domingo, 25 de novembro de 2018

Da Teoria Utópica à Ciência Prática: o legado do pensamento de Karl Marx

Aqui deixo este texto, por mim escrito em 2016, com várias correcções no âmbito da sua sintaxe e da sua qualidade frásica (correcções essas feitas ao longo de todo o texto, para que a sua leitura possa ser menos tortuosa). Muitas considerações por mim escritas nesta altura já não fazem parte integrante do meu pensamento. Outras considerações e análises, inclusive, revelam-se ingénuas ou incompletas. Todavia, na óptica da evolução do meu ideário, dos meus valores filosóficos e do meu pensamento político, considero interessante e relevante partilhar este texto, escrito no âmbito da escrita criativa e argumentativa para o portefólio de avaliação da disciplina de Português (11º ano).


"Começo a escrever este texto no quinto dia de Maio, no ano 2016, de acordo com o Calendário Gregoriano, o dia em que é celebrado o 198º aniversário de Karl Marx.


Este é um texto que eu já há muito pensava em elaborar. Não é nenhum estudo exaustivo sobre o Marxismo, e não se trata de uma análise doutoral da corrente marxista, trata-se apenas de um humilde manifesto que, embora silencioso, é honesto daquilo que foram os contributos do génio de Karl Marx para a sociedade. No fundo é uma composição sintética que aborda a visão do Marxismo por parte do cidadão e aluno de 11º ano, Xavier de Bastos Mourato Nabo.


Karl Marx foi um sociólogo, filósofo, economista, historiador, jornalista, sindicalista e revolucionário político que nasceu em 1818 no Reino da Prússia, Confederações Alemãs, e faleceu em Londres, Inglaterra, em 1883, como um apátrida. Marx nasceu num período conturbado da História, onde o sistema capitalista estava cada vez mais forte e industrial, o que implicava que a classe operária fosse massacrada a trabalhar nas fábricas. Nesta altura, o trabalhador tinha de se adaptar à velocidade da máquina com a qual operava e, já nesta altura, a expressão "tempo é dinheiro" era incrementada e levada à letra. Os grandes magnatas queriam fazer a maior quantidade de capital possível, dependendo irremediavelmente da velocidade da produção, consequentemente, sem olharem a meios para atingirem os seus ricos fins, muitas vezes aceleravam a velocidade de trabalho. As consequências na mão-de-obra eram notoriamente deploráveis: o operário não tinha quaisquer condições de trabalho; muitos operários morriam, não havendo se quer seguros de vida em caso de acidentes graves; as horas de trabalho podiam, em certos casos, atingir 16 horas; os salários eram baixíssimos. Outro aspecto desumano no que concerne a era do Capitalismo industrial era o facto de serem utilizadas crianças nas fábricas. Enquanto maior parte da população vivia em condição operária, um pequeno grupo de magnatas industriais ia comprando as nações aos poucos, o pobre operário ficava cada vez mais moribundo, e o grande corporativo cada vez mais rico! Era dinheiro fácil e sujo - arranjavam muita mão-de-obra, pagavam-lhes mal (aos operários) e ainda trabalhavam ao ritmo que o senhor rico bem entendesse. Era esta a principal fonte de riqueza da burguesia!


Enquanto este circo de capital crescia, e a situação do cidadão comum piorava, as primeiras vozes de insurgência ouviam-se através das primeiras associações mutualistas e dos primeiros sindicatos locais. Entretanto, também uma nova onda política ganhava força - O Socialismo Utópico. Esta incompleta ideologia política defendia a divisão mais igualitária da riqueza. Defendia também o princípio do colectivismo no trabalho, e estava a favor da classe operária. Esta vertente política foi influenciada pelos movimentos iluministas da ala esquerdista da Revolução Francesa. O grupo mais proeminente foi o Clube dos Jacobinos liderado pelo "Incorruptível" Maximilien de Robespierre. Marx nasceu precisamente na altura em que estes movimentos socialistas começavam a ganhar força na luta contra o "dinheiro fácil e sujo" dos magnatas industriais. Contudo, no máximo, o Socialismo Utópico falava de uma sociedade sem classes onde tudo era de todos, mas não explicava como ou quando é que tal coisa era atingida. Os movimentos sindicalistas e mutualistas apoiavam-se nestas ideias que necessitavam de complementarização e tentavam apoiar a luta da classe operária por melhores condições de vida, luta esta que muito era refreada. Marx iniciou a sua actividade revolucionária na década de 30, e já nessa altura se considerava ateu. Uma das suas principais influências foi o filósofo iluminista Georg Hegel, autor do desenvolvimento da tríade: Tese, Antítese e Síntese - a Dialéctica Materialista, que iria ser muito relevante no desenvolvimento da teoria do Materialismo Histórico de Marx.


Eventualmente, Marx acabou por conhecer Friedrich Engels, um compatriota prussiano filósofo, sociólogo e empresário. Estes dois filósofos, inspirados nos princípios do Socialismo Utópico e no hegelianismo, iniciaram juntos um estudo sobre economia política. Karl Marx, provavelmente desde muito cedo, percebeu que o que estava errado com o sistema mundial era o próprio paradigma, o Capitalismo portanto. Então, Marx iniciou um estudo ao núcleo dos meandros do sistema capitalista, que iria perdurar até ao fim da vida de Marx, e culminaria nos variadíssimos volumes de "O Capital". À medida que Marx ia ficando mais velho, as ideias do revolucionário iam ficando mais claras e, progressivamente, Marx ia-se distanciando do Socialismo Utópico. Aliás, ia complementando esta teoria que até então não passava de meros ideais pré-comunistas e colectivistas. Entre o tempo em que Marx saiu das Confederações Alemãs e se estabeleceu em Londres, Marx residiu na França e na Bélgica. Durante este período, Marx dirigiu inúmeros jornais pró-socialistas onde expunha, em primeira mão, as suas visões, não só da miséria em que vivia a maior parte da população europeia, mas também da prestação dos socialistas e sindicalistas pela Europa fora. Segundo Marx, as organizações sindicalistas eram, na sua maioria, incompetentes, burocráticas, e não defendiam dignamente a classe operária. Marx era já nesta altura um ideólogo reputado no palco europeu e logicamente odiado pela maior parte da classe burguesa (uma minoria dos burgueses eram filantropos e acreditavam que as exigências dos sindicatos eram mais que justificáveis). Foi durante a década de 40 que Marx, aplicando a dialéctica hegeliana, com os seus grandes contributos para a corrente socioeconómica do Socialismo Científico (que estava a nascer) e o seu patenteado Materialismo Histórico, formou aquilo que iriamos mais tarde conhecer como Marxismo.


Em 1847, Marx e Engels iniciaram um projecto que viria a ser a mais famosa obra marxista. Os dois revolucionários elaboraram de 47 até 48 (coincide com as revoltas proletárias de 1848) o Manifesto Comunista, onde expõem a visão marxista da História mundial - o Materialismo Histórico - e foi este manifesto a directriz da Liga Comunista fundada por (entre outras pessoas) Karl Marx e Friedrich Engels. Eventualmente, Marx foi forçado a abandonar a Europa continental e também o seu estatuto de nacionalidade foi cancelado pelo Império do Kaiser. Por consequência, Marx estabeleceu a sua família, os seus estudos e a sede da Liga Comunista na Londres Vitoriana. Durante a década de 50, Marx aumentou o leque da sua influência (que já era grande) escrevendo para jornais norte-americanos, lançando livros expondo a doutrina marxista, e também como activista sindical. Em 1864, com o apoio financeiro de Engels, Marx protagonizou, com outros socialistas e anarquistas, a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, mais conhecida por 1ª Internacional (1864-1876). Este foi o primeiro sindicato global! A cerimónia de abertura teve lugar no St. Martin's Hall, em Londres, com um discurso do próprio Karl Marx. Nos anos seguintes, Marx foi decisivo na estruturação desta organização sindical que unia todo o tipo de esquerdistas, socialistas e anarquistas. A 1ª Internacional também conseguiu diminuir substancialmente as horas de trabalho de cada operário. Três anos após a fundação da 1ª Internacional, Marx lançou por fim aquela que era por fim a última peça que faltava no puzzle do pensamento marxista: o Volume I de "O Capital". Esta obra, que teria mais dois volumes, é a derradeira exposição do falhanço em que o Capitalismo se tornou, e apresenta um modelo socioeconómico que suplantaria, temporariamente, o Capitalismo - o Socialismo. É com o lançamento desta extensiva obra que podemos seguramente afirmar que Marx foi um economista.


Marx, infelizmente, só teve mais 16 anos de vida após o lançamento do Volume I d'O Capital, mas foi neste espaço de tempo que Marx alcançou fama mundial e que liderou os destinos da 1ª Internacional até 1876, com a ajuda do seu fiel seguidor Friedrich Engels. "No dia 14 de Março, a um quarto para as três à tarde, o maior pensador vivo deixou de pensar. Ele tinha sido deixado sozinho durante dois minutos, e quando regressámos, encontrámo-lo na sua cadeira, dormindo pacificamente - mas para sempre." - estas foram uma das muitas palavras proferidas por Engels no funeral de Marx em 1883. A vida privada de Marx com a sua família foi uma de algumas dificuldades financeiras. O rendimento de Marx provinha do seu trabalho sindical, dos artigos que escrevia para variadíssimos jornais e dos seus livros. Por conseguinte, Engels, homem herdeiro de uma fortuna milionária, deu apoio financeiro à família Marx. Karl Marx morreu com 64 anos, como um apátrida, pensando e escrevendo, sendo considerado na altura, um dos socialistas e sindicalistas mais reputados do mundo. As últimas palavras de Marx foram: "Vão, saiam! Últimas palavras são para tolos que nunca disseram o suficiente."


Tendo isto tudo dito sobre a vida e os tempos de Karl Marx, está na hora de demonstrar o porquê da minha esperança teimosa no modelo socialista. Falar de Marx não basta falar só no que ele fez. Convém explicar também, afinal, quais eram os seus muito revolucionários ideais. Comecemos então por explicar como está estruturado, do ponto de vista filosófico, sociológico, económico e historiográfico, o Marxismo. O Marxismo divide-se em três conceitos: Dialéctica Materialista, Materialismo Histórico e Socialismo Científico. O Materialismo Histórico é a visão colectivista da História e. na sua essência, diz que a História não se desenrola, essencialmente, pelo aparecimento de novas ideias mas sim devido a uma constante luta de classes. Na íntegra, a visão marxista da História afirma que o grande motor da História são as revoluções provocadas pelas classes dominadas. No Manifesto Comunista, Marx e Engels expõem esta teoria. Segundo o Materialismo Histórico, a luta entre duas grandes classes é, na verdade, uma constante na História. Temos por um lado a classe dominante que, apesar da sua minoria demográfica, detém os meios de produção, sendo, por isso, sempre esta classe aquela que detém o poder na sociedade. No lado oposto temos a classe trabalhadora que está em maioria demográfica e é a classe que efectiva a produção com o seu trabalho. Apesar destas duas classes assumirem várias formas ao longo a História, assumirem diferentes nomes, assumirem diferentes modelos e diferentes pontos de vista, os fins acabam sempre por ser os mesmo: a classe dominante quer sempre dominar, e as ‘massa’ tentam reivindicar sempre os seus interesses e direitos.


Durante longos séculos, o sistema de produção assentou sempre numa sociedade esclavagista, desde a antiga Mesopotâmia (há 7000 anos) até à queda do Império Romano Ocidental no ano 476. Aqui, a classe dominante era composta pelos monarcas déspotas, os líderes militares (porque eram tempos em que o poder central vivia, sobretudo, para a guerra) e os altos dignatários religiosos. A classe trabalhadora era composta por camponeses - que tinham de, por vezes, cumprir o obséquio de fazer um muito fatal serviço militar, e por escravos (que eram muitos). O sistema esclavagista durou milénios atravessando o Império Persa, o Egipto Faraónico, a Civilização Helénica e o Império Romano. Tomando proveito da segregação em duas metades do Império Romano, os povos ditos bárbaros, que pertenciam à classe trabalhadora, insurgiram-se com o escudo e a espada contra os Warlords de Roma. Esta revolta à escala europeia, a que foi dada o nome de "Invasões Bárbaras", fragmentou em vários reinos a metade ocidental do ‘super-império’. Esta alteração política, que também teve lugar no Norte de África, instaurou um novo modelo, e como acontece sempre com as alterações de paradigmas históricos, as duas grandes classes assumem diferentes e mais complexas formas, mas o propósito mantém-se o mesmo!


Com um novo poder a tomar conta de grande parte do mundo, o paradigma muda consequentemente. Os senhores bárbaros contra os romanos, eram, na sua maioria, monarcas reconhecidos pelos seus povos e vassalos, logo, a divisão da metade ocidental da Europa em reinos foi um dado mais que adquirido. Este novo sistema de produção e criação de riqueza tornou-se mais complexo que o simples, porém desumano, sistema esclavagista. Dá-se o nome de Feudalismo a este sistema! Em países como o Japão, este sistema deixou uma grande e duradoura marca na história do país. Qualquer pessoa minimamente interessada pela História já ouviu falar do "Japão Feudal". O feudalismo baseia-se na divisão de terrenos e senhorios pela classe dominante - nobres e clérigos, portanto, sendo que a nobreza descende dos senhores da guerra bárbaros, e o clero provém evidentemente da Igreja Católica, que já na altura dominava a Europa. A classe trabalhadora, de acordo com Marx e Engels, é o chamado Terceiro Estado - camponeses, artesãos, mercadores, burgueses. Esta relação entre estas duas classes traduzia-se num "automático" sistema de vassalagem, em que o Terceiro Estado (liderado pela burguesia) devia vassalagem à nobreza; dentro da nobreza haviam hierarquizações de vassalagem; os ricos-homens (altos nobres) deviam vassalagem directa ao monarca; o monarca por conseguinte só devia vassalagem ao Papa, e este deveria vassalagem a Deus, se este existisse claro. A classe trabalhadora era assalariada pelos Senhores Feudais, paga ao dízimo, evidentemente, com condições de trabalho tristes e desproporcionalmente pagas. O Materialismo Histórico defende, aqui, uma renovada luta entre classes, como a que sucedeu durante a História Pré-Clássica e Clássica. Para formular o eterno sistema de luta entre classes e a suplantação de um sistema por outro, Marx e Engels recorreram à Dialéctica Materialista, inspirada na teoria hegeliana (Georg Hegel). Pegando no exemplo da luta durante o período feudal: a nobreza e o clero (a classe dominante) representam a Tese; o Terceiro Estado, liderado pela burguesia (classe trabalhadora) representa a Antítese; o resultado desta luta de classes que iria concretizar, por completo, por volta dos séculos XVI, representa a Síntese. A síntese da luta entre estas duas classes do Feudalismo deu origem a um novo paradigma: o Capitalismo comercial!


No sistema capitalista, que é o sistema em que hoje vivemos (e não é necessário ser-se marxista para concordar com isto) a sociedade é regida pela circulação do capital e pelas desatualizadas ‘leis’ da oferta e da procura. É regida pelos movimentos de uma entidade abstrata denominada Mercado. No Capitalismo, apesar de vivermos em países supostamente sincronizados através da união dos povos, é o sucesso individualista que conta - uma contradição flagrante. Nos dias da democracia capitalista, não se vive no final de contas em democracia, mas sim numa plutocracia disfarçada de democracia. Numa plutocracia, são as corporações económicas privadas que dominam, e é na prática o que acontece: são estes grupos que financiam campanhas e partidos; são eles que regulam os bens básicos das pessoas por conta e risco deles, mesmo que nós não votemos neles; toda a legislação das grandes organizações internacionais é feita à medida das corporações; tudo isto com interesses que giram à volta de um bem - o grande capital! No sistema capitalista, os princípios iluministas de eleição popular de líderes e da tripartição dos poderes de Montesquieu foram refreados de cima a baixo. Ideais iluministas estes que Marx e Engels sempre fizeram questão de citar e respeitar. Mais especificamente, no Capitalismo industrial, o tal ambiente reinante aquando do nascimento de Karl Marx descrito na página 1, onde o operariado era tratado de forma que nem se devem tratar animais, era o sector secundário que fazia movimentar a economia e o capital, ao sabor do sacrifício diário humano nas fábricas. Hoje em dia, o Capitalismo não é só mercantil ou industrial, são estes dois conceitos, com os mercados e os bancos à mistura. No que diz respeito à Luta de Classes neste paradigma civilizacional, esta é tão real hoje como era no século XIX, ou no século XVI quando a Burguesia tomou controlo. Desde os séculos XVI-XVII que a Tese é representada pela Burguesia, e a Antítese é representada pela classe manufactureira, que evoluiu, aquando da Revolução Industrial, para classe operária graças à urbanização dos países de todo o mundo - é o Proletariado (maioria)!


Hoje, século XXI e 149 anos depois de ter sido lançado "O Capital", a mesma luta continua a ter lugar, embora tenha evoluído de complexidade: o Capitalismo é mais complexo, a demografia aumentou, o capital cresceu, os sectores de actividade diversificaram-se e descentralizaram-se do sector secundário. Contudo, apesar destes se terem dispersado, assim deixamos de falar no sacrifício da classe operária apenas, passamos então a falar do sacrifício dos funcionários públicos (professores, médicos, etc.), do sacrifício do agricultor, do sacrifício do operário, claro (ainda existem muitos), do sacrifício do empregado privado. Deixa de ser apenas o operariado o centro das atenções, passa a ser um leque populacional cada vez maior. Em última análise, o proletariado subiu em número (embora de forma discreta) e o Marxismo nunca esteve tão corrente, dados os efeitos do Capitalismo no mundo de hoje. Esta última observação não é uma observação de Karl Marx, não é uma observação de Vladimir Lenine nem de Leon Trotsky, não é uma observação da Rosa Luxemburg, é uma observação de comunistas e socialistas contemporâneos como José Saramago, Bernie Sanders, Yanis Varoufakis. Até Noam Chomsky faz uma análise com certas semelhanças, apesar de outras divergências com Marx. Também esta é uma análise da IMT (International Marxist Tendency). Até o Warren Buffett já admitiu que existe de facto uma luta entre duas grandes classes!


Voltando ao Materialismo Histórico e à solução socialista, o Marxismo previa, e ainda prevê, uma futura revolução proletária, uma síntese conclusiva desta longa luta entre Burguesia e Proletariado. Marx e Engels nunca foram específicos quanto ao espaço de tempo que levaria até que essa revolução tivesse lugar, mas falharam quando disseram que o primeiro país a tentar esta revolução seria a Alemanha. Acabou por ser a Rússia, com a Revolução Bolchevique de Lenine. O Materialismo Histórico diz que, a dada altura, o proletariado iria triunfar sobre a classe burguesa, iniciando assim um novo sistema, o Socialismo ou Ditadura do Proletariado (ou da maioria), que é no fundo o que a democracia é - a vontade da maioria popular. Marx disse que, em qualquer período histórico, fosse qual fosse o poder imposto, o Estado cumpriria sempre com os interesses da classe dominante, e de facto é verdade. Não é necessário ser-se marxista para concordar com isto. Uma vez a classe trabalhadora tornando-se a classe dominante, também seria pela primeira vez na História que teríamos a verdadeira maioria a governar, e o Estado, como representante dos interesses da classe que detém os meios de produção, iria sistematizar-se a favor do proletariado. A Ditadura do Proletariado seria o cumprir prático e real do Socialismo Científico - colectivização do trabalho produtivo; abolição progressiva das corporações privadas, unilaterais ao Estado; detenção dos meios de produção e da riqueza por parte do Estado - que representaria o proletariado.


Socialismo Científico é a complementarização do Socialismo Utópico, criado e desenvolvido teoricamente por Marx, como parte do pensamento marxista. É a guia de como pôr em prática um modelo socioeconómico socialista, abordando aspectos como a Luta de Classes e os meios de produção, e também o papel do Estado. Coisas que o Socialismo Utópico não considerava.


O Comunismo seria o novo e final paradigma da civilização humana após a Ditadura do Proletariado - uma fase – o socialismo - meramente transitória. Segundo o marxismo, não é certo quanto tempo é que o regime socialista (que não deixaria de ser democrático) poderia durar. Poderiam ser décadas ou séculos. Contudo, Marx afirmava que seria a fase final da derradeira revolução que punha um fim às injustiças e desigualdades sociais. A razão para haver diferença entre Socialismo e Comunismo é muita. Muito mais do que a diferença entre um funeral e um enterro! Enquanto no Socialismo existe um Estado, um Governo, e duas grandes classes, embora só uma detenha os meios de produção, e produza com o trabalho, directamente, tudo em simultâneo - uma definição possível desse modelo socioeconómico -, o Comunismo, todavia, não se trata meramente de um modelo socioeconómico. O Comunismo é um novo mundo onde não existem nações, não há religião, não há Estado ou Governo, não há propriedades privadas (grandes fragmentos de terra com uma única entidade possuidora), não há leis governamentais. Toda a gente produz para toda a gente, o trabalho é cooperativo, não há classes ou crispações de riqueza. É uma sociedade ideal sem dinheiro, onde tudo é de todos. De acordo com o Marxismo, isto sucederia naturalmente, quando as pessoas já se tivessem habituado espontaneamente ao propósito colectivo, numa sociedade nova, com um espírito novo, com um novo homem: o Homem Comunista - um indivíduo altruísta que produz para os outros sem intenção de lucro, sabendo que terá recompensas do próximo em troca.


Isto foi o que Karl Marx escreveu e previu que aconteceria. Concordo com quase tudo o que defende o Marxismo, com a excepção de um pormenor muito importante. Não deveria ser necessário ser-se marxista para reconhecer a veracidade da teoria do Materialismo Histórico, nem deveria ser necessário ser-se marxista para concordar que o Capitalismo é um sistema apelativo à corrupção de espírito e que a iminente alternativa é um modelo socialista. Mas visto que o número de pessoas que concorda com esta visão, mundialmente, não é muito grande, então eu declaro-me como um marxista. O ponto do qual eu discordo com Marx é a ideia de Comunismo! Não é que seja uma péssima ideia, mas pelo facto de ser impossível atingir esse mundo quase perfeito, onde seria possível combinar conhecimento, organização genuína quase natural e prosperidade colectiva numa sociedade sem dinheiro ou Estado. Não passará de uma utopia. Infelizmente, a nossa consciência biológica não permite tal mundo. Para mim, Marx estaria muito mais correcto se se tivesse limitado a afirmar que o estádio final seria o paradigma socialista, mas Marx era um verdadeiro sonhador, e queria acreditar no instinto colectivo biológico dos homens, já há milénios suprimido pelo próprio homem. Diria até que é impossível ter tantas pessoas num planeta com quase 13 mil quilómetros de diâmetro a cooperar numa sociedade perfeita como essa.


Após Marx e Engels, muitos sociólogos, historiadores, politólogos, economistas, filósofos, escritores, jornalistas, professores, sindicalistas, empresários, militares, políticos e uma boa dose de energúmenos interpretaram ou tentaram interpretar a teoria marxista escrita pelos mestres do Marxismo (Marx e Engels). Muitos deles, de facto, tentaram subverter a ideologia, com muitas falácias à mistura. O primeiro país a implementar um sistema socialista foi a Rússia, com a Revolução Bolchevique, após o derrube do Absolutismo dos czares, renomeando a nação para URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Esta revolução teve como protagonistas Nikolai Bukharin, Grigori Zinoviev e o Comandante-General do Exército Vermelho, Leon Trotsky. Contudo, ninguém mais brilhou na revolução de Outubro que Vladimir Lenine. Lenine foi o impulsionador do Marxismo-leninismo: a interpretação da teoria de Marx e Engels pelo próprio Lenine. Sem dúvida nenhuma, nada melhor do que ver o que é a teoria marxista do que ler o Manifesto Comunista ou O Capital, mas Lenine é talvez um dos melhores interpretadores práticos do modelo socialista científico.


As agendas dos partidos marxistas são fiéis aos dictames socioeconómicos do Socialismo Científico, consistindo em: combater as privatizações; taxar os empresários da classe dominante; apostar no emprego; reduzir fortemente a carga fiscal aos mais pobres; acabar com as remunerações extra aos abastados; proibir os paraísos fiscais; intervenção e planeamento da economia combatendo assim a especulação e os jogos capitalistas das Bolsas; derrotar a influência dos Mercados e dos plutocratas; terminar com o financiamento e intervenção estatal no ensino privado; intervenção pública no sistema bancário, quer os bancos sejam privados ou do Estado; cooperatividade e colectividade do trabalho sobre forma de associativismo e sindicatos; legislações proteccionistas ante o investimento privado. Estas medidas, aplicáveis nos dias de hoje, estão inspiradas nos textos de Marx e Engels, e, posteriormente, nos projectos soviéticos do 1º Secretário-Geral, Vladimir Lenine, transpostos das ambições e bases económicas do Marxismo para a prática. Sem dúvida alguma o Socialismo começou por funcionar na URSS. É a prova de que a teoria socioeconómica evoluiu da utopia para a ciência aplicável. É a prova de que Marx não escreveu disparates. Mas então, o que afinal falhou na URSS?


Em primeiro lugar, como acontece em qualquer nação, os efeitos de uma guerra civil - sendo que neste caso milhões de vidas foram ceifadas - são duradouros. A misteriosa morte prematura de Lenine também prejudicou imenso a Revolução Socialista, uma vez que as entidades que suplantaram os marxistas-leninistas não queriam saber tanto dos direitos do povo russo, estando antes mais preocupados com um corporativismo estatal que iria até aos dias de hoje prejudicar o legado de Marx. De quem falo então? Falo de Estaline, o novo Chefe de Governo da URSS após Lenine! Este é uma das principais figuras por detrás da danificação do marxismo, e por detrás da destruição da Revolução Socialista no Leste. Com Estaline, e aqueles que vieram a seguir a ele, a URSS deixou de defender os direitos do proletariado, refreando tudo aquilo que eram iniciativas sindicais marxistas. Os campos de concentração na Sibéria foram reactivados e a opressão militar aos próprios cidadãos soviéticos foi praticada. Os membros do Comité Central eram indivíduos que tomavam controlo privado de muitas corporações de armamento. A URSS de Estaline tornou-se numa nação fechada, deixando no esquecimento as ambições de revolução proletária internacional de Lenine. A URSS acabou por ser nada mais do que uma máquina totalitarista capitalista militar. Pior que tudo, Estaline ordenou a execução de vários membros do partido e do Comité Central. Pessoas a quem Lenine confiara a revolução. Para além de mais, Estaline orquestrou um dos mais infames assassinatos do século XX. Falo do vil e cobarde atentado à vida de Leon Trotsky. Seria, de acordo com a vontade de Lenine, Trotsky a guiar a URSS no futuro. Não só era um excelente analista da sociedade e da obra de Marx, como também era uma personalidade carismática, imponente e intelectual. Pior que qualquer outra coisa, foram as circunstâncias em que Estaline tomou conta da URSS: não só Lenine tinha deixado claro em testamento que queria Estaline fora do partido devido a achá-lo perigoso e subversivo, como também designaria Leon Trotsky como o próximo Premier Soviet. Apesar disso, Estaline e seus seguidores foram capazes de influenciar o partido a ignorar este apelo do Líder quando este adoeceu. Também a majestosa cerimónia fúnebre de Lenine, sob a tempestade russa, presidida por Estaline, na qual Trotsky foi dissimulado de modo a não estar presente, não correspondeu aos apelos da família de Lenine. Aliás, a esposa de Lenine viu no comportamento de Estaline a derradeira falta de respeito, uma vez que Lenine nunca quereria um Mausoléu onde permaneceria embalsamado para sempre! Enquanto Trotsky andava fugido pelo México à KGB, Estaline e os partidos estalinistas da Europa lançavam uma horrorosa campanha de associação de Trotsky com o Fascismo. Foi eventualmente em 1938, com acérrima participação, embora forçadamente à distância, do próprio Trotsky, que se fundou a IV Internacional: uma organização trotskista que consistia em desmascarar o estalinismo e relembrar ao grande público qual a doutrina do Socialismo Científico, escrito por Marx e Engels, e qual o significado de Comunismo.


Após o assassinato de Trotsky, a URSS alterou-se completamente, destruindo as aspirações do proletariado sem este compreender. A China de Mao Tsé-Tung, e a Coreia de Norte de Kim Il-Sung seguiram a doutrina totalitária de Estaline, e que também seria seguida na URSS pelos seus governantes posteriores (e o mesmo sucederia nos países, supostamente socialistas, que seguiram o mais proveitoso estilo estalinista). Também na América Latina, os líderes ditos socialistas revelaram ser antes corruptos interessados no empobrecer do seu próprio povo em prol da sua riqueza pessoal.


Eventualmente, com a morte do Presidente Franklin Roosevelt, um socialista que resgatou o mundo da Grande Depressão, através do New Deal, foi lançada por todo o Ocidente a Doutrina Truman que procurava antagonizar o Leste e fazer dos EUA os grandes heróis do mundo. A doutrina do Presidente Harry Truman fixava-se no incondicional ataque às políticas da URSS, e, para isso, era necessário antagonizar o Marxismo em primeiro lugar, visto que era o suposto elo de ligação entre os países ditos socialistas. No fim, parece um pouco a caça às ‘bruxas’ do século XX. Na minha íntima conclusão, foi uma diabolicamente genial manobra da Burguesia moderna para destruir um movimento que ameaçava demolir os alicerces do sistema capitalista. Afinal, a plutocracia estaria em risco com uma eventual "Revolução Bolchevique" à escala internacional.


Nos dias de hoje, apesar da imensidão de partidos alegadamente socialistas, movimentos marxistas e sindicatos, a projecção destas instituições tem vindo a decrescer nestas últimas décadas. Por entre as razões por detrás de triste fenómeno político, está o facto destes movimentos se terem alienado de outras organizações, ou por terem perdido membros, porque entretanto esses desertores tinham arranjado "tachos" noutra associação - o que indica que não eram membros ideológicos. Também alguns dos líderes desses movimentos talvez não tivessem força suficiente para resistir à alienação, profetizada por alguns como iminente. Mesmo que alguns destes movimentos se tenham misturado nos costumes conformistas do status quo, muitas organizações mantiveram-se fiéis à sua ideologia e aos seus propósitos originais, resistindo ao teste do tempo. Exemplos são: o Partido Comunista Português, o Partido Trabalhista Inglês (com uma renovação graças ao seu novo líder, Jeremy Corbyn), o Partido Comunista Brasileiro, o Partido Comunista Japonês, o Sinn Féin na Irlanda, o Partido da Esquerda sueco, o Partido Comunista dos EUA e o Partido Socialista da República da Irlanda; só para nomear alguns. Também Bernie Sanders, nos EUA, tem lutado contra o estabelecimento metálico de Wall Street. Também a IMT (International Marxist Tendency), sediada em New York, tem feito um bom trabalho na defesa do Marxismo puro, e na defesa de figuras danificadas como Vladimir Lenine e Leon Trotsky. O IMT também se tem focado a denunciar os regimes e partidos estalinistas e maoistas como falsos socialismos.


Apesar de todos os turbulentos acontecimentos do século passado, e apesar de todos os tiranos que se imiscuíram na revolução proletária, factores esses que serviram como carrasco de Marx, ainda hoje há milhões de marxistas por esse mundo fora. 


Não escolhi ser socialista. Quando comecei a descobrir a política, e comecei pela portuguesa naturalmente, sempre achei que os que estavam no poder não faziam nada mais do que aplicar políticas não benéficas para o povo. Depois, mais tarde, após ter defendido as políticas das potências nórdicas, porque julgava que o mal residia somente no Sul da Europa, percebi que de facto existe uma ordem mundial que ao longo dos tempos tem gerido o sistema a seu belo proveito, colocando a população sob o manto da ignorância. Com isso, evidentemente, descobri que a política não tem só "maus", e identifiquei-me com os valores dos partidos esquerdistas: colectivismo, liberdade social, autoridade férrea na economia, defesa do serviço estatal, abolição do Mercado Livre, etc. Até que evoluí na estrutura das minhas ideias ao descobrir o Marxismo. Agora, mais do que nunca, o Socialismo faz sentido. Outra coisa importantíssima que aprendi com o Marxismo foi que são as massas revoltosas, bradando pelos seus direitos, os motores da mudança na História. O legado poderá ter sido refreado no século XX, mas cá estaremos no século XXI para retornar, sobretudo, o bom nome de Karl Marx à memória colectiva e alterar o paradigma mundial.


Por fim, gostaria de mencionar 12 grandes socialistas pioneiros, revolucionários e contemporâneos (ordem crescente consoante os contributos à ideologia, segundo a minha cabeça e jovem humilde opinião, claro): Jerónimo de Sousa, Jeremy Corbin, Bernie Sanders, Rosa Luxemburg, Franklin Roosevelt, José Saramago, Friedrich Engels, Álvaro Cunhal, Leon Trotsky, Vladimir Lenine, Noam Chomsky, Karl Marx."                                                                             

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Touradas e Cavalgadura Literária

"Quem não percebe a corrida [de touros] também não percebe a poesia, não percebe a literatura". Tristemente, foram estas as recentes considerações por parte de um histórico socialista português, por parte de um homem político, um poeta, pelo qual tenho uma vasta consideração. Manuel Alegre continua a ser relevante na cena política portuguesa porque pertence a um espectro quase extinto do PS - a ala esquerdista e socialista. Alegre tem sido sempre uma voz de grande legitimidade pela independência do seu pensamento e pelo facto de ter sempre resistido a incursões direitistas contraditórias por parte do seu Partido Socialista. Manuel Alegre, numa posição ainda mais invulgar (atrevo-me a dizer, única, dentro do seu partido), tem sido um contínuo defensor do ideário marxista. Eu, como socialista, estou imensamente grato.

E eu, eventualmente, poderia dedicar estas linhas a fazer um elogio defensivo a Manuel Alegre, mas enxergando e absorvendo a enormidade citada, que principia este texto, não o poderei fazer. Explicitar a admiração que tenho por Alegre já é muito bom. Ora, não discutindo a legitimidade ética e social das touradas - e não o farei neste momento porque entendo não possuir ética suficiente, para com os animais, para me lançar nesta discussão - compreenderei que, normalmente, os seus defensores aficcionados têm geralmente uma argumentação bastante falaciosa e, na pior das hipóteses, como é esta de Alegre, quadrada. Muito disse Alegre na sua campanha tauromáquica, e muito do que disse foi cercado por irrazoabilidade (e muito me estou a esforçar para ser cordial). Afirmou que o deputado do PAN, André Silva, mete mais medo que um touro bravo, por exemplo. Mas o coroar de todo este exercício de "lógica" de Alegre é, efectivamente, a frase que inicia este texto, e não levará muitas linhas a sua desconstrução. 

A literatura e a poesia são formas de cultura, são letras, são palavras, é o mecanismo que não permite que ideias e culturas inteiras caiam no esquecimento. É o conforto de nos encostarmos e ficarmos confortavelmente presos numa estória, numa narrativa, que nos convoca a um estado emocional ou intelectual superior. Tourada poderá ser muita coisa. Tradição é de certeza. Há quem argumente, até, que tourada é cultura. Sei, todavia, que não é literatura, porque nada do que representa é associável a tal domínio. Como afirmava Saramago, só uma forma cultural, só uma arte, pode ser ligada directamente à literatura. Fala ele, pois, da pintura. Saramago afirmava que os pintores, com seus pincéis, também produzem literatura, porque, no fundo, a ambição última dum escritor é  ilustrar imagens, transmitir uma mensagem - lógica esta que deveras me remete a Cesário Verde. A verdade é que a tourada (e isto não é necessariamente uma crítica) não pretende atingir nada disto. 

Alegre afirma que quem não aceita o seu ponto de vista não compreende a poesia e a literatura! Como é que Saramago - sendo um profundo e subtil crítico da tourada - ganhou um Nobel da Literatura? Terá sido por acidente? Claro que houve literatura que ilustrou touradas numa forma positiva. O romance Fiesta, do Nobel da Literatura Ernest Hemingway, é um bom exemplo. Mas este último argumento é tão válido como dizer "eu gosto de touradas como o Picasso", que nada, na essência, quer dizer. Mais interessante ainda: como gosto tanto de livros, como escrevi eu (sem qualquer presunção) tantos poemas, visto que sou de uma sub-espécie intelectual que "não percebe a corrida"?

Tudo isto é demasiado embaraçoso. Sempre me perguntei o porquê de aficcionados tauromáquicos produzirem este tipo de argumentos. Cabe ao cidadão comum, ao homem enquanto intelectual, evitar este tipo de retórica. E é neste ritmo de argumentação, neste cavalgar sobre os preceitos culturais que, de dia para dia, a tourada - devido à natural condição do seu espectáculo - vai desaparecendo cada vez mais das consciências.

Poder - Entre Ficção e Realidade

"Mutantes - nascidos com capacidades extraordinárias, e ainda assim, eles são crianças tropeçando nas trevas, procurando por orientação. Uma dádiva pode tornar-se numa maldição. Dá-lhes asas, e eles poderão voar demasiadamente perto do Sol. Dá-lhes o poder da profecia, e eles poderão viver temendo o futuro. Dá-lhes a maior entre todas as dádivas, poderes para lá da imaginação, e eles poderão assumir que estão designados para governar o mundo. [tradução própria do inglês]"

Este trecho foi proferido por uma personagem do universo X-Men, da cadeia cinemática da Marvel - o Professor Charles Xavier, na voz do actor James McAvoy -, e, quanto a mim, a sua profundidade vai para lá do que muita gente poderá admitir. Para ser construída esta ponte que eu sugiro - entre ficção e realidade -, convém explicar que, neste universo fictício, houve um novo grande salto na evolução humana, onde indivíduos com consideráveis capacidades começaram a nascer. Uns com o poder de regeneração, outros detendo controlo sobre os campos magnéticos, outros, ainda, com acesso aos canais psíquicos do cérebro (como é o caso do Professor X). Lógico será que tais capacidades geraram ambições de poder em domínios, por vezes, assustadores. Evidentemente - e é aqui que, com este texto, eu quero chegar - que se poderá atravessar uma ponte analógica entre a ficção da Marvel (os X-Men, mais especificamente, que eu considero ser a melhor franchise da Marvel) e a realidade dos nossos tempos - e quem diz os nossos diz também os outros que já foram, e os que estarão para vir. No nosso mundo também a dádiva da responsabilidade, do encargo, do poder, poderá ser uma maldição, não só para o seu detentor como também para aqueles que o rodeiam. Seja por isso que a História da Humanidade está inundada de guerras. Se pegarmos no trecho que eu citei, e substituirmos determinados termos por outros mais associáveis à nossa realidade, o fundamento das palavras de Charles Xavier, palavras essas que eu subscrevo, colam-se à realidade como o ferro quando atraído por íman. Realidade esta que não é muito apaziguadora.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Faltas sem Ética no Parlamento - O Estranho Caso Silvano

José Silvano e Emília Cerqueira, enaltecidos Deputados da Nação desse partido cheio de muita ordem, proposta e ideias alternativas, que é o PSD, andam a gozar com a cara do português. José Silvano e Emília Cerqueira atiram areia aos olhos do cidadão, vitimizam-se, atacam, ofendem quem trabalha, são indignos de exercer o órgão de soberania em que foram investidos. Silvano falta por duas vezes à sessão plenária, mas ainda assim consta como presente na lista de presenças. Enquanto Silvano se passeava por Vila Real e outros sítios, em trabalhos políticos com certeza, alguém, que se vai pelo nome de Emília Cerqueira, estava no parlamento a certificar-se de que Silvano era, ainda assim, marcado como presente. Silvano tinha de comparecer a uma Comissão, na AR (Assembleia da República), sobre a transparência política, e que faz ele? Marca presença e vai-se embora, agindo em completa impunidade, contorcendo e dispondo das regras da casa democrática onde trabalha. E para quê marcar uma presença no parlamento quando podia justificar essa falta com actividade política? Para, ainda assim, receber no bolso a compensação de 69 euros, por motivo de deslocação, da qual desfruta por burocraticamente residir em Vila Real.

Foi uma semana em que se viveu no mais obscuro mistério: como poderia Silvano ter duas presenças no Parlamento, sendo que, pelo menos fisicamente, nunca lá tinha estado essas duas vezes? Alguém teria acesso à sua palavra-passe de deputado que, de acordo com os estatutos da Assembleia da República, é intransmissível? O estranho caso de José Silvano foi descortinado pela sua testa de ferro sob forma de uma deputada, Emília Cerqueira, que, após ter sido apanhada pela comunicação social, primeiro negou e Sexta-feira finalmente confessou: foi esta senhora deputada que usou a palavra-passe secreta e intransmissível de José Silvano e lhe marcou a presença. Mas claro, a Emília não confessou isto de forma recta - ofendeu, resmungou, deu 15 minutos de conferência de imprensa completamente zangada, claramente contrariada por estar a esclarecer o país, e lá veio com a desculpa do "foi sem querer!", alegando ainda que, na AR, os deputados partilham, entre si, as suas palavras-passe INTRANSMISSÍVEIS, possivelmente para fins como este... que desordem e que falta de ética. Francisco Sá Carneiro teria vergonha destes deputados do partido que fundou! Mais ainda, esclareceram os serviços da AR, presididos por esse grande estadista que é o Ferro Rodrigues, que as palavras-passe são de facto intransmissíveis, mas podem ser partilhadas... Ora, para os Deputados da Nação, que mais significados haverá para "intransmissível"? Com a língua portuguesa não estarão a jogar, com certeza.

Sei eu muito bem o que aconteceria ao cidadão comum se mentisse como estas duas pessoas mentiram durante uma semana. Sei eu muito bem o que aconteceria ao cidadão comum se fizesse esta sorte de falcatruas no seu local de trabalho. O mais grave de tudo são duas coisas: a primeira é a forma como se mentiu compulsivamente sobre este caso, como Silvano e Cerqueira continuam a ir até ao tutano para saírem ilesos (e vão sair porque nenhuma penalização lhes cairá em cima); a segunda foi um grande silêncio generalizado que se sentiu por esse parlamento, e o silêncio sepulcral do Presidente Rotativo Marcelo - silêncio deste Chefe de Estado aliás incomum, visto que este está sempre a comentar casos concretos (e bem), mas este decidiu não comentar... claro, havia do Chefe de Estado meter ordem na Casa? Só se ouviu uma única voz plena e claramente crítica, naquele parlamento, a da Coordenadora do BE, Catarina Martins, que, e muito bem, classificou toda a situação como triste. E é muito triste. É de quase perder a esperança, ante a arrogância desta gente... mas o Verde da Bandeira da República determinou que é a Esperança a última a morrer.

Contudo, apesar da minha esperança, cego não estou, pois sei muito bem que tipo de gente habita o órgão legislativo do meu país, e quem desculpar isto é cúmplice, na mesma medida em que Silvano e Cerqueira são repositórios de uma culpa de vergonha. Começo a compreender porque é que há partidos que se tornam em autênticos desertos de ideias - andam a fazer umas batotas e esquecem-se das suas funções políticas. Também começo a perceber, com grande tristeza, quais foram as instalações da escola de corruptos como José Sócrates.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Que fazer da Defesa Nacional?

O pequeno texto reflectivo que se segue não é da minha autoria. Com a autorização do seu autor, partilho no meu blog um comentário feito, no Facebook, pelo dito autor a propósito duma notícia avançada pelo Jornal Público, na qual era afirmado que o Bloco de Esquerda considera "incompreensível o gasto de três milhões de euros nesta actividade [referente ao Dia da Defesa Nacional] quando há outras prioridades que não são contempladas no presente Orçamento de Estado". Mais afirma o BE que se deve repensar a "obrigatoriedade desta iniciativa". O autor chama-se Emanuel Beirão, é aluno de licenciatura em Ciências da Comunicação, na FCSH, e também é meu amigo pessoal. Confesso que ele materializou em palavras aquilo que já há muito pensava, mas que por enquanto só jiboiava no meu peito (ou na minha mente, como preferirem).

"Sim, é incompreensível gastar-se dinheiro e tempo com algo que parte do pressuposto de que todos os indivíduos concordam com a legitimidade das Forças Armadas. O Dia da Defesa Nacional é um teatro onde os artistas são pessoas do sexo masculino, que nos tentam induzir noções de patriotismo não fundamentadas. É um sítio onde se nota a autoridade e a ordem imposta pela força. É um local que motiva a repetição de desculpas militares descontextualizadas, através de regras impostas por homens que se legitimam como superiores aos outros. Enfim, todo um cenário tradicional e conservador que nos quer levar a pensar que os militares são a nossa segurança, simplesmente porque têm uma farda e armas ao seu dispor. No entanto, não deixo de elogiar as referências feitas à Defesa Nacional, quando esta é feita no sentido não militar, pois devemos preservar tudo o que temos ao nosso dispor de forma sustentável e humanitária. Para além disto, importa, também, fazer alusão às ideias distorcidas a que dão continuidade os responsáveis de saúde que vão ao DFN, por exemplo, ao avaliarem as drogas pela quantidade de utilização, estão a dizer que pode ser tão prejudicial uma utilização excessiva de marijuana como uma de cocaína, sabendo-se que os estudos indicam que é impossível morrer de overdose de canábis e que para isto acontecer, basta uma dose de cocaína ou de LSD. A obrigatoriedade deste dia constitui um pequeno exercício de autoritarismo e ataca as nossas liberdades individuais."

Fazendo uma ponte, achei curiosa a forma como o Presidente Rotativo Marcelo (que segundo parece tem sido especialista em pontes) excluiu qualquer ponto de vista anti-militarista ou ultra-pacifista, do panorama nacional, quando afirmou, no passado domingo, que aqueles que não consideram imprescindíveis as Forças Armadas, numa sociedade livre e segura, não perceberam nada do passado... Cada um olha para a História com os óculos que bem entender, mas o passado é aquilo que é!

sábado, 3 de novembro de 2018

Escuridão (poema)

Lanço este poema na comemoração do seu segundo aniversário. Escrito por mim, em Portalegre, num tempo já distante onde era outro quando o escrevi. Quanto a mim, permanece das coisas mais significativas que escrevi até hoje.

Os olhos são fechados
Os sentidos são redobrados
Em mim as Trevas pairam
Cheiramos, saboreamos, ouvimos e sentimos
Actuamos em base dos iluminismos
E de mim minhas memórias abalam

Escuridão é o autêntico dos Mundos,
Sem Sol para nos iluminar,
Sem artificialidade para nos contemplar
E sem orientação para nossos comandos.

A Luz é a revelação
Que embora tudo esteja no oculto,
Nossos ídolos, eles virão
E formarão nosso íntimo culto.

Não tenho medo do escuro.
Minha sanidade tem um furo.
Aprecio a honestidade nas pessoas.
Com luz, com os pássaros, voo!

Se as Trevas fossem separadas da Luz
A brutalidade da sociedade revelar-se-ia.
Eles bem que até se podem esconder com um capuz
Mas nunca poderão ocultar sua esquizofrenia.

Portanto, Grandes Líderes, hora de acordar
Enxerguem a multidão em luta
Porque quando este dia chegar
Não poderão ser salvos da força bruta!

A Escuridão descenderá sobre a Terra
E só os redimidos se iluminarão!
Purificada será esta terra
Que, por enquanto, nós pisamos em vão!

A memória é a força
Da nossa acção!
Temos de libertar-nos da Escuridão.
Tempo galopa como uma corça.

Mas eu fico imerso
Neste submundo diverso.
Uns já sentiram a Escuridão,
Outros jamais a sentirão.

Porque pensar significa sofrer
E quem me dera não saber,
Que cinzenta é a dimensão,
Mas eu sinto-me na Escuridão!

E desde que escrevi
Esta última linha
A esperança já não é minha,
Já faz parte a outro tempo que vivi.

A realidade de antes
Não é mais o agora.
Olho para muitos amantes
E não vejo a minha hora.

Foi um golpe muito violento
Perdi o equilíbrio e caí
Esta é a mudança que trás vento
Não foi o Vento da Mudança que eu senti

Porque nas Trevas não há vento
E eu já não aguento
E peço que ninguém me minta
Mas, creio, a verdade não foi dita

E assim permaneço na Escuridão
Vítima da minha própria opressão
E embora haja quem diz "Não"
Será o verdadeiro "eu" que terão!

E estou eu errante
Neste túnel deixando-me horrível.
Vejo o rio passar, incessante!
Descobri que a vida é irreversível

Aquilo que hoje é feito
É irreversível e nunca será desfeito
E se falhas naquilo que adoravas
Caminharás para o fecho de Trevas

O Fugitivo foi agarrado por ele!
Ele, o Senhor das Trevas, com seus olhos vermelhos
E é nesta ausência de luz, O Invencível!
Que apareça o revolucionário e dê Luz
E que a incida sobre estes mortos espelhos,
E ninguém precisa de Jesus!

Vem acima minha loucura
Numa tristeza sem cura,
Graças às circunstâncias - Escura!
No coração há uma faca que perfura!

No horizonte o Sol descende
Lá no alto a Lua colapsa
E só vemos o Lado Negro - Uma força!
Espero, revitalizo, mas a aurora não ascende

No obscuro silêncio há um grito
Esse grito é o silêncio.
O amor está hirto
Mas eu ainda te reverencio.

Há memórias que são desvanecidas
Há mortos que fazem disso vidas
Há apocalipse nas metrópoles
Sangue puro corre nas mãos deles

E ainda há literatura feliz
Numas vidas artificiais
Em que vós ignorantes viveis!
Sofrer platónico - Não quero mais

As sombras alastram-se na imensidão!
O Tempo pára para os seres
E estes espectros se adensam
Sem felicidades para veres

Caminhar na penumbra
Sem protecção que me cubra.
Meus amigos são o escudo
E eu de direcção mudo,
Mas não estou mudo
"Vocês, para longe da linha de fogo
No desconhecido muito há em jogo"

A Escuridão é indefinível,
Uma leitura não legível
Uma carta ao impossível
E peço que me deis luz

Sem dúvida que faz jus
A todas as espectativas criadas
E de todas as definições, sobre Trevas, dadas
São por mim estas as seleccionadas

Diferente dos outros, sobre estas Trevas
Eu caminho e quilometro este meio.
Reconciliação está no caminho que veio,
Etapa e corrida dolorosa deveras,
Mas quando me referi ao Final
Talvez fosse ao da Escuridão que me referia afinal.


22 de Outubro a 3 de Novembro de 2016