domingo, 24 de fevereiro de 2019

Democracia Venezuelana

República Socialista Bolivariana da Venezuela. O nome do Estado é, em si, muito revelador, muito gráfico, do ponto de vista político, de qual a corrente política que conduz a nação venezuelana (ou deveria conduzir). Os índices sociais deste país, embora não estando entre os casos mais catastróficos do mundo, são ainda assim preocupantes - cerca de 10% da população não tem acesso a água potável ou saneamento básico, por exemplo. A Venezuela é também o local, em todo o globo, com maior índice de criminalidade homicida, fruto da cultura gangster e mafiosa que conduz as ruas venezuelanas, num negócio ilegal centralizado na cocaína e outro tipo de drogas. Apesar de tudo, deve ser afirmado que a esperança média de vida venezuelana não está muito longe dos níveis portugueses (o que é bom), resultado do trabalho de um outro executivo que já liderou a Venezuela. Juntando a estes factos gerais, disponibilizados pela ONU, a Venezuela não vive uma situação interna pacífica - longe disso, aliás. A Venezuela vive uma situação de caos social, na qual a inflação é insustentável para o cidadão comum, e onde os géneros alimentares não chegam a muita gente. As imagens da televisão são retrato disto mesmo! Claro que onde não há bens básicos de sobrevivência a criminalidade aumenta. Não aumenta por nenhuma outra razão, e não é preciso estudar muita geografia ou sociologia para sabermos isto. E não são só os crimes que aumentam, também a revolta social plenamente justificada alastra em toda a nação. No epicentro desta Luta de Classes em tempo real, visível e indiscutível para qualquer indivíduo, está o governo militar da Venezuela chefiado por Nicolás Maduro.

Julgo ser quase unânime a consideração de que Maduro é um Chefe de Estado altamente incompetente, pouco inteligente, intelectualmente rude e algo paranóico - muito à semelhança, na verdade, do seu homólogo brasileiro. O funcionamento das instituições democráticas, de aposta na participação directa do cidadão, asseguradas por Hugo Chavez, estão de joelhos, e a eleição de Maduro para a presidência é universalmente contestada pelos vários órgãos internacionais que atestam essas questões. No meio do palco cai um novo protagonista - mas um tão demagógico como o camarada Maduro - de nome Juan Guaidó que, certamente, já terá cativado boa parte da opinião pública mundial com o seu charme latino de Presidente da Assembleia... bem, eu não me deixei enganar. Guaidó não se acanhou em autoproclamar-se Presidente Interino, afirmando que Maduro não é mais o Presidente, e para solucionar esta crise, Guaidó apela à intervenção internacional militar no país - entenda-se, por favor, ocupação territorial pelos EUA - dizendo que, se for caso disso, o país tem de ser mergulhado numa guerra civil. Guaidó abriu um precedente, com o seu apelo, que muda a paisagem destes eventos. Será oportuno lembrar que a Venezuela é um país riquíssimo em recursos naturais, possuindo as maiores reservas de petróleo em todo o Mundo... pois, novamente uma equação com EUA e petróleo - os ciclos repetem-se. Tanto o Presidente Trump nos EUA como o Presidente Bolsonaro no Brasil estão a tremer de ansiedade, esperando uma justificação para uma intervenção militar, no qual possam arrumar com o camarada Maduro e meter lá um novo presidente politicamente vergável às vontades da alta economia mundial. Já foram muitas as especulações quanto à eventualidade dos EUA fazerem mais um número típico. Eu só acredito que tal aconteça se o número de mortes diárias, no meio da contestação social, escalar por aí acima.

Noutro plano temos a minha querida e velha Europa que, francamente, anda às moscas no meio desta confusão. A UE é a típica instituição que faz peitos aos EUA e que insinua não simpatizar com Donald Trump, mas que na prática faz precisamente aquilo que os EUA querem que se faça. Trump reconheceu Guaidó como presidente, Bolsonaro, o novo fiel cão de Trump, também. Que faz a Europa? Toma uma decisão original? Pensada pela própria cabeça? Não!, já foram uns quantos estados europeus, entre os quais o Reino Unido de Espanha, reconhecer Juan Guaidó. Estrategicamente, é uma manobra que nada significa porque, o de facto presidente continua a ser Maduro, tendo o complexo militar do lado dele, e Guaidó nada fez para ser o interino Chefe de Estado. Ao longo da estrada, os EUA já enviaram ajuda humanitária - ao que parece acordaram agora para as necessidades daquilo a que chamam de Terceiro Mundo - e Maduro, temendo uma qualquer conspiração que venha dentro das caixas dos géneros alimentares, afirmou não receber a dita ajuda... e assim foi. Maduro, todavia, não querendo ajudas norte-americanas ou brasileiras, deu ao mundo uma boa notícia quando apelou à ajuda humanitária da UE. Seria oportunidade para a Europa varrer os EUA para fora desta questão, com vista a uma resolução civilizada da crise humanitária.

Por incrível que pareça, eu tenho ideias para a resolução disto tudo. Antes de mais afirmo que Maduro, Trump e Bolsonaro são males da mesma raiz: e não, não é o Socialismo, é o poder sujo e a ganância! Assim sendo, a solução não passa pela guerra mas sim por eleições democráticas e livres, na qual o povo venezuelano possa afirmar quem afinal deseja como Presidente da República. Para tal acontecer, é preciso que haja total cooperação por parte de todos os sectores sociais venezuelanos. Como é que tal se consegue? Não é prometendo porrada nem afirmando à boca cheia que uma guerra civil é necessária. Consegue-se através do diálogo e do acordo. Consegue-se através da inclusão internacional, sem ingerências de estado, ingerências essas que o Pentágono tem feito nas últimas décadas. Sendo eu mais objectivo, seria necessário a sociedade internacional assegurar que o Brasil e os EUA não metem o nariz nisto (e já agora o mesmo vai para a Rússia e a China, que nada acrescentam a esta questão), e deixar a liderança de possíveis acordos com os Presidentes do Uruguai e do México, Tabaré Vazquéz e Lopez Obrador, que, quero crer, são indivíduos política e estrategicamente apropriados para conduzir estas hipotéticas diligências. Acredito que é isto que vai acontecer? Claro que não. O mundo só faz aquilo que a política norte-americana manda, sob ameaça da arma financeira, para não falar que o Conselho de Segurança da ONU é um órgão minado à nascença, no qual é muito difícil atingir uma única resolução boa para o mundo.

Por último, uma pequena nota circunscrita ao território português. É muito importante que o governo não se meta em aventuras como aquela que teve lugar neste país em 2003. Para vergonhas nacionais, que intoxicam o legado da República Portuguesa, já nos basta aquilo que temos. Quanto às posições dos três partidos de Esquerda na Assembleia da República: a posição do PEV é a posição do Partido Comunista, vergonhosa portanto. É trágico assistir à subserviência do PCP perante não sei eu o quê... como é que um partido que defende o Proletariado na Luta de Classes, um partido que defende a filosofia marxista, pode tomar o partido da Classe Dominante na Venezuela? Estão certamente desnorteados... Enfim, não contem comigo. Por outro lado, apesar de não ter sido muito noticiada pela comunicação social, a posição do Bloco de Esquerda é totalmente diferente. Basicamente afirmam que Maduro é uma tragédia, mas também a perspectiva do Guaidó e dos EUA não é mais acolhedora. Por último, citando o Professor Francisco Louçã, gostaria de dar ênfase à hipocrisia dos EUA: um país que 'benevolentemente' cede ajuda humanitária à Venezuela, mas que, devido às sanções económicas vintage, não permite à Venezuela a compra de medicamentos. Não se trata de apoio humanitário, trata-se, infelizmente, de imperialismo. E se os EUA querem policiar os regimes do mundo, porque não começam com o regime partidário da casa deles? Porque não vão chatear a cabeça do Rei da Arábia Saudita? Porque petróleo?!