sábado, 29 de setembro de 2018

PRAXIS

O meu trabalho textual de hoje é muito mau trabalho. Não pelo facto de ser um trabalho medíocre, mas pelo facto de ter consciência de que vou ser mau para alguns dos meus conhecidos e amigos. Praxis! É uma palavra que vem do helénico (ou grego como, infelizmente, é mais comum dizer-se), que tem grande parecença com a palavra portuguesa prática. Praxis significa "acção e, sobretudo, acção ordenada para um certo fim" segundo o Dicionário Priberam. Especial atenção para o pormenor da "acção ordenada". Ora, é de praxis que vem o termo 'praxe', altamente conhecido no meio dos estudantes universitários. 

De uma forma geral, aquilo que todas as comissões de estudantes, dos vários cursos dos inúmeros estabelecimentos de ensino superior, dizem sobre a praxe é que é uma forma de integrar os novos alunos - geralmente designados como caloiros, ou noutras situações, como é exemplo a Universidade de Évora, onde antes do ranking Caloiro vem o ranking de Bicho. Integrá-los no espírito académico e no amor ao curso, do qual fazem parte, em suma, é esse o alegado objectivo. Claro que cada zona, ou cada curso, tem o seu próprio estilo. O Curso de História da minha faculdade, por exemplo (do qual só fiz parte na primeira sessão do meu primeiro ano, depois saí porque os sistemas hierárquicos nunca foram do meu máximo agrado), tem métodos de integração exemplares, no qual os novos alunos não são insultados gratuitamente, nem são agredidos com ovos, farinha e outros géneros alimentícios, nem lhes é feito qualquer modo de coação ou pressão no caso de não quererem fazer parte da praxe. Aí, ao menos, vê-se que há uma genuína integração, entre estudantes mais velhos e mais novos. O mesmo, segundo tenho sido informado ao longo do tempo, não se pode dizer do curso de Ciências da Comunicação da minha Faculdade, onde o curso de Sociologia é alvo de queridos insultos e onde os caloiros poderão ser, de tempos a tempos, alvo de arremesso de géneros alimentícios. Mas a verdade é que nada do que se poderá passar na minha faculdade chega às solas dos pés do que se passa noutras zonas do país.

Não é só na Universidade de Évora - na qual tive hipótese de ver um vídeo exemplar, através do Jornal Público, duma praxe completamente estúpida e inaceitável - que os caloiros são denominados de 'bichos'. Para fins informativos, e um pouco para meu divertimento pessoal, eis aqui a hierarquia dos títulos para todos os participantes na praxe da Universidade do Porto: bichos, paraquedistas, caloiros, caloiros estrangeiros, pastranos, semi-putos, putos, terceiranistas, quartanistas, quintanistas, doutores de merda, merda de doutores, veteranos, (e para o fim, no topo desta cadeia alimentar, estão os títulos distintíssimos e pomposos) dux-facultis e dux-veteranorum - estes últimos são geralmente os indivíduos com mais matrículas, nunca são os mais inteligentes ou academicamente mais brilhantes. Onde é que eu quero chegar? A uma conclusão muito simples! O problema não é a Praxis em si, o problema são as pessoas que nela ordenam, e as motivações por parte dos praxistas. Para mim, pessoalmente, o conceito de praxe não é muito apelativo: um sistema onde os estudantes mais velhos dão ordens aos mais novos, pelo simples facto de serem mais velhos, e toda a cadeia hierárquica, acumulando ainda o dito Tribunal de Praxe, não é um organismo do qual eu queira fazer parte. Respeito, contudo, quem queira. É uma organização como outra qualquer.

Todavia, vejo que surge um problema de facto quando os estudantes mais novos são submetidos a práticas humilhantes e repressivas, em nome da integração e em nome da Praxis. Infelizmente, já conhecemos os extremos a que uma praxe violenta pode chegar. Temos o Meco para nos recordar disso! A integração dum indivíduo nunca será feita através de métodos humilhantes e autoritários, porque os humilhados de agora serão praticantes da humilhação no futuro, e sinceramente considero que há muitos institutos de educação superior que deviam rever os seus códigos de integração, dos quais o Instituto Politécnico de Portalegre não se escapa. Não sei como está a situação neste momento, mas volta e meia, sempre que fazia o meu caminho a pé da ESSL até à minha residência, passava pela Praça da República, e, sempre que estava a suceder uma praxe a céu aberto, havia quase sempre uma ou outra aluna mais nova (geralmente eram estudantes do sexo feminino) a chorar... Mas em última análise, quem escolhe participar nestas peças é que é o primeiro responsável por si porque, infelizmente, já sabe muito bem para aquilo que vai, e em primeira instância é o estudante novo que decide ou não ir. E se houver práticas de pressão caso não queiram, resistam-lhes! 

terça-feira, 25 de setembro de 2018

O Espectro da Especulação sobre a Habitação

Há um espectro que assola a Cidade de Lisboa, esse é o espectro da especulação imobiliária. Em Lisboa, onde milhares de jovens de todo o país procuram uma digna formação académica, os apartamentos têm os seus preços de arrendamento a níveis absurdos e exorbitantes! Em Lisboa, maior parte dos senhorios não têm contractos oficiais, isso significa que não estão sujeitos às devidas contribuições para o Estado Português. Em Lisboa, há senhorios que arrendam apartamentos a jovens, a preços muito (mas mesmo muito) acima do preço real dos ditos imóveis. Em Lisboa, há senhorios a arrendar T0's, sem mobiliário, a preços obscenos como 500 euros ao mês, em total impunidade, sem qualquer controlo fiscal, sem qualquer ética, sem qualquer solidariedade para com estes milhares de jovens. Devido a este flagelo especulativo, há jovens talentosos que se vêm impossibilitados de estudar em Lisboa porque simplesmente não conseguem pagar, nem os arrendamentos, nem as propinas universitárias. E estes mesmos jovens estão engaiolados num jogo de chantagem, onde se não quiserem pagar tão obscenos preços, simplesmente não poderão estudar na capital do país. 

A fonte deste mal é o espírito capitalista do lucro sem fronteiras, e é o facto de não haver um Estado interventivo e forte, capaz de controlar esta investida ao bolso do cidadão comum. E tal controlo estatal seria possível e praticável, mas não num estado preso nas raízes do Neoliberalismo internacional. No meio de tudo isto, eu sou um sortudo, porque não tive de passar por esta aldrabice graças ao apartamento conseguido com muitos anos de trabalho digno dos meus avós, mas a mesma sorte não a têm milhares de jovens estudantes. O que faz o Governo da República perante isto? O que faz a Câmara Municipal de Lisboa? O que fazem os grandes arautos da economia? O que fazem os deputados sentados na Assembleia da República? Infelizmente só vejo dois partidos - PSD e Bloco de Esquerda - interessados em abordar este problema. Como conseguem os senhorios, que levam tão egoístas rendimentos, olharem-se ao espelho todos os dias? O Neoliberalismo, onde quem regula a economia é essa entidade inexistente chamada Mercado, dá nisto... E o pior de tudo, é que esta situação não se passa só em Lisboa, nem se passa só neste país, nem são só os jovens que sofrem com isto.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Para mim chega, Presidente Marcelo!

Por mais sorrisos que o Presidente da República lance às câmaras, por mais amável que o Presidente seja com o comum cidadão que caminha na rua, por mais elogios que o Presidente teça ao simples café que visita, aquando das suas digressões pelas ruas desta nação, e por mais beijinhos que o Presidente dê às velhotas deste país, as suas acções institucionais e políticas são aquelas que têm consequências de facto na vida da nossa República. 

Acontece que a Constituição da República Portuguesa concede substanciais poderes ao Presidente de República - como aliás deve ser concedido a um Chefe de Estado eleito democraticamente - e esses poderes permitem que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tome um conjunto de decisões que influenciam o decorrer do nosso regime republicano, e a nomeação do Procurador-Geral da República é um dessas...

Marcelo vende uma excelente imagem de si próprio. No presente momento é virtualmente impossível uma competição viável que ameace a sua reeleição para o segundo mandato, tudo isto devido a uma inteligente promoção de figura intelectual próxima das pessoas, misturada com a ultrafavorável publicidade que toda a comunicação social lhe dá. Para além de mais, nenhum partido em presente existência neste país, dentro ou fora do Parlamento, se atreve a arremessar uma única crítica aguda à prestação política de Marcelo. Estas circunstâncias, na minha opinião, criam um escudo protector que torna Marcelo imune ao escrutínio público, desviando as atenções dos vários vetos presidenciais que já sucederam - alguns deles absurdos quanto a mim - focando atenções, exclusivamente, na sua never ending tour de beijinhos e selfies pelo país. 

Quanto a mim, a minha paciência com Marcelo tem sido longa: foi o veto relativo à lei da identidade de género; foi o veto relativo à jurisdição dos transportes de Lisboa; e eu continuei a ter uma relativa empatia e grande respeito pela sua presidência, todavia, com uma crescente desconfiança. Mas a decisão de tirar Joana Marques Vidal da liderança da Procuradoria da República é a gota de água! Para mim chega de simpatias com um Chefe de Estado que quer iludir as pessoas, que não quer que as investigações no Ministério Público tenham continuidade e estabilidade. Os tempos de Marques Vidal na PGR foram tempos em que foram conduzidas óptimas investigações (por vezes minadas pelo próprio sistema) a graves casos de corrupção no país, desde José Sócrates, passando pelo BES e pela estrutura do football português, indo até às falcatruas de dirigentes angolanos em solo português. No momento em que Marques Vidal sai, a sua liderança perde continuidade, e, francamente, em nada estou esperançoso com a sucessão.

Quando penso que há coisas que mudam, no final, as pessoas diferentes têm sempre vida curta. Isto pode soar a teoria da conspiração, mas é precisamente com uma Procuradora-Geral que tinha reformado o Ministério Público, uma figura não divulgada de Esquerda, que Marcelo alega a treta vaga da rotatividade e decide que, no meio de inúmeros processos importantíssimos, agora que a cortina estava a ser desviada, é altura de termos uma Procuradora-Geral nova. Nunca ouvi sobre um líder a substituir um comandante-general, até então invicto no campo de batalha. Eu quero ouvir soar um pouco mais de vergonha por parte de Marcelo! Para mim chega de condescendência com o Presidente da República, já é demais! Só quero ver se o rotativo professor Marcelo também vai optar pela rotatividade e não concorrer a segundo mandato. Vamos ver a coerência de Marcelo Rebelo de Sousa quando achar que 5 anos já é bom, sem nunca esquecer as sábias palavras do Secretário-Geral do Partido Comunista quando disse que "Marcelo pode ser de Direita, Centro ou Esquerda, consoante a hora, o local e a assistência".

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

"Esquerdalho, esquerdoso, esquerdopata"... Que raio de trindade é esta?

Desde há uns tempos, tenho-me vindo a deparar com um conjunto de vocabulário que me tem deixado em pleno estado de inquirição. Algum desse vocabulário é esquerdalho, esquerdoso, esquerdopata. O meu estado de inquirição prende-se, precisamente, com a minha total ignorância face a estes vocábulos. Afinal o que é que estas belas palavras, trazidas até nós pelas singulares maravilhas da língua portuguesa, significam? Para chegarmos a, pelo menos, meio caminho do significado, de facto, destes vocábulos, temos de desconstruir a sua etimologia.

A palavra mãe que todas estas palavras têm em comum é esquerda. Ora, por senso comum, extraindo os contextos políticos em que estes conceitos são usados, depreendi que esquerda, aqui, é a Esquerda política e tudo o que tal tendência política implica. Indo, então, palavra a palavra, temos de compreender a segunda parte de cada termo para compreender as respectivas origens etimológicas. Esquerdalho poderá ser a ligação entre Esquerda e muita coisa: bandalho, alho, espalho (como que uma grande queda), ou até outras palavras, uma delas já me veio à cabeça, todavia, julgo apropriado deixá-la fora da equação para que frágeis susceptibilidades não sejam feridas. Esquerdoso, ocorreu-me, de uma forma bastante clara quando a li pela primeira vez, que fosse a junção entre Esquerda e leproso. De forma, talvez, bastante ingénua - visto que o terceiro vocábulo, que será prontamente abordado, já sugere o outro significado que me ocorreu - depreendi que esquerdoso será um leproso de Esquerda. Desnecessário será dizer que, graças aos avanços da nossa medicina, já não existem muitos leprosos, salvo, infelizmente, nas zonas mais avassaladas do mundo. Não esquecer, contudo, que esquerdoso também pode ser um indivíduo asqueroso que seja de Esquerda. Bem, há gente assim em todo o lado e todos os parâmetros... Por fim, esquerdopata! Do ponto de vista sonoro, adoro esta palavra. O seu significado é também o mais claro entre estes três vocábulos. O sufixo "pata" é sugestivo de uma patologia, uma maleita, uma doença, como em sociopata ou psicopata. Ora, sabendo isto, esquerdopata só pode ser: um indivíduo que sofre a maleita de seguir as convicções da Esquerda política, e que para tal necessita de ajuda clínica. Como pode imaginar o leitor deste tonto texto, fui a correr, ler a lista de doenças mentais da Organização Mundial de Saúde, e para minha surpresa não encontrei nada que se quer se parecesse com esquerdopata... Ainda passei por dois dicionários, um segundo o Acordo Ortográfico, outro segundo a coisa vigente a que chamam Novo Acordo, e para minha estupefacção não encontrei nenhum destes três vocábulos. Contudo, resta sempre a hipótese destes serem neologismos que ainda não constam oficialmente na Língua Portuguesa.

Sejam aquilo que sejam, continuo um pouco às escuras sobre o verdadeiro significado destes conceitos. Serão proferidos por médicos, ou cozinheiros, ou psicólogos, ou politólogos, que ainda não descortinaram o verdadeiro significado por detrás destes termos novos, que apesar de novos têm um cheiro bafiento a algo velho e podre? Serão proferidos por queridas pessoas que são esquerdofóbicas (olhem, mais um neologismo!)? Eu não sei. Os utilizadores destas expressões, ou pessoas linguisticamente mais iluminadas que eu, talvez me possam esclarecer. Enfim, tenham paciência para tantas questões postas por esta cabeça que, à uma da manhã, em mais nada tinha que pensar.  

terça-feira, 11 de setembro de 2018

McCartney na Grand Central Station, NYC

O concerto que Paul McCartney deu na Grand Central Station, em New York City, a propósito do seu novo álbum, Egypt Station, concerto esse que foi transmitido para todo o mundo no YouTube, deixou-me inundado de uma grande felicidade. Fiquei feliz por ver como um mito vivo, um Beatle, um activo interveniente da Contracultura da década de 60, um músico de 76 anos, consegue continuar a tocar guitarra, a tocar baixo, a arrasar o piano, e a cantar como sempre, a ser o frontman carismático e enérgico como sempre foi caracterizado. 

Paul McCartney é, na minha opinião, um dos maiores casos de estudo musical dos tempos contemporâneos. McCartney iniciou a sua carreira musical no final dos anos 50. Lançou os Beatles com o grande John Lennon e o Brian Epstein em 1960 e, nos 10 anos seguintes, Paul McCartney esteve nas bocas do mundo como frontman e compositor do maior acto da História da música, revolucionando a arte musical e a sua indústria, e mesmo após o fim dos Beatles, em 1970, continuou até ao presente dia a ser o músico relevante, criativo e explosivo que sempre o caracterizou, mantendo-se continuamente numa saúde mental e física fantástica - ainda por mais se tivermos em conta a idade dele, mas o facto é que McCartney continua a mover-se como um homem de 30 anos e a comportar-se como um jovem de 20, imbuído, em paralelo, numa maturidade de sábio.

Relativamente ao concerto - e abordando também, um pouco, o seu novo álbum - foi um autêntico sucesso. Um concerto misturado com temas do Egypt Station e clássicos, tanto dos Beatles como do próprio McCartney, concretizado num excelente nível vocal e instrumental, também graças à excelente banda que McCartney tem com ele, e sempre com a habitual interacção bem humorada com o público. Vale a pena assinalar a forma inovadora como o My Valentine foi apresentado, e como o Helter Skelter foi um Hard Rock enérgico e hiperactivo, como sempre. Para finalizar, Egypt Station é um bom álbum de Rock, com algumas incursões bastante experimentais, com destaque para as faixas Come On to Me, I Don't Know e Hunt You Down/Naked/C-Link

O facto de McCartney continuar a fazer música de qualidade, não com o simples e único objectivo de a comercializar, mas sim para continuar a transmitir mensagens e, precisamente, para continuar a criar música nova, é acima de tudo o que me deixa com maior felicidade e com esperança num novo futuro musical.

domingo, 9 de setembro de 2018

Crepúsculo e Aurora (Poema)

I
O Sol foi eclipsado pela Lua
Onde era claro agora é escuro
Os pesadelos do mundo saíram à rua.

O horizonte foi toldado por um muro,
Árvores jamais sussurram histórias
Na mente dum subconsciente duro.

Na água não correm memórias
Nada vai desaguar ao lago
E todas as jornadas são inglórias.

II
Tudo se revela aparentemente vago
Como uma estátua há muito esquecida.
Olhai para este existencial estrago.

Entre as trevas procuro vida
Que reanime este morto mar,
Que permita a palavra ser lida.

Ao Espaço a minha vitalidade tenho que dar
Para a Luz eu voltar a receber,
Para pôr término ao nocturno azar.

III
Houve um brilho que pude ver,
Que atravessou o Tempo e o Espaço
E a tal palavra pude novamente ler.

As folhas uniram-se num laço
Que uniu as várias consciências
Numa união mais resistente que aço.

São estas as sagradas resistências
Que conduzem no rio as experiências
Que, quando desaguadas, são luminosas vivências.

 IV
A água não era mais obscura
E havia um sabor a esperança.
Lembrei-me finalmente que a Estrela endura,
Atravessando o céu há uma lança.

Alguém se ergueu na moribunda neblina
Como se na eterna Escuridão persistisse um farol.
Um lírio nasceu na deserta ravina
E a negra Lua foi eclipsada pelo Sol.


Este poema, que me requereu uma grande profundidade emocional, foi escrito no dia 9 de Setembro de 2018, baseado, quanto à sua estrutura, na Divina Comédia de Dante Alighieri.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Viagem nos Abismos Pensatórios (Poema)

O seguinte poema, publicado pela sua primeira vez, que nos fala dos contras da vida, da consciência, e da vontade de desapego do sistema da nossa sociedade, não é da autoria do autor deste blog. A autoria do seguinte poema é identificada, simplesmente, como - Um Feliz Vagabundo.

"Porque é que se procura a rotina
Enquanto se pode procurar prazer no natural?
Porquê acordar cedo
Se se pode reflectir no mundo imaginário sem degredo?

Porquê? Porquê? Porquê?
Tantas perguntas inquestionáveis
Tanta coisa por desvendar
Tantos abismos pensatórios que aqui vêm parar

Correr, correr, correr,
Boom, pum pum, pah pah
Confusão e discórdia
Numa irremediável profecia hominídea que não tem igual,
Uma corrida para apanhar o comboio do normal.
Mas se não o apanhar, o que poderá correr mal?

Inseminação da espécie,
Corrupção inevitável.
O deflagrar do rompimento que esqueci,
Para não viver no irremediável.

Ideais mundanos alterados
Involução escalar evidente.
São o proclamar dos pecados
Que o nosso espécime hoje consente.

Pisem-se uns aos outros
Atropelem-se pelo infinito
Acreditem no objectivo unitário
E continuem o caminho como se nada tivesse acontecido

A minha alma devota perpetua,
O que os meus olhos não vêem mas sentem,
O que os meus ouvidos não ouvem mas imaginam
Ao registar os devaneios dos que mentem.

Eternizo na escrita coisas que vi noutro mundo,
Situações transmitidas por asfixia,
Momentos que marcam a minha sina,
A minha alma está realmente perdida.

Sou invadido pelo desespero
Pelo simples e tão completo receio,
De dar um passo na direcção do enredo,
De cumprir a missão que dilacera a minha condição,
De me incorporar na sociedade destas gentes,
De fazer parte deste sistema deprimente.

Mas enfim, este resigna-se então à prisão de si próprio,
Ao erro da sua própria comunidade,
À falha que Deus não viu, ou fingiu não ver,
À natureza do seu próprio ser.
Esta é a peculiaridade do meu viver."


Este poema, escrito na linha psicadélica que separa o consciente e o subconsciente, foi produzido no dia 13 de Maio de 2018.

domingo, 2 de setembro de 2018

Festival do Crato 2018

Passou mais um ano de Crato, findou mais um evento que dinamiza e põe no mapa o distrito de Portalegre, chegou ao fim mais uma edição de um evento já nacionalmente memorável na região onde vivo. Em mim tenho um profundo sentimento misto perante a 34ª edição do Festival. Por um lado aproveitei dois dias de Crato - um musicalmente medíocre, outro com uma banda que eu queria genuinamente ouvir ao vivo -, estando com amigos, conversando, na diversão recreativa, bebendo uns copos, no fundo aquilo que se faz num festival. Relativamente ao concerto que eu muito aguardei, o dos Xutos & Pontapés, gostei muito do que ouvi. Não sendo um concerto monumental de Rock, não sendo um concerto tecnicamente genial, não estando mais Zé Pedro presente, foi um óptimo concerto de Rock, de uma das maiores bandas portuguesas da História. Elogio a persistência deles em tocarem temas menos comerciais, e desconhecidos, do público comum (como eu que não sou um fã aguerrido da banda), como Privacidade ou Aleppo, mesmo que o público em geral não tenha agarrado o significado ou as referências literárias da obra de Orwell, 1984, por detrás do Privacidade

Em suma, a exibição foi de enaltecer. Do resto que ouvi nada tenho a comentar porque não escutei na verdade, para meu bem, claro. Só tenho pena de não ter ouvido os Ugly Kid Joe no segundo dia, porque, segundo o que me foi dito, esta banda norte-americana também deu um excelente concerto de Rock N' Roll. A antítese deste sentimento misto que tenho em mim é o comportamento símio de certos espectadores do Festival e é o cartaz, evidentemente. Por um lado temos, maior parte do tempo, artistas que pouca música fazem, que se parecem muito uns com os outros, com qualidade musical ao vivo de envergonhar, e por outro lado temos elementos do público, essencialmente miúdos de 15 e 16 anos, que não têm qualquer ideia do que é um concerto de Rock N' Roll, e não sabendo o que fazerem, metem-se ao moches e aos empurrões, atrofiando a visão e atenção de quem está no recinto, admirando-se depois com certas posturas mais autoritárias e musculadas de quem próximo deles está. Mais caricato do que isto, foi-me dito que no espectáculo dos Wet Bed Gang houve moches na assistência. Mas esses Wet Bed Gang são uma banda de Heavy Metal e eu não sei? 

Enfim... Só numa pequena nota: alguém tem o intelecto suficiente para me explicar qual a razão de ser do cântico "esta merda é que é boa" ao ritmo do "Seven Nation Army" dos White Stripes? É um pleno insulto pela palavra merda, por ser usada de forma tão barata, e um maior desrespeito pelos White Stripes, para não falar que o Tim dos Xutos não sabia muito bem como reagir ao cântico... mas isto é só a opinião do Velho do Restelo... Assinalo que não me refiro à maior parte dos menores presentes, só uma parte, e sublinho que também houve comportamentos símios, naquele Festival, por parte de gente com a idade dos meus pais, cuja aura de humor era uma de arranjar o conflito mais gratuito possível. A verdade é que se esta malta tivesse vivido os anos 60 e a geração da Contracultura, dificilmente teriam ideia do que se estava a passar perante os seus olhos. 

Adiante, não pensem que na generalidade passei um mau bocado no Crato. Passei uns excelentes dois dias circundado com os melhores amigos que um indivíduo pode ter, vivendo uma filosofia de divertimento, liberdade e recreação dos sentidos, mas a verdade é que semelhante experiência pode ser muito melhor em locais musicalmente mais apelativos e publicamente mais propícios.