobrimentos. Infelizmente, ninguém disse a Medina, ou ao resto dos indivíduos que entendem que é uma boa ideia esta conversa de dar tal nome a um museu, que Descobrimentos, na historiografia portuguesa, é um conceito atrasado e com bafo a Salazar. E porquê?

Descobrimentos foi um termo criado, para a nossa historiografia, para enaltecer - dar um toque de epopeia - à expansão marítima de Portugal. Antes de mais, nem Portugal, ou qualquer outra nação europeia, descobriu maior parte dos locais para onde navegou. Muitas vezes pronuncia-se o chavão de que a América foi descoberta pelos espanhóis e os portugueses, no século XVI. A verdade é que já havia autênticas civilizações (incas, aztecas, maias) que tinham imensos conhecimentos, que em certos aspectos ultrapassavam a ciência na Europa, para não falar de que a primeira vez que europeus estiveram na América foi no final do século X, nem foi durante os ditos descobrimentos. Em suma, Descobrimentos é uma forma historiográfica incorrecta e eurocêntrica de interpretar a História, metendo a Europa num papel de heróis absolutos da civilização, descobridores do mundo, quando no outro lado do mundo, por exemplo, já havia uma nação como a China, com uma História milenar.

Claro que não podemos olhar para a História da Europa com o mesmo olhar de ética do século XXI. São realidades incomparáveis numa distância temporal de 500 anos. Coisas como a escravatura, por mais hediondas que nos soem no nosso século, eram admitidas como normais se feitas com povos indígenas ou africanos. Em todo caso, para não ficarmos presos à mesma visão pedante que nos tem perseguido, para termos uma historiografia mais acertada e universalmente inclusiva, devemos esquecer disparates como o termo Descobrimentos – como se a Europa tivesse andado aí a descobrir o território mundial todo – e adoptar termos e conceitos que façam mais sentido, porque apesar de tudo, nomes importam. Sugestões? Museu da Expansão Marítima Portuguesa tem muito mais sentido, e historiograficamente é mais acertado… fica a sugestão. Para rematar com dois pontos, digo que esta ideia que aqui apresentei sobre “descobrimentos” é muito mais que “esquerdismo saloio”, e se tiverem dúvidas, falem sobre isto com angolanos e brasileiros para ouvirem o que eles pensam do assunto, e sublinho também – e isto é muito importante – que, para acabarmos com esta “História dos Descobrimentos”, temos de começar nas salas de aula e nos currículos educativos que, gritantemente, ainda insistem na mesma narrativa que era feita no tempo do Estado Novo. Não se trata de termos vergonha da nossa História, trata-se de sermos verdadeiros com a nossa História!

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Ronaldo, Juventus, Agnelli e Proletariado

Cristiano Ronaldo, um dos melhores futebolistas do presente século, deixou por fim o Real Madrid e procura agora novo triunfo na Juventus de Turim. E por incrível que pareça, este evento grande no mercado de transferências é mais do que um evento grande no mercado de transferências do football internacional, extrapolando-se para uma questão que diz respeito à sociedade em geral. Acontece que a família que possui a Juventus, os Agnelli - os Kennedy de Itália como têm sido chamados - também possuem a empresa de automóveis Fiat, na qual imensos trabalhadores estão empregados. 

Volta e meia, os proprietários da Fiat (os Agnelli) congelaram subsídios e mantiveram os salários baixos dos operários da Fiat, enquanto se deram ao luxo, no outro investimento, chamado Juventus, de gastaram rios de dinheiro na compra e manutenção do jogador de football Cristiano Ronaldo. Evidentemente, Ronaldo não tem qualquer culpa desta ausência de ética. Ele é futebolista, limita-se a fazer o trabalho dele, com ou sem consciência do que se passa na sociedade em torno dele. O problema aqui - e muitos dirão o previsível que eu sou - são os patrões de todo este grupo económico, os Agnelli, lá está. Os mesmos patrões que mantêm a fasquia baixa nos vencimentos do seus trabalhadores das fábricas da Fiat, fazem um investimento milionário com um jogador de football. O mais surpreendente de tudo isto são as expressões de surpresa face à greve convocada por estes trabalhadores, na consequência desta balança de dois pesos. 

Eu acho isto triste. E já ouvi e li os argumentos que dizem que Ronaldo vai trazer muito dinheiro para este grupo económico, através do merchandising, das bilheteiras, da publicidade e dos possíveis triunfos da Juventus, e tudo isso é muito certo, ainda assim eu lanço uma afirmação e ponho uma questão: Os Agnelli, como patrões capitalistas, nunca se irão preocupar, apesar dos lucros que o Ronaldo trará, com o aumento do vencimento dos seus operários. É sempre assim que funciona. Não o fizeram até aqui e não o farão no futuro. Por outro lado, porque é que patrões como os Agnelli sempre se sentiram confortáveis em fazerem investimentos milionários em publicidades e coisas extravagantes (e já sei que são estas coisas extravagantes que fazem este bicho papão, a que chamam Mercado, girar), e sempre se sentiram muito desconfortáveis em serem justos e gratos para com os trabalhadores que lhes produzem a riqueza? Creio eu que o Capitalismo é isto mesmo, e quem a isto quiser fugir bem pode tentar ser um eremita. 

sábado, 14 de julho de 2018

Uma princesa não fuma...

O motivo de existência deste texto nasce, devo confessar, da suplantação de outro, que estava a escrever, mas que, devido à minha necessidade de estabelecer prioridades, foi interrompido para dar início à redacção deste. Passa agora, nas televisões portuguesas, um meio publicitário, embrião autêntico dum novo lobby que domina a sociedade do século XXI. Falo do lobby anti-tabagista. Abordando a natureza do meio publicitário televisivo em questão, para fins informativos de quem ainda não o tenha visto, ele retrata uma mãe, decorada com um auxiliar respiratório, careca, às portas da morte devido ao consumo de cigarros, e a sua filha pequena, decorada como uma autêntica princesa, digamos. Num plano, a rapariga aparece com um cigarro na mão, no plano final da publicidade aparece mãe e filha abraçadas, uma decadente e outra saudável, e no final a mãe diz para a filha "uma princesa não fuma". É aqui que o fundamentalismo atinge o seu apogeu. Atinge-o quando a principal mensagem deste meio publicitário, em vez da advertência (desnecessária convenhamos) para os malefícios do tabaco, antes se torna: quem fuma é dos maus, quem respeita a nova onda puritana e não fuma é dos bons. 

Bem, como fumador, devo dizer que não preciso das fotografias de anatomias deficientes nos maços para saber o mal que o tabaco consumido em excesso pode fazer, e a forma como este é viciante, da mesma forma como sei, e creio eu que toda a gente deva saber, que os hambúrgueres do McDonald's ou do Burger King podem trazer uma variada sorte de problemas de saúde, ou até o café - que contém cafeína, uma droga altamente poderosa - sendo consumido em excesso, pode levar a insónias no médio prazo, e a demência esquizofrénicas ao longo prazo, em casos extremos. Contudo, de entre toda a sorte de substâncias consumidas em massa que mais razões teriam para estar na mesma watchlist do tabaco, mas que não estão porque tal estragaria muitas fortunas "importantes", no topo do pódio encontramos o nosso amigo açúcar. Segundo o Professor Noam Chomsky, o tabaco é a segunda substância consumida em massa que provoca mais mortes por ano, sendo a primeira posição ocupada pelo açúcar... E até nem é algo difícil de acreditar, e por incrível que pareça, nunca eu me apercebi de propaganda anti-açúcares a voar de ecrã em ecrã. 

Tendo estes factos adquiridos, porque é que não há o mesmo peso de publicidade negativa sobre substâncias como o açúcar ou a cafeína? A resposta está nos interesses económicos, como é óbvio. Com isto não estou a dizer que fumar é espectacular. Há aqueles que gostam e aqueles que não gostam, e os que gostam conhecem os riscos que tal acto traz. Só tenho absoluto desprezo por estas manobras tolas de marginalização dos fumadores. Hoje, os fumadores já sabem, e muito bem aceitam, que há sítios e espaços onde não podem fumar. Será eticamente decente construir, por cima de tudo isso, uma máquina de propaganda anti-tabagista? Aliás, conheço uns poucos fumadores que hoje quase se marginalizam por fumarem, fruto desta sociedade do 'bom comportamento'. É muito possível que, daqui por poucas décadas, quando a força da economia do café já não for do interesse de quem manda nisto tudo, comecem a passar imagens publicitárias de gente mentalmente doente devido ao consumo de 20 ou 30 cafés por dia, em contraste com a boa publicidade da qual o café hoje desfruta, porque assim como o café, também o tabaco já teve excelente publicidade. Nos meados do século passado havia uma marca de cigarros que eram os healthy cigarettes, da mesma forma como hoje se diz que beber café faz bem à cabeça e que o açúcar faz bem ao coração... 

Em suma, eu tenho um convite a fazer à sociedade em geral e à DGS em específico: quando eu precisar dos vossos conselhos, peço-os. Se os merecer, tenho-os, se não os merecer, não os tenho, e se um dia ficar doente, uso um hospital. E para terminar isto de uma forma teatral e esteticamente extravagante, digo o seguinte: em 1848, Marx e Engels proclamaram "trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!", bem mais de cem anos depois, Morrissey escreveu para uma música dos Smiths "shoplifters of the world unite and take over", eu afirmo, face a toda esta idiocracia puritana, Fumadores de todo o mundo, uni-vos! 

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Pensamentos de Armazém (poema)

Sou eu que passo pelos campos
Ou são os campos que passam por mim?
Os quilómetros são aos centos
Neste caminho por onde vim.

Para quê pensar nisto?
Não tira o sono a ninguém
Que já tenha reflectido nisto –
Pessoas que já têm tudo visto –
A isso chamo pensamentos de armazém.

Para a nuvem mais soberana
À fossa mais recôndita,
Das ruas remotas de Havana
Até à cidade invicta.
Subindo a mais imperiosa montanha
Descendo ao negro vale:
Sem a sacrária senha
Nada disto algo vale.

São pensamentos de armazém.
Olho para o vago papel
Sem saber a que tudo isto vem.
À verdade estou a ser fiel.


Escrito no dia 22 de Março de 2018, num autocarro

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Dicotomia da Cidade (poema)

A noite cai sobre nuvens.
Luzes, prédios, carros e pessoas,
Pintados na tela maior são cães.
Uma mão cheia de banais Lisboas…

As luzes brilham em faísca,
Em ricochete e voltando aos transeuntes
Que sem protectoras lentes
Encaram os néones – cegueira livre à risca.

Os pássaros de ferro navegam,
Fortes, imponentes, indiferentes
Aos desígnios gravitacionais da mãe natureza.
No alcatrão os automóveis escorregam
(Lá dentro vão cruzes cristãs carregadas por não crentes)
A cidade é a dicotomia entre o obsoleto e a beleza.

As noites de luar tornam-se plástico
Mas as luzes dão um panorama fantástico.
Folhas, flores e montes são raridades
Mas os monumentos são belas bestialidades.
Os olhares baços das ruas são velórios
E observa-los dá em estudos inglórios.
Espaço, gente, prédios são elementos sem laços
Mas algo aqui me chama ao futuro
Apesar deste triste tempo escuro 
E apesar dos meus olhos lassos.


Escrito no dia 7 de Dezembro de 2017, na Cidade de Lisboa

terça-feira, 10 de julho de 2018

Pensatório da Divisão

Uma vez estando um nome cunhado a este simplório blog recém criado por mim, parece-me que faz sentido clarificar o porquê de tão abstracto e estranho nome. Pensatório da Divisão é uma junção, entre um conceito que para todos os complexos e linguísticos efeitos não figura no dicionário da língua portuguesa (pensatório) - não sendo, todavia, um neologismo por mim criado -, e uma palavra que advém de um álbum musical de uma banda que muito gosto (divisão). Não se surpreenda quem isto estiver a ler, não me limitei a pensar nas duas primeiras coisas improváveis que me ocorressem à cabeça, juntá-las, e disso fazer o nome do meu blog. A realidade é que existe uma relação entre estes dois termos, no seu presente sentido semântico em específico. Pensatório foi um neologismo, tanto quanto eu consegui averiguar, criado pelos tradutores das primeiras edições dos livros da saga Harry Potter, para que houvesse tradução para o termo pensieve, termo este instituído, com um novo sentido semântico, pela autora da série, J.K. Rowling. O Pensatório era um objecto (em forma de bacia) onde alguém podia descarregar as suas memórias mais complexas e visitá-las mais tarde, em qualquer dado momento, como se estivesse a visitar o próprio passado, permitindo que ocorrências ou tempos do passado fossem retrospectivamente compreendidos com uma maior clareza. Era um meio muito utilizado - a partir do quarto volume e principalmente no sexto - pela minha personagem favorita de toda a saga, o Professor Albus Dumbledore, e sinceramente seria o tipo de objecto que eu adoraria possuir, desde há muito tempo. Seria o tipo de coisa que me daria uma maior clarividência sobre o passado, para compreender coisas que nunca chegaram a ser compreendidas. E então onde joga aqui o termo 'divisão'? Ora, antes de mais, o termo vem do excelente álbum Divison Bell (1994), da banda britânica de rock progressivo Pink Floyd, cuja tradução literal é 'Sino de Divisão'. Primeiramente, o título do álbum refere-se ao Sino de Divisão que é utilizado no parlamento inglês para sinalizar a iniciação dum processo de votação, contudo, num plano mais profundo, refere-se também a todas as fissuras divisórias que foram criadas na história da banda, desde a psicose do fundador Syd Barrett até à saída hostil de Roger Waters - segundo muitos entusiastas, estas mesmas fissuras podem ser observadas, subliminarmente, na capa do dito álbum. Portanto, este título significa que fissuras ou complexidades existentes no quotidiano ou na cabeça da pobre alma que possui exclusiva autoria deste blog, possam ser, nem que ligeiramente, colmatadas com a reflexão, e redacção dessas mesmas reflexões, partilhando-as com quem as queira ler, fazendo deste blog mais do que um arquivo: um autêntico pensatório, como aliás qualquer bloco de folhas onde alguém escreve as suas memórias pode ser. Bem, no final de contas, este texto torna-se em si uma reflexão que se pretende atingir e revisitar num qualquer futuro...

*Para efeitos futuros, todas as redacções elaboradas neste blog serão fieis para com a Língua Portuguesa e o seu Acordo Ortográfico, não sendo sobre quaisquer circunstâncias escritos textos segundo o anti-democrático Vómito Ortográfico a que chamam Novo Acordo Ortográfico.