segunda-feira, 27 de maio de 2019

Numa nota pessoal

Numa nota pessoal - à semelhança de outras que virão, brevemente, com data marcada -, quem aqui escreve tem, de momento, muitas poucas certezas. Sem certezas sobre o que aí vem. Sem certezas sobre o altruísmo humano (e o seu em particular). Sem certezas se está bom ou mau tempo. Todavia, a falta de certezas que aqui traz quem escreve, a esta nota pessoal, é a incerteza sobre o ofício da escrita. Quem aqui escreve, portanto, está sem certezas se aquilo que escreve tem inteligência, ou tem eficácia a chegar à mente de quem lê, ou, até, se tem valor estético e/ou literário.

Quem aqui escreve tem pensado nos últimos dias se tem, se quer, competência para conduzir este blog que já viu meses mais dinâmicos. Quem aqui escreve não consegue ter certezas, na raiz das suas capacidades, se tem as aptidões literárias e comunicativas bastantes, conduzidas pela sua paixão pela Língua Portuguesa, que lhe valha a consideração de cidadão português que tem domínio pelo próprio idioma. Quem escreve já teve mais certezas quanto a isto. Para alguém que adora ler, escrever, comunicar com outras pessoas, são dúvidas que, quando surgidas, provocam uma grande agitação intelectual e um grande complexo de incerteza e de auto-crítica, que tornam o próprio adormecimento um acto ainda mais complicado do que já é. Então quem aqui escreve dá por si a pensar: será que José Saramago, o Nobel da Literatura, que nunca necessitou de frequentar o Ensino Superior (eventualmente gostaria, mas na juventude nunca reuniu as condições financeiras para isso) para ser um colosso da Língua Portuguesa, alguma vez colocou as suas aptidões literárias e comunicativas em causa? Será que George Orwell, ou Christopher Hitchens, enquanto escreviam os seus ensaios, construídos por imensa vivência e investigação, alguma vez puseram os seus talentos, e as suas canetas em causa? Não estou a ver Hitchens, no pináculo da sua irreverente presunção saudável, a colocar em causa a construção das suas frases. E Fernando Pessoa? Será que ele se quer algum dia parou para pensar que escrever não era para ele? Eu, caminhando sobre os ombros destes gigantes, tenho de me colocar em causa.

E de onde vem isto? De onde vem esta epifania de interrogações ante a própria essência estética desta escrita em português? Estas questões são pulsadas por quem, de estatuto mais elevado, dita sentenças sobre que estilo de escrita entra, ou não entra, nos portões da Academia. São questões postas eventualmente ao longo da estrada. Há palavras duras. Há palavras suaves. Há palavras cujo único desígnio, nem destrutivo, nem construtivo, queira ou não queira o seu transmissor, é implantar a dúvida. É semear a estática. Remete-me a esta extraordinária frase do Professor Albus Dumbledore: "Words are, in my not so humble opinion, our most inexhaustible source of magic, capable of both inflicting injury and remedying it". Por irónico que seja, este que aqui escreve, que, apesar da jovem idade, faz de tudo para continuar a escrever em português e não em acordês, coloca dúvidas à sua própria escrita - e já houve tempos em que ousou sonhar que poderia aqui estar o novo grito da Literatura Portuguesa -, através de alheios terceiros que nunca ousaram um segundo para o conhecer.

E agora um par de olhos observa o que aqui está escrito, e pensa: "isto não está mau de todo"... mas já não tem certezas a esse respeito.

Talvez, numa escala de 0 a 4, isto não valha mais que um -1, ou um -2... talvez.

domingo, 26 de maio de 2019

Eleições Europeias 2019

Qual é o problema destas Eleições? Qual é o problema do Parlamento Europeu? Qual é o problema da União Europeia? Quanto à última questão, bem que valia uma dissertação enorme, desde o Euro, o sistema altamente burocrático, a Comissão Europeia, até ao Banco Central Europeu. Quanto às outras duas questões, existe um problema grave e comum, que é um dos entraves à democracia na União Europeia (talvez o problema mais grave da própria UE). O Parlamento Europeu, que devia ser o todo do Poder Legislativo de toda a UE - à semelhança do funcionamento dos demais sistemas ditos democráticos -, não representa, na UE, nem metade desse Poder. A razão para tal deficiência democrática prende-se no facto do Parlamento Europeu não ter qualquer iniciativa legislativa. Quem avança com legislação é a Comissão Europeia, e o Parlamento Europeu limita-se a aprovar ou negar legislação. De resto, pouco mais pode fazer. Portanto, o problema destas eleições reside exactamente aí. A única intervenção real dos cidadãos europeus no funcionamento desta UE é na eleição do corpo legislativo que nem corpo legislativo é.

E porquê tamanha abstenção nestas eleições? A verdade é que boa parte dos cidadãos europeus - e poderei falar, em concreto, dos cidadãos da República Portuguesa, visto que é o caso mais perto da minha pessoa - não sentem qualquer proximidade por parte do poder político da União nas suas comunidades, muito menos têm qualquer género de impressão de qual é a relevância que esta União tem nas suas vidas. No meio de toda esta confusão, há duas partes que aqui falham. Falha a UE - talvez até propositadamente - porque não se esforça para se aproximar, universalmente, de toda a sociedade europeia, porque tem dirigentes cheios de uma prepotência e arrogância, que vivem na fantasia de que os 28 estados-membros têm de lhe pertencer invariavelmente, e porque tem (propositadamente, certamente) um sistema político não democrático. Quem manda nesta UE são os burocratas, as corporações económicas, e dois estados-membros que são capazes de submeter quase todos os outros à sua vontade socioeconómica. Mas também falham as pessoas que estão mais preocupadas em ficar em casa e não votar naqueles que propõem uma alteração a este estado de coisas. Há descontentamento? Percebo perfeitamente. Mas quem se abstém porque não encontra qualquer razão de ser nestas Eleições, que vote naqueles que querem expandir a democracia da UE aos cidadãos europeus. Todos eles!

Quanto a mim. Claro que já fui votar, sem grande esperança, evidentemente. Quando olho para a Europa e tudo o que vejo é o ódio de ultra-nacionalistas ou a prepotência de liberais e conservadores, tal paisagem não permite grande esperança para futuros romantizados como aqueles que Pedro Marques e Paulo Rangel querem vender às pessoas. Os debates neste país foram, em grande parte, conquistados por assuntos que morrem de importância, em comparação com os assuntos que realmente importam nesta Europa: a desigualdade económica; o poder desmesurado do sistema bancário face ao poder democrático e político; as alterações climáticas; as crises humanitárias; o fundamentalismo religioso; o racismo; a misoginia; a homofobia; e a falta de democracia na UE. O CDS, o PS, o PSD, os partidos que controlam a nossa cena política, preferiram continuar a discutir a baixa política deste país. O André Ventura, como se espera de gente como ele, preferiu a destilação de veneno e o seu contínuo debate pseudo-desportivo na pior televisão que esta Nação já viu - o que, felizmente, não o vai levar a lado algum. A minha decisão de voto também não foi fácil. Havia três partidos à Esquerda que me fizeram pensar. Com a CDU excluída - graças ao candidato demasiadamente moderado e vazio ideologicamente (cada vez se esquece mais o marxismo no PCP, infelizmente, pois talvez mais valia ser o PEV a lançar os candidatos principais nesta coligação), e também graças ao próprio conservadorismo social e à política externa do mesmo, que deixa muito a desejar -, o Bloco de Esquerda, o Partido Livre, do Professor Rui Tavares, e o Movimento Alternativa Socialista, foram o leque da minha escolha. Acabei por excluir o MAS devido à falta de bases dum partido muito bem intencionado, no qual eu também não conheço as pessoas. A decisão final seria entre o Livre e o BE. Ambos defendem mudanças profundas no sistema da UE, incluindo no Parlamento. O Livre, partido eco-socialista e libertário, tinha os pontos a favor por eu ter maior confiança no Rui Tavares do que na Marisa Matias (apesar de eu respeitar e ter apreciação pela eurodeputada). O BE tinha os pontos a favor pela dimensão do partido e por defender os meus valores ideológicos e políticos. Uma pessoa, um voto, e no final, com toda a consideração por outros partidos, aos quais desejo sorte, a cruz foi assinalada no Bloco de Esquerda.

O que é que vai mudar na UE? Os liberais e conservadores vão manter a sua prepotência, e vão continuar a tomar conta da União. Aí, tudo na mesma. Mas os ultra-nacionalistas da Direita vão formar uma enorme família política no Parlamento. Que a Razão nos ajude.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Afinal, a carreira dos professores jaz na gaveta

Atingimos, por fim, através das poeiras da dissimulação e da névoa da hipocrisia, a síntese do mais recente conflito social neste país, inserido numa conjuntura maior a que os marxistas, e eu, chamamos de Luta de Classes. É isso precisamente o que se passou nos últimos dias. Assistimos ao funcionamento duma pequeníssima engrenagem desta Máquina que há milénios marca a evolução da Civilização Humana. E a sujidade do desfecho desta tensão só pode ser rivalizada pela completa ausência de honestidade por parte de duas entidades políticas, com assento na Assembleia da República, envolvidas neste evento. Para o leitor que ainda não apanhou sobre o que escrevo eu, falo do triste circo a que a carreira dos professores foi sujeita.

Um sumário do que se desenrolou ao longo de todo este processo: Há mais de três décadas que o corpo docente de Portugal está em luta, sai às ruas, exige maior consideração e respeito, exige melhores salários, e mais recentemente (com o Governo desse grande crápula impune que é José Sócrates), um descongelamento na progressão das suas carreiras, com vista aos seus anos de precioso serviço à Sociedade serem reconhecidos. Quer no Governo de Sócrates, ou no Governo de Passos Coelho e Paulo Portas, ou no actual Governo de António Costa, a luta dos professores tem sido incansável. Portanto, há de facto, nesta nação, uma desvalorização daquilo que significa ser professor, e essa desvalorização reflecte-se sob formas variadas: nos salários baixos comparados com o trabalho que os professores exercem, no respeito por parte da sociedade, no prestígio não reconhecido, e na ausência de evolução das suas carreiras enquanto profissionais. Aqueles que isto negam não têm a mínima ideia sobre o porquê do Ensino e Formação. E para esses já escreverei adiante. Relativamente ao que se desenrolou nos últimos dias. Tivemos, numa Comissão Parlamentar, a aprovação por parte da Esquerda - PCP, PEV e BE - e da Direita - PSD e CDS - uma proposta de lei que determinava o reconhecimento dos famosos 9 anos, 4 meses e 2 dias de carreira dos professores, proposta essa pronta a ser votada na generalidade perante todo o Parlamento. A bancada parlamentar do PS e o Governo (PS) estavam rigidamente contra, apelidando a proposta de inconsequente, irresponsável, etc. Logo a seguir, o Primeiro-Ministro de Portugal, num número que só pode ser comparado a uma grande birra, a 5 meses da Eleições Legislativas, ameaçou com a demissão do Governo. Os Media, em êxtase com a estória, perguntaram a todos os partidos o que se estava a passar - falou-se inclusive numa Crise Política - e o PSD e o CDS garantiram que não iam mudar o sentido de voto que já tinham anunciado para o generalidade. Neste ponto convém chamar a atenção para quatro coisas: (1) a probabilidade grande que havia para se convocarem Eleições Legislativas antecipadas; (2) o facto dos sindicatos e da Esquerda estarem finalmente a ter uma importante vitória política; (3) a total incoerência da Direita, uma vez que jamais defendeu tais propostas políticas (e toda a gente sabe que aquilo foi puro oportunismo político, com vista ao derrube do Governo), ainda assim a Esquerda e os Professores agradecem; (4) os professores finalmente iam ver justiça, dando esperança a todos os trabalhadores. Quero também chamar a atenção para a sincera felicidade em que eu estava embrulhado. É muito raro ver nem que seja um 'quase' da concretização duma fantástica proposta como esta. Mas tudo isto era bom demais para ser verdade. Tudo começou com tímidos anúncios, e revelou-se hoje, quando o PSD e o CDS esclareceram que afinal vão mudar o sentido de voto, e que a progressão nas carreiras dos professores pode jazer numa qualquer gaveta. A verdade é que eu não devia ficar surpreendido com isto, com estas manobras da Direita, com o status quo a funcionar. Nas questões de fundo, o Arco do Governo regressa sempre à acção. E assim, nem o Governo se vai, nem a Direita me consegue impressionar, nem é feita Justiça aos professores.

Abordando um sujeito que escapou aos pingos da chuva: a pessoa do Presidente da República. Calado se mostrou, calado se manteve. Raríssimo, devo dizer. Só faltou dizer, em voz de múmia, "não faço comentários sobre aquilo que quer que seja" para parecer o Professor Cavaco Silva. Bem, não conhecemos de facto o que Marcelo pensou sobre tudo isto, e assim se manteve, pseudo-indiscortinável, para com nada se comprometer. Mas, caso a Direita nunca tivesse ido para a barricada do costume, e a proposta tivesse sido aprovada na AR, Marcelo, no seu poder de Chefe de Estado, teria dado um veto à Lei, e mesmo que a proposta lhe regressasse às mãos, já teria alterações. Iria justificá-lo com a alegada inconstitucionalidade da proposta, mas as suas motivações seriam puramente políticas. E nem se iria preocupar muito com a perca de popularidade. Nunca foi entre os professores que Marcelo recolheu o sumo da sua base de apoio.

Então, e porque é que os professores são assim tão importantes? Alguns trabalhadores - num vício a que o próprio Karl Marx fez questão de analisar durante o século XIX - até afirmam que "se para nós não há, para os professores também não", demonstrando uma impressionante falta de solidariedade laboral na Luta contra um mal comum. Relativamente à importância dos professores na sociedade, eu até responderia "vão perguntar aos Nórdicos e vejam como lá, na Escandinávia, um docente é tratado", mas até poderei responder, de facto: Sem professores não há formação intelectual e cívica na Sociedade, e quando não temos escolas e faculdades, somos todos reduzidos à improdutividade, à ineficiência e à barbárie. É o respeito e investimento no Ensino um dos denominadores comuns entre os Estados pacíficos e socialmente mais igualitários e justos. Basta olhar para os números. Para além do mais, o professor do Século XXI chega a ser mais do que "só" isso, é também psicólogo de jovens, e administrador burocrático. 

Claro que eu não estou a dizer que toda a docência é perfeita. Há profissionais mais ou menos competentes (já me cruzei inclusive com um ou outro professor terrível), mas é por isso que também a formação de professores e a criação duma sociedade mais civilizada são elementos essenciais. E que ninguém se iluda. Possivelmente por ter havido gente que se considerou massacrada pelos Lusíadas, ou pela Mensagem, ou pela Matemática, ou pela História, a docência está entre as profissões mais odiadas deste país.

E nem vale a pena o leitor, que não concordar com isto e me conhecer pessoalmente (ou não, uma vez que vai ler o que se segue), ripostar com argumento "só dizes isso porque a tua mãe é professora e tu pensas exercer a profissão durante alguns anos". Digo desde já: as minhas convicções quanto a questões laborais são universais para todos os trabalhadores, mas podemos começar por algum lado, por uma das profissões mais mal tratadas deste país, e ao mesmo tempo, uma das mais protestantes quanto a essa realidade. Como Marx e Engels sugeriram em 1848, na Luta por uma vida melhor, os trabalhadores de todo o mundo devem unir-se.

domingo, 5 de maio de 2019

Regresso às Lutas Antigas: a cavalo das considerações de Bento XVI

Referente à revolução cultural da década de 60 - na qual havia uma nova forma das massas olharem para a sexualidade -, o ex-Papa Bento XVI (que se lhe chame agora Joseph Ratzinger) tem a dizer que "os padrões vinculados à sexualidade colapsaram", num documento de 18 páginas por si escrito, no qual o antigo pontífice reflecte sobre estas questões e os massivos casos de pedofilia que têm sido descobertos nas últimas décadas na Igreja Católica. Isto foi notícia do Jornal Público, dia 11 de Abril. De acordo com a notícia, Ratzinger, jamais desarmando da sua investida, afirmou que o fenómeno da "total liberdade sexual" da Contracultura está "fortemente relacionado a esse colapso mental". Ratzinger também prosseguiu com umas ladainhas sobre a teologia da Igreja ter sido refreada por esta demoníaca mudança cultural e, como diriam os americanos, throwing caution to the window, decidiu, descendo a pico - qual ave de rapina -, num golpe torpe, cercado de analogia e comparação falaciosa, lançar esta tirada: "em vários seminários foram estabelecidos grupos homossexuais que actuavam mais ou menos abertamente, o que mudou completamente o clima que se vivia".

Ratzinger consegue ser bem mais sinistro que isto. Como fundamentalista católico que é, dois grandes alvos sempre estiveram na mira do ex-Papa - assim como estão na mira de demais correlegionários do clérigo reformado: os marxistas, e a sua visão satânica sobre a Economia e a História; e, claro está, o bode expiatório deste esclarecedor ensaio, os homossexuais (ou qualquer coisa relacionada com isso). O raciocínio de Joseph Ratzinger, que é altamente similar a outros tantos argumentos ainda usados - quer seja em congressos restritos ou nas belas caixas de comentário de jornais, na web -, passa por uma analogia entre: aquilo que foi a liberação da sociedade de dogmas morais religiosos - dogmas esses que banem não só a homossexualidade como também o simples uso do preservativo, ou até mesmo diversas posições sexuais -, liberação essa que de facto começou a ter lugar na sociedade internacional, em força, nos anos 60; e o 'surto' de pedofilia que, segundo o senhor padre, invadiu a Igreja Católica. Ratzinger argumenta que a suposta degeneração da Contracultura deu origem à actual crise de valores da Igreja.

Os anos 60, e o seu Movimento da Contracultura (que ainda se estende nos 70), são uma das razões de ser deste blog devido a imensas razões. Mas não será necessário ir mais longe que o símbolo que representa este blog, para se notar uma ligação entre os anos 60 e o Pensatório da Divisão. Assim sendo, convém afirmar que os anos 60 trouxeram mudanças profundas, e desde já elenco selectas: a liberação sexual de que falei; protestos globais contra a guerra - caso mais famoso, a Guerra do Vietname - e as armas nucleares (John Lennon, Albert Einstein e Bertrand Russell foram activista proeminentes nestas causas); consciência ambientalista, que ainda era muito esmorecida na altura; e todo um grande número de movimentos artísticos, entre os quais principiam os Beatles, o Bob Dylan, o David Bowie, os Pink Floyd ou os Doors, por exemplo; o Movimento dos Direitos Civis nos EUA, no qual Martin Luther King, Malcolm X e as Stonewall Riots são ícones. Só coisas boas, devo dizer! Limpando assim a sujidade, prevaricada pelo ex-Papa, do nome da Contracultura, abordo, finalizando, os argumentos concretos de Ratzinger.

A homossexualidade, para além de sempre ter sido uma realidade presente na Humanidade, sempre esteve presente no seio católico. O historiador medievalista francês Jacques Le Goff, faz questão de clarificar, na sua História do Ocidente Medieval, a existência de práticas homossexuais nesse tempo histórico, dentro da Igreja inclusive. Também sabemos que o abuso de crianças é, infelizmente, tão recuado quanto tudo isto. Portanto, quando Ratzinger vem a público afirmar que a homossexualidade é uma doença que se massifica nos anos 60, e que contamina a saúde do Catolicismo, introduzindo esta prática na Igreja, perpetuando a pedofilia, falando duma actuação de grupos homossexuais (quase como se fossem uma máfia), está não só a ser intelectualmente desonesto quanto à História, como também está a usar um grupo social como bode expiatório a ser culpado pelos crimes que se praticam na Igreja Católica. Como se homossexualidade e pedofilia fossem conceitos idênticos. Sabemos que a pedofilia não é uma questão de orientação sexual, é antes um estado psicológico grave, e que surge tanto num formato heterossexual ou homossexual. Será desnecessário dizer, mas eu digo-o ainda assim: estes argumentos, que revelam que o ex-Papa não quer encarar o núcleo do problema, e que prefere antes prosseguir com a sua sanha persecutória, são típicos dum fascista, e é isso mesmo que esse indivíduo sempre foi.

O que vemos confirmado com isto? O medo que o Catolicismo enquanto instituição - e todas as três religiões abraâmicas em especial - sempre teve do sexo e da sexualidade. Confirma também a ainda existente mentalidade de algumas cabeças. Se o pastor incita na direcção do precipício da ignorância, o mais certo é ovelhas irem atrás. Felizmente, tais ovelhas são cada vez menos. Reconheço a dureza das minhas palavras, mas usar todo um grupo social como carne para canhão, influenciando de forma irresponsável a cabeça de muita gente, não só incita ao ódio como também é um ataque a uma das melhores coisas que aconteceram na História Contemporânea: o Movimento da Contracultura da Década de 60.

Disclaimer: quando me refiro a instituições em geral, falo da sua cúpula. Há certamente elementos que fogem às tristes vicissitudes.

(Quando a poeira acalmar - ainda há muita no ar, levantada propositadamente por muita gente - escreverei sobre a questão dos 9 anos, 4 meses, 2 dias.)