domingo, 6 de agosto de 2023

A Igreja Católica e o seu Festival de Verão

O que escrevi há cinco meses:

Durante uma semana, no Verão do presente ano, terá lugar na República Portuguesa um evento com uma estrondosa potencialidade de ridículo. Um evento que expõe na luz do dia a elementar megalomania que assombra as consciências das lideranças da Igreja Católica. É também um evento que vem confirmar que as religiões ainda têm muita força, que o Cristianismo ainda tem muita força, e que o Catolicismo em particular ainda tem uma capacidade de influência surpreendente. Pela parte que me toca, nada disto são boas notícias, evidentemente. O nome da efeméride é Jornada Mundial da Juventude (World Youth Day, em inglês, Dies Iuvenum Totius Orbis, em latim), uma aglomeração de milhões de jovens fiéis católicos (também lhes chamam peregrinos, ainda que muitos destes sejam peregrinos voadores, pois viajarão para cá de avião) numa única cidade com o único intuito de se juntarem, escutarem homilias enfadonhas e rezarem. Lisboa será a cidade vitimada este ano, todavia, segundo consta, haverá peregrinações a outros pontos do país, nomeadamente Fátima (obviamente). 


O que me levou a dedicar um texto a esta Jornada Mundial da Juventude - à parte, claro, das polémicas que têm surgido em torno dos dinheiros à volta do evento - foi a própria natureza demográfica da coisa e o facto de ter lugar na minha nação republicana. A grandes e pequenos eventos religiosos (concentremo-nos na Igreja Católica) estou habituado: romarias, procissões, missas, peregrinações. O Santuário de Fátima, por exemplo, é um gerador contínuo e ininterrupto de religiosidade… e receitas financeiras. Mas nesta multitude de eventos religiosos, grosso modo, a demografia presente está nas faixas etárias mais envelhecidas, e com isso eu consigo lidar. Todavia, a JMJ distingue-se da regularidade dos eventos católicos na medida em que, neste evento específico, é a gente nova que detém protagonismo, e gente nova, portanto, que se afirma católica. Quanto aos gastos envolvidos, que chegarão também à bolsa do Estado, uns tantos enervam-se com o facto de haver pessoas a demonstrarem preocupação com isso. Afirma Joana Petiz, no Diário de Notícias, num texto assinado no dia 5 de Fevereiro: «E, no entanto, em vez de nos alegrarmos e puxarmos por um momento que pode verdadeiramente empurrar Portugal para a frente e para cima, concentramo-nos na mesquinhez das contas de mercearia, debatemo-nos na espuma da cada vez mais vazia e suja luta política. (...) O orgulho nacional foi substituído pelo desprezo nacional, o autoelogio pela automaledicência. É triste. E impede-nos de lutar pelo país que devíamos estar a construir e a anunciar ao mundo. O que queremos deixar aos nossos filhos.» Orgulho nacional e contas de mercearia. Para quem tenha ficado atordoado com a citação, passo a clarificar: quando Joana Petiz escreve sobre orgulho nacional, refere-se ao orgulho que é Portugal acolher um evento internacional católico, omitindo, claro, a escassez de orgulho que a Igreja Católica inspirou no passado e no presente (a pedofilia clerical está na ordem do dia) e esquecendo que o orgulho é um dos sete pecados capitais da fé cristã, mas sobre isso ela saberá muito pouco ou nada; quando Joana Petiz escreve sobre hipotéticos milhões de euros a serem queimados neste festival, refere-se a tal como contas de mercearia. A Joana Petiz deve estar cheia de dinheiro para milhões lhe equivalerem a «contas de mercearia». Na cúpula de tudo isto, Joana Petiz demonstra não compreender aquilo que discute - um evento internacional católico, no âmago da sua razão de ser e dentro daquilo que são as lógicas da universalidade da Igreja Católica (afinal, católico é um termo sinónimo de universal), não serve para engrandecer o estatuto daquele país ou daqueloutra cidade. Enquanto Igreja que é transnacional e pluricontinental, os eventos internacionais da fé cristã católica são fenómenos que servem somente para engrandecer a Igreja, Jesus Cristo e o deus que veneram. Isto sei eu que não sou católico nem cristão, ao contrário da Joana Petiz. Para quem achou excessivo o estilo da contra-argumentação que eu lancei à postura desta cronista, eu peço a devida licença e sublinho que já há bastante tempo que a tinha atravessada.


Cinco meses volvidos:


Os dois primeiros parágrafos deste texto foram escritos há cinco meses. Nos últimos cinco meses esperei para ver o que acontecia e de que forma a concretização da realidade coincidia com a mensagem que eu procurava transmitir. Procurava ir digerindo a sucessão de acontecimentos e apalpar a ambiência societal que nos circunda. Agora escrevo durante a realização da JMJ e a realidade aí se afigura tão irónica mas também tão desgraçada. Temos aí o ridículo e temos aí a hipocrisia. Peguem no comando da televisão e metam na transmissão de um qualquer noticiário, e verifiquem se observam o mesmo que eu. Tentem ver muito para lá do Papa Francisco e da sua recta postura institucional e humanitária. Um aspecto em que me equivoquei, quando escrevi os dois primeiros parágrafos há cinco meses, foi que os jovens católicos vinham no «intuito de se juntarem, escutarem homilias enfadonhas e rezarem.» Afinal o intuito não era só esse. Aliás, em retrospectiva, as rezas e as missas são uma parte menor de todo o festival. Em paralelo com os espectáculos de 'música' electrónica, produzidos pelos DJ (pelo menos um deles é padre), onde jovens e magotes de freiras pulam e dançam, em paralelo, também, com as participações e depoimentos de bispos e políticos em uníssono, a JMJ está a ser um evento catalisador de desordem pública e comportamentos ridículos. Que seja vista a forma como quadrilhas inteiras de juventude católica se tem comportado não só dentro dos comboios metropolitanos de Lisboa - fazendo barulho sem fim e executando números que tiram a paz e o sossego a quem quer ter uma simples viagem de metro (no Japão, por exemplo, aquelas macacadas não seriam toleradas) - e também aquando da transposição das barreiras do metro, como nos têm mostrado vídeos que foram gravados a documentar estes comportamentos para registo histórico. Como nos mostra um vídeo, filas paralelas destas pessoas furam pelas barreiras, sem passarem cartão, desrespeitando o serviço público de transportes e causando estorvo ao transeunte comum. Em Lisboa isto chama-se passar à pica. Mas neste caso não são um nem dois, são dezenas deles, católicos de confissão e cristãos de acção (dizem… )


Antes de voltar às vicissitudes de hipocrisia e contradição que dominam a mentalidade da JMJ, gostaria de falar da parte política e económica que assiste toda esta problemática. Em primeiro lugar, à semelhança da cronista Joana Petiz, Carlos Moedas, autarca do Município de Lisboa, também não tem a mínima noção dos fundamentos universalistas que assistem o Cristianismo e que assistiram a instituição das Jornadas Mundiais da Juventude, em 1985, com a assinatura do Papa João Paulo II. Mais nada fala o indivíduo que não seja a projecção de Lisboa para o mundo e a instituição de Lisboa como capital mundial da juventude. É banalidade atrás de banalidade e politiquice atrás de politiquice. Se elegermos levar a sério os fundamentos que são a raiz da instituição das JMJ, estes não têm que ver com a elevação da urbe para onde a peregrinação irá confluir mas sim com o alcançar de uma experiência espiritual colectiva e multicultural e a colocação da juventude no centro da reflexão religiosa do Catolicismo. Ainda que se diga católico, Moedas percebe muito pouco daquilo que se passa com a sua cegueira na sua preciosa cidade (cidade essa que é o nosso eucalipto nacional, pois seca tudo à volta) e comete o pecado de meter o nacional e provinciano à frente dos alegados propósitos universalistas, religiosos e espirituais, desta enorme peregrinação.


Quanto ao Presidente da República e ao Governo, e a todos os deputados complacentes, para eles a Constituição só deve ser respeitada quando é conveniente. A JMJ acontece em plena circunstância de inconstitucionalidade, e tal não se deve, obviamente, à realização da própria peregrinação em território nacional - o artigo 41 da Constituição da República assegura a liberdade de culto e a liberdade religiosa, estando tal evidente nas alíneas 1, 2 e 4 - mas deve-se sim ao oficial envolvimento do Estado e dos Órgãos de Soberania no desenrolar da efeméride. Isso sim é inconstitucional. O artigo 41 assegura a legalidade da liberdade religiosa dentro da República Portuguesa, mas a alínea 4 deste artigo contém uma passagem fundamental para aquilo que eu aqui discuto: "As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado (...)". Em nenhum ponto da Constituição surge reconhecido o divino e o transcendente. Em nenhum ponto da Constituição o Catolicismo é afirmado como a religião oficial do Estado. O Estado é laico, isto é, não tem religião, isto é, o Estado e os Órgãos de Soberania tem de ter total imparcialidade perante todas as religiões e formas de espiritualidade, não só porque o Estado é laico mas também porque é assegurada a liberdade a todas as formas de culto religioso. Todas as religiões, perante a Constituição, estão no mesmo plano de igualdade perante o Estado e a Lei e perante elas o Estado não apresenta qualquer religião, nem a Lei apresenta quaisquer directrizes religiosas. Tudo o que sucede contrário a isto encontra-se em situação ilegal e inconstitucional. O Governo, o Presidente da República e a Câmara Municipal de Lisboa estão a agir contra a Constituição e contra a legalidade democrática. Um leitor mais desinformado ou um leitor de postura mais cínica poderia perguntar "então e de que forma é que os Órgãos de Soberania estão em tão severa situação inconstitucional?"


Se o Estado é laico e imparcial perante todas as religiões, então o Estado não pode participar com dinheiros públicos na contribuição para a realização de eventos religiosos - a JMJ, por exemplo. Mas a verdade é que só a Câmara Municipal de Lisboa já empreendeu cerca de 40 milhões de euros a respeito da JMJ. Dinheiros camarários são dinheiros públicos, e portanto dinheiro do Estado, e portanto dinheiro dos contribuintes. Se já é gritante ver o Presidente da República a comportar-se como um mero devoto perante o papa e a efeméride católica, quebrando absolutamente o princípio de neutralidade religiosa do Estado enquanto seu representante máximo, não se comportando como o Chefe de Estado que devia ser, ainda mais gritante é ver dinheiros públicos canalizados em festins religiosos. Mas quase ninguém quer saber disto. Faz parte da trilogia da ditadura que ainda tanto molda as mentalidades portuguesas: Fado, Football e Fátima. A Constituição é violada, os cães (como eu) ladram, mas a caravana passa.


Voltando à vergonha alheia, ao ridículo e à hipocrisia, há tanto mais para pegar. É um autêntico laboratório de dissecação das contradições de uma pretensa religião da paz e do amor. Podemos pegar, como já dissertei, na desordem pública e na eventual excessiva criação de lixo. Podemos pegar no cartaz que foi exposto no Município de Oeiras, baluarte do antigo presidiário Isaltino Morais, no qual aparecia o número 4800. Era um cartaz escrito em inglês que chamava a atenção do público internacional para os achados da comissão independente que foi incumbida de investigar o histórico das últimas décadas de abuso sexual de crianças e jovens por clérigos da Igreja Católica. O número a que essa comissão chegou foi a cerca de 4800 crianças nas últimas décadas, e sabemos que estes números ficam sempre aquém da realidade. Este achado fez manchete nos jornais internacionais. Mas o executivo camarário de Isaltino Morais achou por bem - deverão ser estes os tais portugueses de bem de que fala o outro - 'limpar' a paisagem urbana, pois factualidade tão grosseira só poderia afligir as sensibilidades dos jovens católicos e do seu Clero, e assim se praticou um exercício de censura em Portugal do Século XXI. Por caminhos apertados e à margem do Estado de Direito o cartaz foi retirado do outdoor. Podemos também pegar no incidente que há poucos dias sucedeu, no Parque Eduardo VII, em plena luz do dia e no meio de uma multidão católica, no qual um jovem português, empunhando uma bandeira arco-íris - símbolo da Comunidade LGBTQ a nível mundial - foi abordado por um conjunto de outros jovens estrangeiros que pretendiam barrar-lhe a circulação e retirar-lhe a bandeira, gerando-se no local uma discussão conduzida no idioma inglês. Também um destes dias se celebrava uma eucaristia dirigida a pessoas LGBTQ, no pretenso âmbito inclusivo da JMJ, quando a cerimónia presidida por um padre católico foi invadida por um grupo de católicos fanáticos (também estes peregrinos da JMJ) que afirmavam ir expiar pecados mortais. A PSP foi inclusive chamada ao local. E por mais que o Papa Francisco fale sobre inclusão e superação do ódio, é perceptível que muitas ovelhas do rebanho estão furiosas com esta nova tentativa de inclusão no seio da Igreja, e este descontentamento é encontrado nos fiéis comuns mas também em bispos, arcebispos e cardeais. E se a Igreja Católica é composta pelo todo dos seus crentes e clérigos, então não será um Sumo Pontífice bem intencionado que vai alterar permanentemente as mentalidades. As mentalidades poderão progredir, mas o caminho ainda será custoso.


Será legítimo para qualquer leitor deste texto presumir que a minha posição filosófica de análise assenta numa mentalidade asceta. Afinal, eu já ironizei a propósito de festins de DJ com a participação de fiéis e membros do clero. Também podia ironizar a propósito das noites boémias dos jovens peregrinos, quer seja noites repletas de copos ou noites floreados por sexo heterossexual ou homossexual (não tenham dúvidas que as noites boémias da JMJ também tem disto). No final de contas eu podia ser aqui visto como um asceta conservador que com maus olhos vê as incursões hedonistas da juventude. O problema com essa hipotética análise é que eu próprio sou um hedonista (ainda que bastante moderado nos dias que correm) e portanto nunca poderia criticar o hedonismo dos outros. Onde eu quero chegar é precisamente à hipocrisia da massa católica. Tanta coisa com o pecado, a moderação, a espiritualidade, a introspecção, as orações, o modo de vida asceta para se ascender ao Reino Celeste, tanta coisa com tanto dogma católico e no final de contas, em larga medida, a JMJ é nada mais que o Festival de Verão da Igreja Católica onde a malta de junta para a diversão.


As questões que faltam colocar são as seguintes: em que dimensão é que esta peregrinação mundial à capital portuguesa contribuiu para a reflexão sobre o significado e o sentido da religiosidade? Para que serve rezar? Para que serve ter fé na existência de deus? Em que dimensão é que esta peregrinação contribuiu para a reflexão sobre os erros passados e presentes da Igreja Católica? Que oportunidades de reflexão é que este evento gerou sobre a forma como os agnósticos e os ateus críticos das religiões (como eu) podem interpretar e compreender este fenómeno histórico que é a Igreja Católica? Será que a elevada participação da juventude nesta peregrinação católica significa que a Cristandade tem um grande futuro? Ou será que um dia estes jovens despertarão da ilusão e se aperceberão que não há deus que nos valha e que a concretização de um futuro próspero e feliz depende do ser humano? Quantos destes jovens acreditam se quer em deus e na vida celeste (ou infernal) depois da vida terrena? Tudo isto são interrogações muito válidas. Interrogações que estão ausentes do repertório de perguntas e pedidos de esclarecimento que estes dias têm assistido a comunicação social.


Para os Media têm sido dias luminosos e esplendorosos. Foram dias de pureza e sensatez para a maioria dos jornalistas de televisão que têm acompanhado a JMJ. Fossem jovens activistas marxistas ou ambientalistas a protagonizar certos comportamentos e atitudes primários e desordeiros, estava a comunicação social em bloco a chamar a atenção das massas para a decadência e a falta de civismo da juventude radical. Aliás, nem precisariam de ser jovens politizados. Durante a época da pandemia e do confinamento, qualquer foco de propagação do vírus ou qualquer incidente de desordem era logo interpretado pela classe jornalística como mais um episódio de ignóbil e irresponsável anarquia juvenil. Mas nestes dias não tem sido assim. Como se trata de juventude de igreja está tudo bem. É tudo boa gente que nem se quer parte um prato.


Bem sei que qualquer pessoa razoável poderá classificar este texto como excessivo, agreste, negativista, arrogante, ácido nas palavras e injusto nas considerações. Estaria eu disposto a diminuir o volume destes elementos não fossem a opinião pública e as posições da imprensa nacional tão monolíticas. Quase que nos temos de contentar à força com a JMJ e a participação financeira do Estado no festival, não podendo haver dissidência perante uma invisível linha oficial conjunta da República e da Santa Sé. Como se explica que da noite para o dia o histórico e actual fenómeno criminoso de abuso sexual de crianças por parte de clérigos da Igreja Católica tenha sido empurrado para o desterro da amnésia colectiva? E ai de quem respingue e faça disso assunto público enquanto o Papa e demais altas sumidades se encontram em território nacional! Como vimos acontecer, quem isso tentar é tratado como um dissidente e é mandado calar. E no meio de tanta conversa sobre universalidade, multiculturalismo, inclusão, amor, a Igreja Católica continua como sendo uma força reaccionária que se propõe a condicionar a liberdade social e a atordoar o ímpeto da Luta de Classes. Os exemplos são muitos: a Igreja está contra a interrupção voluntária da gravidez; está contra a eutanásia; está contra a emancipação feminina dentro (e fora, por vezes) da Igreja; tem múltiplos discursos em simultâneo relativamente à homossoxualidade, sendo que se por um lado afirma querer acolher e incluir por outro lado mantém a narrativa do pecado e do vício decadente, que tudo o que faz é criar estigmas e situações de discriminação, e recusando reconher teologicamente casamentos entre pessoas do mesmo sexo; a Igreja ainda hoje olha com elevada desconfiança para a luta sindical e ao fortalecimento da Segurança Social por parte do Estado, em oposição à caridade e à esmola da Igreja. Se houve entidade na História de Portugal que mais semeou esta eterna paciência resignada e passiva do povo português, a Igreja Católica está na primeira linha, e sempre que essa paciência se converteu em revolta e acção revolucionária lá estava a Igreja para abafar a transformação e o progresso. Foi a Igreja que esteve ao lado de Castela durante a crise dinástica de 1383-85, em oposição às massas populares e ao Mestre de Avis. Foi a Igreja que apoiou a tomada do trono português pelo Rei de Espanha Filipe II em 1581. Foi a Igreja que se colocou no caminho do Marquês de Pombal quando este se apresentou para modernizar Portugal no terceiro quartel do Século XVIII. Foi a Igreja que se colocou na vanguarda do terror miguelista que deu origem a uma sangrenta Guerra Civil (1832-34), opondo-se portanto ao regime constitucional e à construção de uma nação livre. Foi a Igreja que se apresentou para derrubar a I República (1910-26) e foi a Igreja que prestou apoio social e político de primeira importância à ditadura criada pelos militares e Oliveira Salazar. Só com o Concílio do Vaticano II dos anos 60 é que a Igreja Católica começou de facto a mudar muitas das suas mentalidades e modos de operação. Foi só nesse concílio ecuménico que a Igreja Católica levantou o anátema contra o povo judaico, que até então se encontrava sob acusação colectiva de deicídio. Mais vale tarde do que nunca…  


É por isto e muito mais que eu não confio na Igreja Católica e olho com grande desconfiança para a JMJ, especialmente se tivermos em conta as circunstâncias em que esta jornada sucede. Nada tenho contra o mais comum dos jovens que tenha optado por participar nesta peregrinação. Como já escrevi e afirmei tantas vezes, nada tenho contra os católicos praticantes: a minha mãe, a minha avó materna e a minha tia Ana, pessoas que eu amo com todo o meu coração, são mulheres católicas, muito ligadas à Igreja, sem por isso serem, todavia, mulheres com consciência de classe. Foram várias as pessoas na minha vida que sendo católicas são pessoas muito importantes. Na minha demanda não é contra os religiosos que me apresento mas sim contra a estrutura e altas hierarquias que passam sentenças sobre aquilo que é correcto e aquilo que é errado, e passam-nas não com base em filosofia ética mas sim tendo por base pústulas de épocas obscurantistas quando ainda não conseguíamos definir o relâmpago. Apresento-me contra a mentalidade e a ideologia, e não contra as pessoas, com excepção daquelas que activamente propagam o ódio e a discriminação. E o que dizer de deus? O que dizer da Santíssima Trindade, que é o divino em três planos de existência: o pai, o filho e o espírito santo? O que dizer a esta juventude que foi convencida que procurando o divino encontrará a paz interior e a força para tornar este mundo um lugar melhor? É começar por dizer que deus não existe nem nunca existiu. É dizer que o transcendente e o numinoso são ficções (de grande peso cultural, sublinho) criadas há milénios para arregimentar as massas ingovernáveis. Basta dizer-lhes que quando se juntam e rezam numa missa nada os ouve porque nada há para além disto que temos enquanto estamos com os olhos abertos.



18 de Termidor CCXXXI