quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Para além de tudo mais, libertem Aung San Suu Kyi!

Desde a última vez que eu, autor deste blog, publiquei um texto neste espaço virtual, muita água já correu debaixo da ponte. Na sociedade nacional, Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito Presidente da República, derrotando adversários como o execrável André Ventura ou a minha candidata, Ana Gomes, e na sociedade internacional Joe Biden tomou posse como 46º Presidente dos Estados Unidos da América (sublinho que ele não era, de todo, um bom candidato), sucedendo a um autêntico inimigo da República Americana... e se dúvidas houvesse de que Donald Trump era, de facto, um perigo para a liberdade e a Democracia (que nos EUA é muito escassa, diga-se), que se olhe para o infame episódio principiado por rufias e terroristas, quando estes invadiram o Capitólio em Washington, impulsionados, a título moral, pelo anterior Presidente Trump. Muito mais aconteceu, claro. A República Portuguesa iniciou a sua presidência do Conselho da União Europeia – interesse isso o que interessar – e o coronavírus, surfando a proverbial onda mediática, continua a preencher o quotidiano dos cidadãos... e entretanto, apesar do contrário ter sido prometido pelo Governo, Portugal encontra-se novamente sob Estado de Excepção, apesar de este ser um pouco mais soft que o anterior. 

Todavia, apesar de isto tudo, e devido às óptimas mudanças que têm sucedido na minha vida nos últimos dois meses, nada disto me convidou a continuar a escrever textos no Pensatório. Confesso ao/à leitor/a que, no que concerne a vida económica e política da sociedade nacional e internacional, tenho sido assaltado por uma relativa saturação mental, o que, devo dizer, não é sinónimo de desatenção ou desinteresse. Em suma, no que diz respeito à vocalização das minhas opiniões, visões e análises, senti-me com vontade de recolher-me, fechar-me em copas, fazer um pouco de blackout. Contudo, a verdade é que aqui estou eu, novamente, escrevendo para quem lhe der na gana de me ler. E porquê? Porque só consigo guardar silêncio público da ininterrupta sucessão de acontecimento até certo ponto. Uma vez superada uma qualquer abstracta linha que nem eu próprio sei ao certo qual é, tenho de retornar. E essa linha, quanto a mim, foi quebrada no dia 1 de Fevereiro. 

Foi há três dias que, na República do Myanmar (para quem ainda estiver um pouco atrás no tempo histórico isto é a antiga Birmânia), foi executado um detestável golpe de estado pelas chefias militares da nação birmanesa, depondo os órgãos políticos democraticamente dirigidos e detendo Aung San Suu Kyi, até então Ministra dos Negócios Estrangeiros e Conselheira do Estado (o órgão de chefia do Governo Birmanês). Aung Suu Kyi é, quanto a mim, uma das mais positivas figuras políticas vivas e uma dos mais importantes líderes políticos da última década. Foi ela quem liderou o movimento de libertação do povo birmanês no final do último século, tendo sido galardoada com o Prémio Nobel da Paz, e foi ela quem dirigiu a restruturação democrática do Myanmar, enquanto líder da Liga Nacional da Democracia, impulsionando uma transformação no modelo económico da nação para um estádio de Social-Democracia. «Uma nota sobre este ponto: pela milésima vez, não confundam isto com o PSD, pois esse partido há quase 40 anos que renunciou aos ideias social-democratas, e se estiverem à procura de um exemplo de um movimento político verdadeiramente social-democrata, leiam sobre o Partido Social Democrata da Suíça, também conhecido como Partido Socialista Suíço devido ao facto de ainda manter a ‘ortodoxia’ da Social-Democracia clássica bem vinculada na Esquerda Política.» 

Há dois principais aspectos que a mim me interessam e preocupam gravemente nesta conjuntura: um é a detenção de Aung Suu Kyi, outro são as motivações do golpe e as respectivas forças por detrás do golpe. Aung Suu Kyi, já há alguns anos, tem sido alvo de uma sanha persecutória por parte dos Media internacionais e por parte de muitas agências analíticas por esse mundo fora. O sucesso de Aung em manter a estabilidade do Myanmar, sem comprometer a ancestral cultura espiritual budista, fazendo campanha por muitas causas de liberdade, no campo dos Direitos Humanos (muitos dos quais, nomeadamente direitos LGBTQ+, ainda não conheceram concretização devido a um Conservadorismo ainda presente na sociedade birmanesa), tem frustrado interesses económicos colossais e aspirações de domínio islâmico na nação birmanesa. Só no ano passado, chegou-se a considerar a desvinculação de Aung do Prémio Nobel da Paz devido a uma suposta perseguição estatal a uma minoria islâmica. Tal perseguição nunca chegou a existir, e se existem reservas, por parte da maioria budista da população birmanesa, relativamente à comunidade rohingya, tal deve-se ao histórico de terrorismo cultural que a fé islâmica já levou a cabo contra o Budismo na Ásia Oriental. Em todo caso, os relatórios de genocídio são falsos – e sei muito bem que esta é uma afirmação de grande severidade – e, até ao dia 1 deste mês, o Myanmar era um exemplo de república democrática na Ásia. 

Quanto ao Coupe d’Etat propriamente dito, partindo de chefias militares claramente descontentes com o progresso democrático da nação birmanesa, este é um sintoma da ascensão generalizada dos Autoritarismos a nível global, e é um resultado das aspirações imperialistas da China no território asiático, dando espaço à violência e à desordem numa nação que, até então, fazia um caminho deveras promissor rumo ao Progresso. Se existem, também, interesses maiores de grandes poderes islâmicos associados a este fenómeno político, eu não sei dizer. Se houvesse, eu não ficaria surpreendido. Entretanto, a Administração Biden, felizmente, declara o sucedido como um golpe militar e o povo birmanês não conserva silêncio ante esta atrocidade política. 

Quanto ao Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que, no meio deste turbilhão, nada melhor teve para dizer que sublinhar uma proximidade pretérita entre Aung Suu Kyi e as Forças Armadas, uma resposta proporcional a tão provocadora afirmação seria: “Acha que a República do Myanmar poderia assegurar a sua soberania, com o Imperialismo Chinês à sua porta, sem apostar em Forças Armadas robustas? Já agora porque não dá também legitimidade às ridículas acusações formais de que Aung foi alvo, pelo Exército, aquando da sua detenção?” 

O povo birmanês não ficará calado. Os democratas e progressistas deste mundo também não guardarão silêncio perante este ultraje. A palavra de ordem que, de momento, deve imperar na voz colectiva que ambiciona liberdade para o Mundo, será aquela que clama pela libertação de Aung Suu Kyi e pela reposição duma República democrática no Myanmar, tão vilmente refreada por uma Estratocracia congeminada por um punhado de militares corruptos pela fome de poder e domínio. Libertem Aung San Suu Kyi! Libertem o Myanmar! Muita será a gente que estará disposta a dar a vida por esta causa, inclusive a própria Aung!