terça-feira, 28 de agosto de 2018

Sobre o Legado de McCain e a Revelação de Francisco

Costuma ser com a morte que o indivíduo encontra adoração por parte de todos, adoração essa que por vezes é muito hipócrita. John McCain é esse indivíduo neste momento. O Senador McCain nunca me iludiu nem me surpreendeu alguma vez. Foi sempre o típico americano conservador e militarista, sempre visto pelos media como tal, pelo menos até ao seu falecimento. Apesar do aligeiramento das suas posições nos últimos anos, tal não apaga o historial de posições autoritárias e anti-democráticas, tomadas ao longo da sua vida política, que teve início (numa forma mais séria) em 1987 aquando da sua eleição para o Senado, pelo Partido Republicano. Sinteticamente, alguns excelentes exemplos da política conservadora e militarista de McCain são, respectivamente, as suas acções legislativas impregnadas de uma homofobia avassaladora, entre elas a defesa da Proposição 8 da California, ou outros decretos relacionados, no seu Estado do Arizona, cujas bases são a proibição de uniões ou casamentos entre pessoas do mesmo sexo. 

McCain foi também, embora tenha reconhecido o seu erro mais tarde, um acérrimo opositor ao feriado nacional em homenagem a Martin Luther King. McCain procurou pôr sempre a sua religião cristã por cima de outras religiões, ou ausências de religiões. Para terminar esta salva de factos esquecidos pela comunicação social no meio de tantos elogios e crónicas sobre o Senador McCain, este foi um político influente que, a cavalo do Partido Republicano e do seu então Presidente Bush Jr., apoiou a invasão do Iraque e outras operações militares de igual nível agressivo, desnecessário e oportunista. No fundo, McCain foi um autêntico político de amizades profundas com lobistas financeiros, e desde quando é que nós demonstramos tamanha simpatia por alguém assim? Quanto à história do herói de guerra, trata-se do retroceder das inúmeras conclusões que temos atingido nos últimos anos. Trata-se duma falta de respeito perante os acontecimentos do Vietname, se bem que, neste caso, a culpa não será de McCain. Este não era mais do que um soldado a cumprir ordens dum poder maior que fazia avançar os jovens filhos da América contra a frente vietnamita, alegando que tudo se tratava da defesa do Cristianismo perante a ameaça comunista. 

Será preciso dizer mais? As pessoas devem ser lembradas por aquilo que foram, e assim quero que seja comigo no dia em que eu falecer, e evidentemente que tudo isto escrito em cima seria desnecessário, todavia, quando a comunicação social não faz o trabalho que lhe compete, quando a totalidade dos factos não é relatada, acredito que deve haver sempre vozes para preencher essa lacuna que amiúde surge neste género de obituários, e, por exemplo, a minha intuição diz-me que o mesmo terá de ser feito no dia em que falecer o Professor Cavaco Silva.

Mudando de assunto, e porque os últimos dias têm sido deveras propícios ao debate, o Papa da Igreja Católica, Francisco I, deu um murro no estômago de muitas pessoas, entre as quais eu, no decorrer da conferência de imprensa que deu no seu avião, após a sua visita à República da Irlanda. Sucede que, para aqueles que têm estado distraídos, quando o Papa foi interrogado por um jornalista sobre o conselho que daria aos pais de uma criança que revelasse homossexualidade, a resposta do Papa foi que dialogassem, rezassem e que procurassem ajuda junto dum psiquiatra. Depois da homossexualidade ter sido desmistificada como uma simples orientação sexual e não como uma anomalia psicológica. Depois da OMS, em 1992, ter retirado a homossexualidade da lista de doenças mentais, este Papa, supostamente bem mais progressista que os restantes, solta um disparate deste tamanho. Fico com um sentimento de genuína tristeza. Depois de tanto ter elogiado, depois de ter, inclusive, admirado a certo ponto este líder religioso, há sempre nódoas a serem feitas, e de que forma. Pode ser que assim as frentes manifestantes que defendem os direitos dos não-heterossexuais compreendam que não encontrarão exemplar consolo ou apoio na Igreja Católica, porque por lá a mentalidade ainda não mudou.

domingo, 26 de agosto de 2018

O Risco da exibição dos Carrões Topo de Gama

Abordando o tema da segurança e da prevenção de gente louca cometer atentados terroristas, na marina de Vilamoura, pude constatar algo que me deixou perplexo e ligeiramente preocupado. Algo que pode comprometer a segurança de inúmeros cidadãos portugueses e transeuntes estrangeiros que por aquela marina circulam todos os dias, com maior incidência sobre a época do Verão. Acontece que, após tantos atentados observados onde são investidos veículos contra uma enorme coluna de pessoas, manobra genocida esta executada, essencialmente, em vias apertadas, onde as pessoas estão juntas e quase sem escapatória, continuamos a insistir que sejam permitidos os carrões topo de gama estacionarem na marina, e da marina saírem quando bem entendem, com a marina deserta ou saturada de gente. 

Pois, eu proponho que o leitor deste texto visualize o seguinte cenário catastrofista, mas em todo o caso possível: há um louco, residente ou não em Portugal, que pela graça de um deus, ou nenhum, a mando de algo, alguém ou ninguém, decide que é necessário matar um conjunto de seres humanos, ocidentais ou não, e engendra o seguinte plano demoníaco (e não me acusem de estar a dar ideias) que consiste em alugar um apartamento no Hotel Tivoli e estacionar o seu automóvel na marina - pode porque no Hotel está a residir - e certa noite, às 23h, em Agosto, quando o fluxo de pessoas em certas zonas da marina é quase insuportável, investe a alta velocidade o automóvel contra uma coluna de pessoas... Confie o leitor, eu acabei de vir de Vilamoura e a taxa de casualidades rondaria, pelo menos, umas dezenas de pessoas, sendo o espaço apertado com aquela quantidade de gente a cirandar. Posto isto, estando este, alguns diriam "alarme incendiário" trazido à mesa, eu termino com duas questões, e quem quiser responder que se sinta à vontade (com o nome identificado de preferência): É assim tão absurdo o que acabei de propor? Não será necessário tornar mais segura a circulação de massas em espaços mais apertados, num tempo em que o terrorismo, especialmente islâmico, vive o seu auge logístico?

terça-feira, 21 de agosto de 2018

A Web Summit é organizada por fascistas?

Falando um pouco sobre liberdade de expressão, no momento actual, é possível tomar a Web Summit como caso de estudo. Na Web Summit, o evento internacional dedicado à tecnologia de ponta, e que  tem sido realizado em Lisboa nos últimos anos - cimeira esta cujo objectivo é apresentar uns quantos projectos e daí tentar fazer uns quantos negócios - são convidadas imensas personalidades, não só ligadas ao ramo da tecnologia como também a outras áreas de relevo, como a economia e a política. Para a cimeira do próximo ano, que continuará a ter lugar em Lisboa, a organização decidiu convidar a antiga candidata à presidência da República Francesa, Marine Le Pen. Em síntese, surgiram críticas alegando a insustentabilidade das ideologias nacionalistas da senhora perante a cimeira, e a organização decidiu desfazer o convite a Marine Le Pen, ficando esta em águas de bacalhau.

Ainda relativamente à liberdade de expressão, o que é possível retirar daqui? A primeira questão é interrogarmo-nos sobre a natureza ideológica de Marine Le Pen, e averiguarmos se a senhora é defensora de genocídios em massa em protecção de uma qualquer raça (ou outra coisa qualquer). Não é, pelo menos nunca verbalizou tal coisa. Tem convicções nacionalistas que roçam na xenofobia, no racismo e noutras coisas feias? Têm um sistema de raciocínio que em muitos aspectos se aproxima do fascismo? Estas duas últimas inquirições, pelo menos no meu ponto de vista, são verdadeiras, e digo desde já, indesejáveis para um mundo civilizado. Mas apesar das ideologias neo-fascistas de Marine Le Pen, nada justifica a sua censura dos fóruns sociais, porque liberdade de expressão não é censura e opressão. Uma coisa em que eu penso é: se a Web Summit achou por bem a falta de chá em desconvidar a senhora com base nas suas ideologias, após estar sobre pressão de inúmeros quadrantes sociais e políticos, porque é que a convidou em primeiro lugar? Não saberiam que a senhora Le Pen era uma simpatizante fascista? Claro que sabiam, logo acharam por bem convidá-la. Estando uma pessoa convidada, e depois ser despachada porque há alegações quanto à perigosidade das suas ideologias, e nada mais, sem nada mais ser esclarecido, é uma atitude contra a liberdade de expressão, é um acto de censura, e em nada é diferente das atitudes dos totalitaristas. É similar à situação do professor Nogueira Pinto na FCSH, há dois anos, para ser franco, e quem não conhecer ou não se lembrar da história, retroceda dois anos nas notícias.

Se desejamos combater o fascismo, nunca o faremos censurando e oprimindo os xenófobos, os homofóbicos ou os racistas. Combate-se o fascismo trazendo essas pessoas aos fóruns de debate, argumentando e inundando essas pessoas de factos e bom senso, e convencendo-as de que a liberdade é o bem mais precioso do ser humano. A verdade é que esses grandes liberais que são os organizadores da Web Summit, e as eminências pardas que fizeram o lobby de expulsão, não são eficazes, nem dignos, nem minimamente corajosos defensores da liberdade e da democracia, porque se o fossem, Marine Le Pen permaneceria convidada, apareceria na Web Summit 2019, e esses grandes moralistas confrontá-la-iam no local, debateriam com ela. Agindo assim, expulsando-a, nada mais somos do que "mais um tijolo no muro" que os Donald Trumps (e afins bem piores) querem construir. Portanto, não acredito que a Web Summit seja organizada por fascistas, mas agindo assim, são os fascistas os vitimados e somos nós os antagonistas.

domingo, 19 de agosto de 2018

Vígaros da Aviação Comercial

Na actualidade, um dos casos mais gritantes, incompreensíveis e descarados de violação do direito laboral, e por conseguinte de direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é a relação existente entre, os dirigentes patronais da empresa privada de aviação comercial, a Ryanair, e os seus respectivos trabalhadores assalariados que exercem o ofício de comissários de bordo (os hospedeiros de avião, portanto).

Em pleno século XXI, na Europa Ocidental, os comissários de bordo da Ryanair possuem escassas garantias laborais, são coagidos e chantageados pelos seus patrões no caso de participarem numa greve, são pressionados e ameaçados se protestarem contra o facto de cumprirem horas extraordinárias não remuneradas. No pináculo do ridículo deste circo, há comissários de bordo da Ryanair que são ameaçados com despedimento se não venderem um determinado número de comodidades apresentadas aos viajantes, no avião. Será que a estes patrões da Ryanair, estas hienas sedentas de lucro através de qualquer meio, não lhes ocorreu que o ofício laboral dum comissário de bordo é assegurar a confortabilidade e a segurança dos viajantes, e não é vender produtos de estética facial ou paninis? A verdade é que, segundo os regulamentos outlaw desta companhia, qualquer trabalhador da Ryanair pode ser despedido se não respeitar os caprichos dos seus dirigentes, pode ser despedido se erguer o mais leve laivo de descontentamento face às suas condições de trabalho... pois é, de facto o despedimento sem justa causa ainda reina neste género de companhias. São como micro-estados dentro de Estados, sem terem a obrigação de cumprir preceitos constitucionais ou Direitos Humanos Universais. É uma nova etapa do capitalismo: até aqui o capitalismo era a própria estrutura do Estado político, era a própria estrutura a promulgar o sistema, contido dentro da própria Lei, mas cada vez mais o Estado é frágil e minúsculo nesta nossa civilização, e as empresas privadas deixam de ter a obrigação de cumprir a Lei, passando a funcionar num panorama fora-de-lei à plena luz do dia... em tom teatral, podemos chamar a isto outlaw capitalism, para não lhe chamarmos anarco-capitalismo.

E, para além destes crimes, o que me provoca mais raiva é o meu próprio irmão estar sobre a alçada destes lobos, lobos estes que só conseguem manter os seus preços baratos precisamente porque exploram os seus trabalhadores... mas para quê surpresas? O Neo-liberalismo funciona mesmo assim, mas lá está, o cidadão comum acha isto muito bem, o cidadão comum não quer saber. Só garanto uma coisa, a vós patrões da Ryanair, que não só exploram milhares dos vossos trabalhadores como exploram o meu próprio irmão: se tiver o desconforto de me cruzar com um de vocês, seja porque razão for, se um de vós, por um mero acaso, me dirigir a palavra, não esperem a minha simpatia nem esperem a minha gentileza, nem esperem a demonstração mínima de respeito, aliás, não esperem o mínimo de civismo moral vulgar. Vígaros como vocês deviam estar a prestar contas ao Tribunal Internacional, em Haia.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Poema dos Cinco Elementos

A Água sente-se numa calmaria
A qual eu atravesso,
Em mim transmite pensamentos
De uma grande euforia
E letargia em excesso.
Água dá transcendentes momentos.

O Fogo confunde-se com Inferno
Para mal dos nossos pecados.
Força com um só rival
E que aterroriza o nosso consciente interno.
Seu poder desfaz a alma em bocados,
Mas é carregado de um estado sentimental.

O Vento traz a preciosa mudança
E a mudança trás novos ventos.
Força que varre o espaço
Sendo a desordem a única cobrança
E os desamparados são aos centos.
Quanto mais o Vento, menos o meu sentimento é escasso.

O Relâmpago é cruel,
Carrega a morte na sua aparição
E o terror no seu espectáculo.
Mas um espectáculo fiel
Que me carrega de uma bela fantástica emoção.
Relâmpago desce, beleza no céu, destruidor tentáculo.

A Terra alimenta a vida
E reorganiza a máquina do Mundo.
O solo onde eu caminho
Para futuro, sem saída,
Do sistema, Terra é o fundo.
Nesta Terra ninguém está sozinho.

Os Cinco Elementos
Todos em sincronia e andamento.
Os alicerces que sustêm a realidade
São eles toda a verdade
Sem sagrada divindade
Sem omni-entidade;
Apenas uma única esfera.
É a hora, o momento…
Quem me dera
Ter o poder dos Cinco Elementos…
Tenho em mim o Primeiro Elemento


Escrito no dia 8 de Setembro de 2017

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Orgulho próprio ou Ego desmedido?

Este blog nunca será, somente, uma compilação de opiniões e reflexões que eu escreverei sobre os diversos assuntos que são do meu interesse, é também um pensatório de coisas mais simples relacionadas comigo e com o que eu observo na minha vida.

O que sinto neste momento é que há pessoas que, por melhores e fantásticas que sejam, não possuem a subtileza e a sensibilidade bastante para compreenderem o estado de espírito de outra, sobretudo quando esse estado não se encontra nos melhores momentos. Nem que esse mau estado de espírito lhes passasse por cima em formato de camião, eles o atingiriam, o sentiriam. O indivíduo do nosso meio esqueceu-se de perguntar ao seu próximo se se encontra bem, se se encontra mal, se algo o perturba. O indivíduo do nosso meio perdeu a condescendência solidária para com o seu próximo, perdeu a compreensão emocional pelo seu próximo. Antes destas virtudes, esquecidas pelo homo sapiens dos nossos dias, a criatura antes prefere dar umas gargalhadas à custa do seu próximo, inquirir um pouco, criticar e julgar acções mais um tanto, e no fim dar mais umas quantas gargalhadas, mesmo pensado e dizendo que assim está a ajudar de alguma forma. Enfim, antes de tudo, o homo sapiens dos nossos dias vendeu a compreensão e os laços unitários pelo orgulho e pelo disparate idiota do "sair por cima". Eu posso não saber uma colina de coisas, mas desta pelo menos tenho a certeza: podemos sair por cima num jogo de poker ou num jogo de football, podemos sair por cima em eleições ou numa corrida, mas em relações humanas ninguém sai por cima, quer haja sínteses más ou boas. Por mais trágico e melancólico que isto possa parecer, hoje até o amor é vendido por esta forma de orgulho fanfarrão a que chamam amor próprio... é realmente preciso um ego luar para se interiorizar isto, talvez é por isso que hoje em dia as relações humanas são em função de interesses e não de afinidades emocionais.

Será que eu pertenço a esse grupo de homo sapiens? Eu adorava não pertencer. Talvez o facto de já ter consciência disto significa alguma coisa. Eu vivo os meus dias próximo das pessoas que significam alguma coisa para mim, tentando só julgar alguém quando o carácter dessa pessoa está posto em causa - e algo assim, para mim, só acontece quando uma pessoa interfere com a liberdade de outra -, tentando ser o mais condescendente e emocionalmente solidário possível, não sendo muito juiz de acções individuais, tentando compreender o motivo pelo qual alguém faz o que faz ou diz o que diz. Consigo concretizar nisto? Nisto me esforço todos os dias, pelo menos...

domingo, 12 de agosto de 2018

Swan Songs em Negro

Para mim, na música, sem querer soar muito redutor, há dois tipos de bons músicos e artistas: aqueles que produziram excelentes álbuns no auge da sua carreira, mas que, devido ao processo definhador da sua criatividade musical, não produzem nada mais relevante ou extraordinariamente marcante na fase final da carreira; e existem aqueles que têm uma fase áurea na sua carreira onde produzem a música mais marcante, abrandam na sua criatividade musical numa fase final, mas, antes de falecerem, deixam uma última e inesperada obra de arte para nós - uma swan song, portanto.

Quatro exemplos deste génio musical inigualável (entre outros que eu conheço e desconheço) são o Jim Morrison, enquanto cantautor dos Doors, o Johnny Cash, o David Bowie e o Leonard Cohen. Uma extraordinária e emocionalmente espessa swan song é o que estes quatro ícones têm em comum, para além do facto, escusado será dizer, que nenhum deles infelizmente é clinicamente vivo.

Cohen, em plena consciência da sua mortalidade iminente, lançou no ano 2016, semanas antes da sua morte aos 82 anos, um derradeiro álbum intitulado You Want it Darker. É uma obra que mistura Blues, Gospel e Soft Rock numa única melodia, abordando temáticas como a morte, a fé religiosa e a vida no seu estádio término. De entre as várias faixas que compõem You Want it Darker, todas elas compostas por uma letra rica, poesia da autoria do próprio Leonard Cohen, e como só ele poderia entregar, as minhas faixas favoritas são o Treaty, o Leaving The Table e a faixa homónima do álbum. Ouvindo este álbum, podemos de facto sentir através da poesia e da música, o que um homem como o Leonard Cohen estava a atravessar, sabendo que a sua última expiração estava para breve. Este álbum, longe dum fiasco, foi a mais justa swan song que Cohen podia ter, ao ponto de ser o meu álbum favorito da discografia do Leonard Cohen, a par com o New Skin for The Old Ceremony (1973). 

Bowie, à semelhança de Cohen, estava plenamente ciente da sua mortalidade, de tal forma que padecia dum cancro terminal aos 69 anos, embora a sua condição clínica estivesse desconhecida do público, o que fez da sua morte um evento abrupto e duro para milhões de fãs em todo o mundo. A swan song do David Bowie foi um êxito comercial e criticamente aclamada nos simples dois dias que separaram o lançamento de Blackstar (assim é o nome do álbum) e a morte de David Bowie. Blackstar é um álbum musicalmente complexo, num tom bastante negro. É aquilo a que podemos utilizar a expressão "primeiro estranha-se, depois entranha-se". Foi, num registo temático, a forma que Bowie encontrou para dizer ao mundo que a sua vida estava a chegar ao fim, tornando o álbum numa reflexão da sua vida. O género musical do álbum pode ser definido como Experimental Rock, com traços de Blues, Jazz e Hip-Hop, o que torna o álbum muito característico e singular, como se pertencesse ao seu próprio estilo, possuindo duas faixas altamente psicodélicas, intituladas Blackstar e Lazarus, cada uma delas num ambiente bastante surrealista, quase macabro. 

Cash, embora tivesse mais dois álbuns a serem lançados (e eventualmente seriam lançados após a sua morte), teve o American IV: The Man Comes Around como a sua swan song, lançado em 2002, meses antes da sua morte em 2003. Foi o quarto álbum do renascimento de carreira de Cash - uma fase mais negra e nublada da vida do Man in Black -, e este álbum, à semelhança dos restantes cinco da mesma série de álbuns, foi, na maioria das faixas, uma compilação de covers que Johnny ousadamente fez de outros clássicos, e dão-nos uma perspectiva mais negra e sinistra de Cash, defrontado com a ideia de finalidade. O American IV, num género em que se mistura Country e Gospel num tom obscuro, tem três faixas de destaque em todo o álbum: o The Man Comes Around, obra original de Cash, repleto de referências bíblicas; o Personal Jesus, cover do original dos Depeche Mode numa versão melhorada, quanto a mim; e o Hurt, cover do original dos NIN (Nine Inch Nails) de tal forma sentida e genial, que os NIN admitiram que o Hurt era a partir desse dia uma música do Johnny Cash.

Morrison, embora não fosse de suspeitar que falecesse tão prematuramente, era alguém para quem a morte era uma constante presença e uma libertação. Terá sido, talvez, por isso que levou a sua vida numa rapidez e numa turbulência tal, para mais próximo estar da sua libertação. A sua swan song foi o sexto álbum da banda The Doors, intitulado L.A. Woman, um álbum que mistura o Rock N' Roll clássico e o Psychadelic Rock, lançado em 1971, três meses antes da sua morte em Paris, aos 27 anos. Apesar do caminho destrutivo em que Jim Morrison tinha entrado e do disfuncionamento reinante nos Doors, o L.A. Woman foi um autêntico êxito. Embora não esteja entre os meus favoritos dos Doors, este álbum contém duas faixas absolutamente geniais: o Love Her Madly e, especialmente, a definitiva swan song de Jim Morrison, o Riders on the Storm - a última música que Morrison gravou, fechando o pano de forma épica, num dos maiores hinos do século XX.

Todavia negros, taciturnos, emocionalmente pesados estes quatro álbuns, eles são o último beijo que estes quatro ícones deixaram no mundo. São o canto de cisne épico e realista destes quatro astros da música, que muito conscientes estavam da sua mortalidade iminente, e que, através das últimas músicas fantásticas que produziram, disseram ao mundo as suas mais profundas reflexões e os seus mais tristes sentimentos face à morte. Perante a morte, a arte também pode ser isto.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

A Segunda Vinda do Hard Rock

Nas alturas em que meto - com alguma razão, devo confessar - a minha áurea de Velho do Restelo, costumo barafustar que a boa música está a perder visibilidade perante os novos estilos, próprios da minha geração, que passam nas rádios e nas discotecas, e que o Rock N' Roll está moribundo. Confesso que por vezes também sou um pouco injusto com o que digo. É verdade que os instrumentos musicais, as letras poéticas e socialmente activas, e as melodias complexas e ricas desapareceram do panorama mainstream da indústria musical, mais ou menos no florescer do actual século, estando agora este espaço privilegiado, fornecido pelas rádios, televisões e muitas discotecas, destinado aos sons artificiais gerados por uns computadores e à Pop Music do século XXI, desprovida de qualquer responsabilidade política ou social. Realidade actual que, aliás, foi prevista há décadas por ícones musicais e grandes pensadores como Frank Zappa e Jim Morrisson. Mas o presente, musicalmente, não é assim tão negro, e diria até que nem é muito mau. O surgir da banda jovem de Hard Rock/Blues Rock no ano passado, os Greta Van Fleet, abriu-me os olhos para o facto de que ainda surge excelente música no presente século. Podia falar aqui de grandes grupos que continuam a fazer e a produzir do melhor que o Rock tem para oferecer, como os Avenged Sevenfold ou os Last Shadow Puppets, mas neste caso quero falar especificamente dos Greta Van Fleet.

A banda norte-americana lançou o seu primeiro EP (um mini-álbum, digamos) no ano passado, From The Fires, e é formada por três irmãos - o vocalista Josh Kiszka, o guitarrista Jake Kiszka e o baixista/pianista Sam Kiszka - mais o actual baterista Danny Wagner. Eu ouvi pela primeira vez uma música desta banda no início deste Verão, e a minha automática reacção foi perguntar ao meu amigo Henrique Raposo (tinha sido ele que tinha metido a música Highway Tune) que música dos Led Zeppelin era essa, porque eu estranhamente não conhecia. Sabia (julgava eu) que era Led Zeppelin, só não sabia que faixa e de que álbum se tratava. O Henrique Raposo fez questão de me informar que não era Zeppelin, e que era uma banda que nem se quer tinha um ano de idade e que se chamava Greta Van Fleet. Eu fiquei incrédulo! De facto será a primeira reacção de quem conhece Zeppelin quando vai ouvir pela primeira vez os Greta. Já houve quem os tenha chamado de plagiadores ou imitadores. A verdade é que, apesar de terem frases de guitarra muito similares às do Jimmy Page no que diz respeito ao estilo, e do vocalista Josh ter um estilo vocal assustadoramente parecidíssimo com o de Robert Plant, e de terem todo um estilo e groove que só lembra os Blues e o Hard Rock dos anos 70, eles são autenticamente originais. O facto de terem inspiração no Howlin' Wolf e nos Led Zeppelin não os torna plagiadores, da mesma forma que o David Bowie se inspirou no Syd Barrett para lançar a sua carreira. O Rock melódico e poderoso com letras nostálgicas e poéticas: é isso que são os Greta. Não posso pedir mais que isto.

Não é comum encontrarmos artistas tão promissores como eles, e com uma jovem amplitude etária dos 18 aos 22 anos. Não são só um quarteto de rapazes atraentes, com uma excelente imagem que os vende, são muito mais que isso. São autênticos músicos, daqueles excelentes, com o potencial de fazerem rejuvenescer o Rock. Para finalizar, das minhas recomendações específicas para audição, sugiro aquilo que está a ser um grande êxito internacional, o Highway Tune, e especialmente as músicas Edge of Darkness e Black Smoke Rising. Por outro lado, quem estiver interessado em ouvir algo que seja uma autêntica fusão Greta Zeppelin, até a própria cabeça ficar baralhada, perguntando-se como é que tal é possível, recomendo Safari Song. E desengane-se quem pensar que eu perco esperança no futuro do Rock N' Roll. Com estes jovens da minha idade não é possível. Só fico ansioso, esperando que mais jams se seguirão para os Greta Van Fleet.