sábado, 10 de julho de 2021

Hitler Carismático

Este será o último trabalho, por mim realizado na minha licenciatura, a ser editado neste Blog. Foi elaborado para a cadeira opcional de História dos Fascismos, leccionada pelo Prof. Fernando Rosas e a Prof. Maria Alice Samara. Sendo um tema actual e geralmente apelativo para o público em geral, trata-se de um ensaio historiográfico sobre o carisma do Líder do III Reich alemão. Se não soubermos de onde vimos, não poderemos saber para onde vamos.


Introdução à Temática


Poderiam ser várias as razões que me impelem a escrever sobre o carisma daquele que é, certamente, uma das personagens históricas mais impactantes e, quanto a mim, tenebrosas, da História da humanidade. A minha razão prende-se, primeiramente, à curiosidade perante tal fenómeno que foi o Terceiro Reich, e o homem que foi a cara, não só deste regime, mas também da corrente ideológica que sustentou a filosofia da Alemanha bélica da 2ª Guerra Mundial (IIGM). Considero a compreensão do carisma de Adolf Hitler imprescindível para que também a ascensão do nazismo seja entendida, de forma clarividente. Também sei que o assunto do Nazismo, e os estudos biográficos de Hitler, estão entre os temas mais abordados pela historiografia dedicada à contemporaneidade, o que, tem as suas vertentes negativas – o facto de já imensa coisa ter sido escrita e dita, é uma delas -, mas também tem as suas vertentes positivas – a extensa informação bibliográfica sobre o tema, como meio para que novos entendimentos sejam trazidos à luz, é um exemplo.

Desde os tempos em que eu frequentava o 3º ciclo escolar, que a temática do Nazismo foi sempre um dos meus assuntos predilectos, relacionados com a História Contemporânea. Não pela adoração por aquele ideal de sociedade – estou a anos-luz de tais ideias -, nem pelo meu genuíno interesse por História política (que de facto existe), mas sim pelo assombramento que tal poder político (tão próximo dos nossos dias) me causa. Como é possível que tais princípios e valores tenham guiado a sociedade alemã, conduzindo a Europa às beiras do precipício? Bem sei que a Alemanha não foi a única nação governada por um poder fascista, mas estou convencido de que foi aí que o fascismo e os mais básicos princípios totalitários foram mais longe. Foram estas questões que me despertaram interesse por Adolf Hitler, enquanto homem, e pela sua maior arma pessoal, que usou para proveito da sua liderança sobre o Reich, e sobre o pensamento do povo alemão – o carisma.


Breves Considerações Biográficas sobre Hitler


Adolf Hitler nasceu no ano 1889, filho de Alois Schicklgruber e de Klara Polzl, na cidade de Braunau am Inn, no Império Austro-Húngaro. Relatos, e conhecimento concreto, sobre os seus primeiros anos de vida estão, ainda hoje, envoltos em grande mistificação, fruto da falta de dados históricos, e do excesso de “romantização” que Hitler e o regime nazi fizeram da infância do mesmo. Contudo, sabemos que o ambiente familiar estava longe do ideal para o desenvolvimento saudável duma criança. O pai Alois, treze anos antes do nascimento de Adolf, tinha alterado o seu apelido para Hitler – facto que o próprio Hitler viria a recordar como a maior herança que seu pai lhe deixou (é inegável, duma perspectiva estética, que Hitler soa muito melhor, para o grande público, do que o apelido original de Alois). Alois Hitler foi sempre descrito como um homem austero, autoritário e de uma grande falta de sentido de humor, que submetia esposa (que, por sinal, também era sobrinha) e filhos a arbitrárias violências. E, para os académicos, se era o pai demasiado violento, a mãe, Klara – mulher submissa, gentil, modesta, religiosamente devota -, era excessivamente zeladora dos seus filhos. (Kershaw, 2009, 23 - 24) Entretanto, o jovem Adolf, já com 12 anos de idade, possuidor de uma personalidade tão teimosa como o pai, viu-se em conflito com o progenitor, sobre o futuro que o jovem Hitler deveria seguir. Adolf ambicionava ser um pintor, um artista, e claro, para um funcionário público da baixa burguesia daqueles tempos, tal sonho não era tolerável. Contudo, os obstáculos paternos ao caminho de Adolf Hitler não se interpuseram durante muito mais tempo: em 1903, Alois falecia. A morte da mãe seguir-se-ia, prematuramente, em 1907, e este evento, certamente, terá pesado imenso no desenvolvimento da personalidade de Adolf. (Idem, 26) Mais dois acontecimentos, que terão moldado, absolutamente, a personalidade do jovem Hitler, são dignos de menção. A rejeição no ingresso na Academia de Belas Artes, em Viena, ainda no ano em que sua mãe faleceu – o encontro de Hitler com o primeiro grande “não” redondo (Idem, 27) - e a sua participação, como soldado ao serviço do Império Alemão, na IGM (Idem, 39)Considero útil o traçar destas breves características biográficas do jovem Hitler, porque sem tal não há bases para se compreender a personalidade carismática de Adolf Hitler enquanto Führer.


Breves Considerações sobre Carisma


Antes de me debruçar sobre o caso de estudo concreto, deste ensaio, será oportuna uma ligeira abordagem sobre este conceito que é o carisma. De acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa da Priberam, carisma – que provém da palavra grega khárisma, significando graça - é o “Grande prestígio de uma personalidade excepcional ou ascendente que ela exerce sobre outrem(https://dicionario.priberam.org/carisma), tendo ainda como definição, no caso concreto da ciência antropológica “Autoridade de um chefe fundada em certos dons sobrenaturais” (Idem). Esta segunda definição, que se relaciona com a primeira, diz-nos muito sobre o caso concreto de Adolf Hitler. De acordo com os estudos do antropólogo Charles Lindholm, Émile Durkheim (1858 – 1917. Sociólogo francês que, tal como Karl Marx e Max Weber, contribuiu para a fundação das Ciências Sociais) afirma que “determinados indivíduos podem de facto ser elevados a grandes latitudes e venerados como personificações do sagrado (...) Mas eles não são inovadores ou revolucionários. Aliás, eles são só bem-sucedidos na medida em que simbolizam a configuração social na qual estão inseridos [trad. própria](Lindholm, 2002, 37). O que Durkheim afirma também é que, ao contrário das relíquias sagradas, veneradas e seguidas por milhões de pessoas, estes líderes carismáticos têm motivações pessoais e capacidade de agir (ao passo que relíquias são meros objectos inanimados). São estes líderes que se fazem impor sobre a sociedade. (Idem, 38) Também Maximilian Weber (1864 – 1920. Sociólogo, filósofo e economista alemão) tem imensa coisa a dizer sobre carisma e autoridade. Na sua análise sobre o porquê de uma colectividade de pessoas se submeter ao domínio de uma liderança, Max Weber define três princípios fundamentais que conduzem a tal. Autoridade Tradicional; que é a legitimação da autoridade baseada em antigas e tradicionais normas sociais – exemplos são Monarcas ou líderes religiosos. Autoridade Racional-Legal; que é a legitimação baseada no poder investido sobre uma instituição ou cargo – exemplos são os cargos políticos de nominação eleitoral, ou a própria Lei. E por último temos um tipo de autoridade, em princípio, antagónico com os dois tipos anteriores, no qual hierarquia ou burocracia não são elementos em consideração: Autoridade Carismática. (Hofmann, 2016, 19) Max Weber define carisma desta forma, à luz daquilo que é Autoridade Carismática, em diferenciação aos dois anteriores tipos de autoridade: “uma certa qualidade, de uma personalidade individual, que por virtude é isolada do homem comum, e tratada como se estivesse imbuída com poderes, ou qualidades, sobrenaturais, sobre-humanas, ou pelo menos especificamente excepcionais (...) [tal personalidade é] reconhecida de origem divina ou modelar, e nas bases de tais origens o indivíduo abordado é tratado como um líder.(Eisenstadt & Weber, 1968, 48 in Hofmann, 2016, 20)


Hitler enquanto Pessoa Carismática


Já na sua juventude, Hitler era reconhecido como um indivíduo particularmente carismático, ou pelo menos com aquilo a que hoje se chama “dom da palavra”, seja lá isso o que for. Diz-nos Ian Kershaw, sobre a admiração que um amigo de juventude de Hitler, August Kubizek, tinha pelo jovem Adolf, que “estava cheio de admiração [Kubizek] pelo poder de expressão de Adolf. Quer Adolf lhe estivesse dando efusivas palestras sobre as deficiências dos funcionários públicos, professores, taxação local, lotarias de solidariedade, exibições de ópera, ou os edifícios públicos de Linz, Gustl [assim era a alcunha de Kubizek] estava mais cativado que nunca. Não apenas por aquilo que o amigo tinha a dizer, mas como o dizia, era aquilo que ele achava atractivo [trad. própria](Kershaw, 2009, 26). As considerações sobre um Hitler jovem e carismático nem sempre são consensuais, apesar daquilo que nos chegam como factos. Também bem conhecidas são as opiniões dos camaradas militares, do tempo da IGM, que nos falam de um indivíduo sem grande personalidade ou capacidade de liderança. Todavia, há que colocar tais considerações em contexto, e ter em conta que o crescimento do carisma de Hitler, junto do seu público, cresce com a sua progressão política. E para todos os efeitos, Hitler só desperta publicamente para a política em 1919, na cidade de Munique. (Idem, 37)

Independentemente do que terá sido Hitler na juventude (que também é importante ter em consideração), o homem que chega à década de 30, e que é o Führer do III Reich, é um autêntico génio carismático da oratória. Contra isso não há argumento que valha. A propósito da dimensão carismática, há um estudo bem recente, da autoria de Madeline Ward Buschang, que aborda precisamente o carisma de Hitler nos moldes de definição carismática sugeridos (anteriormente neste ensaio) por Durkheim e Max Weber. Buschang afirma que vários generais da cúpula do Reich alegavam serem enfeitiçados pela oratória de Hitler, levando-os a verem Hitler como um homem acima do natural. Buschang, citando um General chamado Crumwell, reitera que Hitler tinha, através do seu carisma, uma capacidade hipnótica sobre os seus ouvintes. Até sobre aqueles que, alegadamente, possuíam uma proeza intelectual superior à do Führer. (Buschang, 2018, 49) Contudo, este estudo de Buschang tem alguns problemas, uma vez que parece insistir na ideia do misticismo e da hipnose hitleriana, sobre o seus ouvintes, no domínio público e no domínio privado, diferentemente – uma vez que a psicologia determina que a retórica tem diferentes efeitos nesses distintos meios -, usando isso como base explicativa para boa parte do impacto do carisma de Hitler. Não me querendo intrometer em questões psicológicas, não será incoerente levar a sério, do ponto de vista científico, os efeitos hipnóticos como base explicativa à sua carismática persuasão oratória? O carisma já é definido pela sociologia como uma característica do indivíduo, que nada tem que ver com truques hipnóticos. Sendo verdade que um considerável conjunto de distintos ouvintes de Hitler, na esfera pública e privada, se sentiram envoltos num certo misticismo, ao ouvirem a sua voz ou ao olharem Hitler nos olhos, isso tem que ver só com mais uma característica do carisma, que é fazer acreditar o receptor (nos casos mais extremos) que a personalidade que ali está tem divindade em si, como, aliás, Max Weber defende (verificar capítulo anterior).

No registo do impacto carismático que um líder pode ter sobre os seus seguidores, Charles Lindholm dá um considerável relevo à teoria da Psicologia de Massas, no seu estudo sobre o Carisma escrito em 2002, dando um determinado cariz de personalidade colectiva a essa assistência que presencia, e se deixa influenciar pelo carisma do líder que, possivelmente como aconteceu com Hitler, adopta uma personificação transcendente. (Lindholm, 2002, 51 - 55) Independentemente dos efeitos psicológicos e/ou sociológicos que um carisma desmesurado poderá ter, é essencial compreender que Hitler não teria capitalizado, com seu carisma e sua oratória, tão eficientemente no povo alemão, não fosse a conjuntura em que a Alemanha se encontrava após a IGM. No meu entendimento, é precisamente o clima alemão do pós-guerra, e toda a humilhação, sentida pelo patriotismo alemão, que advém das imposições do Tratado de Versalhes, que vai permitir as vitórias eleitorais do Partido Nazi, e que vai permitir a Hitler ter uma praia para influenciar e cegar os alemães num único objectivo: o ressurgimento do imperialismo germânico. Não há Reich sem a persuasão carismática de Hitler, mas essa mesma persuasão alimenta-se do contexto socioeconómico da Alemanha.


A Máquina Oratória do Führer: os Discursos


São os discursos o elemento mais famoso do carisma de Hitler, e são, talvez, estes, o canal mais eficaz através do qual o Führer canalizava o poder dos seus apelos e da sua vontade carismática. Como tal, são impossíveis análises ao carisma do líder nazi sem ter em conta o fenómeno concreto dos seus discursos, e quais as ideias manifestadas nesses autênticos espectáculos do Nazi-Fascismo. Num discurso feito em Wilhelmshaven (cidade banhada pelo Mar do Norte, perto da fronteira neerlandesa e da cidade de Bremen) no dia 1 de Abril de 1939, a 5 meses da invasão da Polónia, e já com a Áustria e os Sudetas anexados à Alemanha, após fazer uma apologia à factualidade da revitalização da cidade costeira durante o período do Reich, e após um enquadramento, na perspectiva nazi, daquilo que tinha sido o caminho do antigo Império Alemão, duma posição pacifista para uma posição beligerante, e subsequente derrota do Império na IGM, o Führer do III Reich abordou aquele que era um dos seus principais argumentos contra Versalhes – o desarmamento da Alemanha: “Todos estavam obrigados a seguir este desarmamento. Também a época da diplomacia secreta tinha que terminar. Daí em diante, todos os problemas tinham que ser discutidos aberta e livremente (...) Quando a nossa nação baixou a suas armas, um período de supressão, chantagem, roubo e escravidão teve início. Nem mais uma palavra sobre paz sem vitorioso ou derrotado, mas uma interminável sentença de condenação aos derrotados. Nem mais uma palavra sobre justiça, mas sim de justiça num lado e injustiça e ilegalidade no outro [trad. própria do inglês](Discurso de Hitler em Wilhelmshaven, 01/04/1939). Este excerto é um exemplo de como Hitler apelava ao ódio e à revolta dos alemães, perante as nações vitoriosas da IGM. Hitler classificava as imposições de Versalhes como tirania, e defendia que uma nova Alemanha se tinha de erguer das cinzas, e iniciar uma frenética corrida ao armamento.

Um dos bodes expiatórios habituais do odio nazi, e das descargas de raiva protagonizadas nos discursos de Hitler – no objectivo de canalizar os esforços furiosos do preconceito, para com uma comunidade bem definida -, eram os judeus. Afirma Hitler em Wilhelmshaven: “Meus caros cidadãos, eu creio que todos os Estados vão enfrentar o problema que nós já enfrentámos. Estado após Estado vai cair perante a peste judaica bolchevique ou vai defender-se dela [trad. própria](Idem). De acordo com Hitler, neste discurso, um desses Estados que também tinha tido uma luta férrea com a “peste judaica bolchevique” tinha sido a Espanha. Segundo o Führer, imensos jovens alemães cumpriram um certo dever (que mais nada era do que os desígnios da máquina totalitária nazi) quando “apoiaram como voluntários a quebrar um regime tirânico e a devolver a uma nação o direito à auto-determinação [trad. própria] (Idem). Hitler não tinha só uma poderosa oratória, e não tinha só um talento incrível para apelar aos sentimentos negativos do seu povo. Hitler – à semelhança de muitas outras figuras políticas dos nossos dias, que não estão muito longe do Führer no espectro político – usava todo o género de argumentos falaciosos; como a parangona dos soldados voluntários; ou as supostas liberdades adquiridas por Espanha, após a vitória dos falangistas na Guerra Civil; ou até mesmo a conexão negativa estabelecida entre o povo judaico e os movimentos socialistas; para cegar a Alemanha no Pensamento Único de que o Fascismo era o único caminho e o povo judaico, assim como toda a Esquerda política mundial, eram os inimigos da Alemanha, e por conseguinte teria de haver uma Solução Final reservada para os seus destinos. E a verdade é que, graças ao seu carisma e à forma como Hitler o dizia, milhões acreditaram nele, e no Partido Nazi entregaram os desígnios da vontade alemã, deliberadamente. Este é o poder do carisma, quando usado por um péssimo génio.

Indo mais ao fundo das conjecturas de Adolf Hitler quanto ao perigo que o Marxismo representava para o povo germânico, e quais os estragos que, na visão do Führer, esta filosofia já tinha provocado na Alemanha, um discurso de Hitler, em 1933, no Congresso da Frente de Trabalho Alemão, é bastante esclarecedor a esse respeito. Hitler começa por afirmar que, no ano de início da IGM, o marxismo sofreu uma pesada derrota quando a classe trabalhadora abandonou essa filosofia e se entregou aos desígnios bélicos do Império, à semelhança, segundo Hitler, do que viria a acontecer com o Duce da Itália Fascista, Benito Mussolini. (Hitler, s. d., 44) Hitler – apoiando-se, como em muitas outras ocasiões, no elemento transcendente – afirma que “o operário alemão, numa súbita intuição interior – quási sou levado a dizer: vidente – abandonou o marxismo e voltou para o seu Povo(Idem, 44). É interessante reparar que, muitos líderes políticos do Século XXI, afectos à Direita ultranacionalista e ultraconservadora, através de fontes intermédias cuja única génese ideológica é o anti-marxismo, se limitam a repetir aquilo que Hitler vociferou há várias décadas. Tome-se o exemplo: “assim teríamos abatido todo aquele que se negasse (...) a prestar o seu serviço á Pátria [durante a IGM] (...) Foi um crime não se ter procedido assim. Não se fez, porque isso ofenderia o sentido intrínseco do marxismo; pois êle não queria senão aniquilar a Alemanha(Idem, 45). Tudo o que é preciso é vasculhar nas redes sociais, ou no YouTube, ou, por raras vezes, ligar a televisão, ou até mesmo consultar obras de neofascistas como Olavo de Carvalho (um dos precursores desta Alt-Right do Século XXI), para ficarmos assombrados perante as semelhanças no discurso. E também isto faz parte do carisma. A capacidade de fazer com que argumentos, e retórica, continuem a ser repetidos (mas não replicados) várias décadas depois da morte. Digo “não replicados” porque é precisamente essa a singularidade de Hitler: é impossível imitar tamanho colosso oratório. Ele tinha um estilo único, baseado no ódio e na raiva, e na mente daqueles cujo mais profundo desígnio é o derrube da Democracia, – e do marxismo em particular – o fervor hitleriano subsiste. Claro que Hitler conseguia levar o totalitarismo do Pensamento Único aos limites, afirmando “considero o aniquilamento do marxismo como sendo a minha missão perante a História alemã, isso não constitui para mim nenhuma frase ôca, mas sim um juramento sagrado que cumprirei até exalar o último suspiro(Idem, 49). E porque o marxismo não era o único inimigo aos desígnios totalitários do nazi-fascismo, todos os demais tinham de perecer nas chamas do Führer: “Bismarck declarou outrora que o liberalismo era o precursor da social-democracia. Não preciso de dizer aqui que a social-democracia é o precursor do comunismo. O Comunismo por sua vez, porém, é o precursor da morte, da morte do Povo, do sossôbro.(Idem, 51). Ninguém que não pensasse como o Fascismo, portanto, podia ficar vivo. Pondo de parte o Holocausto e a IIGM, o que mais me choca relativamente à Alemanha Nazi, à luz da citação anterior, era o Partido governante declarar-se nacional-socialista.

Uma questão interessantíssima que eu gostava de levantar brevemente era a religiosidade de Hitler. Considero uma boa questão a ser levantada devido; à quantidade de imagens cristãs que Hitler usava nos seus discursos, e, portanto, eram parte da máquina carismática do mesmo – havendo quem argumente que era um simples mecanismo que Hitler usava para apelar ao povo alemão e cristão -; e devido àqueles que argumentam que Hitler não tinha nada de cristão, ainda que tenha assinado uma Concordata com a Santa Sé. Christopher Hitchens (1949 – 2011. Jornalista, autor, professor universitário, anglo-americano, proeminente figura nos movimentos da New Left e do Ateísmo Moderno) afirma que, à semelhança de Mussolini, Hitler era um católico. (Cross Examined. (2011, Maio 23). Does God Exist? (Frank Turek vs Christopher Hitchens) [Arquivo de vídeo]) Por outro lado, determinadas instituições de segurança e espionagem, contemporâneas do Führer, tinham uma opinião ligeiramente diferente da de Hitchens. Segundo um relatório da Central Inteligence Agency, datado de 3 de Dezembro de 1942, e liberto ao público em 18 de Maio de 2000, cujo prepósito era traçar uma análise psicológica-biográfica do Führer do Reich, Hitler acreditava “no método da Igreja Católica, que sabe como construir um mundo mental, através de uma constante e periódica repetição durante todo o ano de determinadas passagens nas Escrituras (...) seu totalitarismo anticristão surgiu devido à influência de Hess (Rudolf Hess. 1894 – 1987. Proeminente membro do Partido Nazi, nomeado Vice Führer do III Reich em 1933) e Rosenberg (Alfred Rosenberg. 1893 – 1946. Ministro do Reich para os Territórios Orientais Ocupados e proeminente ideólogo do Partido Nazi) durante o seu encarceramento [trad. própria](Field, 1943, 26 - 27). Chegar a conclusões relativamente a este aspecto da personalidade de Hitler é difícil, e o tema mantém-se polémico, em todo caso, ao longo do tempo enquanto Hitler foi o Führer do III Reich, as imagens cristãs e teístas foram sempre parte da sua retórica e do seu mecanismo carismático. Tal é verificável no seu discurso, no Congresso da Frente de Trabalho Alemão, em 1933 (Hitler, s. d., 45), e até no discurso da Declaração de Guerra aos EUA, no Reichstag. (Discurso de Hitler no Reichstag, declarando guerra aos EUA, 11/12/1941)


O Esteticismo Hitleriano 

(É um conceito que, desde que comecei a escrever este ensaio, me tem assaltado a mente. Procurei pela existência do conceito, mas não o encontrei em lado algum. Assim sendo, com a devida modéstia, julgo que seja apropriada a consideração do conceito para que também a conjuntura do Hitler carismático seja compreendida.)


Este último capítulo, para além de ser conclusivo, é também o mais pessoal entre todos. É assegurado pela historiografia que a estética totalitária foi um dos mecanismos que regimes fascistas ou estalinistas usaram para cativar as massas, quer fosse através da arte, ou através da construção dum Culto de Personalidade. Aquilo que eu chamo como Esteticismo Hitleriano, tem que ver com a segunda alternativa, mas não totalmente. Pessoalmente, pondo ideologias e valores humanos de lado, vestindo-me com um manto esteticista – arte pela arte -, sempre achei que os discursos de Adolf Hitler têm um poder, uma energia e uma estética que quase jamais voltei a ver. Eu sou capaz de visualizar discursos de Hitler pelo simples intuito de os ver. Se os ler, simplesmente, assemelham-se a mais um manifesto fascista – embora muito melhor escrito do que a maioria deles – e causam-me uma repulsa ideológica. Todavia, se eu visualizar o discurso (com legendas que eu compreenda, de preferência) há um outro efeito estético, que me diz: “é assim que se comunica perante uma multidão, de milhares ou de milhões”. E sou capaz de apreciar a oratória hitleriana pela simples arte da oratória. Os gestos com as mãos, a voz, umas vezes calma, outras vezes trovejante, a linguagem corporal, a forma como cada palavra é dita, as expressões faciais. (Youtube. (2016, Maio 29). Hitler Speeches with accurate English subtitles Extended [Arquivo de vídeo]) Desde que visualizo discursos de Hitler me fui apercebendo de cada um destes aspectos respeitantes a este esteticismo nos discursos dele. Claro que excelentes edições de imagem ajudaram esta estética. O Triumfh des Willens (1935) da realização da Leni Riefenstahl é o melhor exemplo da aliança entre tratamento da imagem filmográfica e os discursos do Führer. Tudo isto que eu abordei, a propósito do Esteticismo Hitleriano, parte dum único núcleo: o Carisma. As pessoas ficam cativadas pelo Hitler discursivo devido ao carisma do mesmo. Eu não sou excepção. A Estética que eu encontro na arte oratória do Führer tem uma razão de ser: carisma.

Um outro elemento nos discursos de Hitler – com paralelos aos discursos de políticos como Donald Trump (o qual não classifico como neofascista) ou Jair Bolsonaro – é a honestidade com que falam. São oradores (claro que Hitler, retoricamente, é muito superior aos outros dois mencionados) que não estão preocupados com formalismos. Dois bons exemplos de Hitler, nesse aspecto: um foi quando, num discurso, que eu não consigo localizar isoladamente, o Führer afirmou “Muitos de vós poderão não me perdoar por eu ter abolido os partidos marxistas, mas eu também aboli todos os demais(Idem); outro foi quando, numa intervenção no Reichstag, em 1938, Hitler, invocando uma exigência que o Presidente norte-americano Franklin Roosevelt, tinha emitido, para que a Alemanha não reiniciasse uma política imperialista, limitou-se a responder que o Reich anexaria qualquer nação, de qualquer parte do mundo, que desejasse ser germânica. (Historical Speeches TV. (2015, Maio 27). Hitler Reichstag discurso Roosevelt [Arquivo de vídeo])

Todas as conclusões que este ensaio estava concebido para tirar – que se prendem, essencialmente, com o significado do carisma hitleriano, e quais os elementos por detrás de tal – já foram trazidas à luz. Posso afirmar com certezas, que dentro da quadra dos ditadores fascistas (com Franco, Salazar e Mussolini), Hitler era o mais carismático e o orador superior entre os quatro. Franco era demasiado banal. Mussolini era excessivamente dramático, e pouco natural. Salazar era demasiado aborrecido, e tinha um discurso muito pouco inteligível para a maioria da sociedade portuguesa da época. Também na mesa foram postas questões que julgo pertinentes manterem-se na discussão, não só historiográfica, mas também do grande público. O objectivo deste ensaio nunca foi um enaltecimento nazi, muito pelo contrário.


Bibliografia

Fontes

Discurso de Hitler no Reichstag, declarando guerra aos EUA, 11/12/1941. Disponível em https://www.jewishvirtuallibrary.org/hitler-s-speech-declaring-war-against-the-united-states. Consultado em Maio de 2019

Discurso de Hitler em Wilhelmshaven, 01/04/1939. Disponível em http://www.hitler.org/speeches/04-01-39.html. Consultado em Maio de 2019

Field, Henry. Central Inteligence Agency. (1943). Biographical Sketches of Hitler and Himmler. Disponível em https://www.cia.gov/library/readingroom/docs/HITLER%2C%20ADOLF_0001.pdf. Consultado em Maio de 2019

Historical Speeches TV. (2015, Maio 27). Hitler Reichstag discurso Roosevelt [Arquivo de vídeo]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=qQpInuRECoY&t=8s. Consultado em Maio de 2019

Youtube. (2016, Maio 29). Hitler Speeches with accurate English subtitles Extended [Arquivo de vídeo]. Disponível em https://www.youtube.com/watchv=QXNxUiVZO5s&bpctr=1559159579. Consultado em Maio de 2019

Estudos/Obras

Buschang, Madeline Ward (2018). The Power of Hitler’s Rheoric: A case study of the german generals of WWII. Austin: University of Texas.

Hitler, Adolf (s. d.). A Jovem Alemanha quer Trabalho e Paz: Discursos do Chanceler Adolf Hitler, guia da nova Alemanha. Berlim: Liebheit & Thiesen.

Hofmann, David C. (2016). The Influence of Charismatic Authority on Operational Strategies and Attack Outcomes of Terrorist Groups: Jornal of Strategic Security, Vol. 9 N. 2.

Kershaw, Ian (2009). Hitler (2ª ed.). London: Penguin Books.

Lindholm, Charles (2002). Charisma. S.l.: s. ed.

Webgrafia

Cross Examined. (2011, Maio 23). Does God Exist? (Frank Turek vs Christopher Hitchens) [Arquivo de vídeo]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=S7WBEJJlYWU. Consultado em Maio de 2019

https://dicionario.priberam.org/carisma. Consultado em Maio de 2019