quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Rooftop Beatles is Golden

Foi há 50 anos que o maior (falo de dimensão, de tamanho da influência) entre todos os actos musicais da História da Humanidade, uma banda de Rock britânica chamada The Beatles, se despediu formalmente (mas de forma muito pouco formal, como eu gosto) do público. Foi o último concerto dos Beatles, no topo dum edifício em Londres, que de legalidade teve muito pouco, mas o Movimento da Contracultura, esse que ostentou o mesmo símbolo que preenche o wallpaper deste blog, nunca se regeu necessariamente pelo tradicionalismo e pelas legalidades da autoridade... o que deu ao evento musical um toque mágico que para sempre ficará na posteridade. Das gravações que ficaram disponíveis, que permitiram ao mundo ouvir este curtain call, a minha parte favorita é quando os Fab Four tocam o Don't Let Me Down. É fantástico. Foi o primeiro concerto dos Beatles desde meados da década de 60 - mesmo antes de entrarem na sua fase experimental e psicadélica, aquela onde eles começaram a mexer com as fronteiras musicais, que se estenderia até à dissolução - e o último de sempre. Após isto, foi o lançamento do álbum Let it Be no ano seguinte (que já tinha sido gravado em 1968), com o qual John Lennon teve muito pouco a ver devido as já existentes querelas com o resto da banda - querelas essas que começaram a surgir com a morte prematura do manager Brian Epstein em 1967 -, e a dissolução da banda no mesmo ano em que o Let it Be é lançado. Pensar nos anos 70 e 80 com Beatles seria todo um outro "admirável mundo novo". Assistir, ouvir, uma reunião dos Fab Four, no novo Yankees Stadium por exemplo, ou simplesmente no topo de outro qualquer edifício, no século XXI, é um grande sonho inconcretizável de qualquer apaixonado pelo Rock clássico... infelizmente, foi-nos roubada a voz do John Lennon (e fará 40 anos no próximo ano) e o cancro privou-nos dos talentos musicais, na guitarra ou na voz, de George Harrison, em 2003 - por sinal, o triste ano da morte de Johnny Cash. Todavia, apesar deste vazio que foi deixado pela morte, apesar do fim efémero deste fenómeno mundial chamado The Beatles - nasceu com os anúncios da Contracultura, morreu quando esta começou a perder alento - há duas coisas que a mim me consolam: o facto do Paul McCartney continuar nos palcos, e melhor que meio mundo; e o facto de todos os dias ter a musicalidade deles os quatro ao alcance dos meus tímpanos.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Crime na Fábrica da Robinson

Faz hoje uma semana que teve lugar, na Cidade de Portalegre, um crime contra o património e a cultura, não só da nossa cidade, mas também um crime contra um legado que diz respeito a toda uma nação, ainda que o Estado, para todos os efeitos, não o reconheça como tal. Sim!, é um crime, um atentado como colocou o Partido Comunista, sem meias palavras, sem eufemismos, sem esponjas por cima de assuntos.

Já tive hipótese, ao longo dos anos, de visitar a Fábrica da Robinson e de interagir com a Fundação, cuja obrigação é a defesa e promoção do legado cultural dessa mesma fábrica. Uma fábrica que foi um centro de desenvolvimento económico do Concelho. Uma fábrica onde esteve presente a luta e o sacrifício dos operários, pela cidade e sobretudo pelas suas famílias. Uma fábrica que foi o grande símbolo da Cidade Branca nos últimos 100 anos. E ruínas duma fábrica cujo potencial de perpetuação cultural, em benefício da memória histórica e dos portalegrenses, é tão evidente que só os mais intelectualmente brutos não compreenderão. A ideia de haver uma Fundação Robinson, que proteja este património histórico, só tem de fazer sentido - é algo que qualquer cidade desenvolvida, no país ou no mundo, tem a preocupação de fazer. O problema, quanto a mim, prende-se com a questão da tutela da Fundação. Ora, presentemente, é tutelada pela Câmara Municipal de Portalegre, e como temos tido a oportunidade de observar, os resultados - devido sobretudo aos sucessivos Executivos ruinosos da Câmara - foram tumulares para o património. A solução imediata que eu vislumbro, e que gente que já esteve ligada à fundação vislumbra, é a Fundação passar a ser tutela directa do Ministério da Cultura, retirando-a do jugo de interesses, esquemas e comprometimentos que assombram este Concelho. Mas é preciso que quem de direito, e os portalegrenses claro, promovam tal solução.

Há uma razão clara para as preocupações que exponho no parágrafo anterior. A razão é obviamente o crime de que falo: a demolição abrupta e danificadora de parte do edifício da Fábrica, segundo consegui saber, promovida pelo Presidente do Conselho de Administração da Fundação, José Manuel Faria Paixão, à revelia dos procedimentos democráticos do Conselho e dos seus membros. A situação não é grave, somente, pelo facto dos ditos procedimentos democráticos que estão inerentes à Fundação terem sido desrespeitados, é antes de mais grave pelo facto de ter sido demolido um edifício, e sem qualquer cautela para com o material arqueológico industrial - nomeadamente relíquias de máquinas, que representam um legado patrimonial. Eu duvido que o Sr. Paixão tenha consciência daquilo que fez. O Sr. Paixão é o grande responsável pelo dano causado a várias máquinas e ao património da Robinson, e por isso não reúne condições para se quer pisar aquele espaço. Mais: as demolições não tiveram a supervisão de uma única pessoa competente (um arqueólogo ou especialista do género), o que significa um total desprezo pela mão científica e conhecedora destes assuntos.

Noutro plano, também o Jornal Alto Alentejo esteve terrivelmente mal. Quem leu a edição de hoje terá tido hipótese de, antes de mais, enxergar a capa, que por si só já é uma vergonha jornalística, no domínio da mínima imparcialidade que tal profissão requer, e veja-se o exemplo seguinte, dizendo em destaque: "Polémica na Robinson - PEV acusa Fundação de «crime contra o património»... resta saber qual património". Qual património? O Alto Alentejo está a gozar com a cara dos portalegrenses? As históricas torres fumosas que se destacam sobre a cidade não significam nada para estes jornalistas? Eu peço paciência para com as considerações, não conheço o Presidente do Conselho da Fundação, não conheço um único jornalista do Alto Alentejo, mas isto é boçalidade cultural. Representa a cru a rudez intelectual que circunda todo este problema! Para não falar que o jornal nem se dignou a dar lugar, na capa, à menção do excelente e esclarecedor texto que o professor Gonçalo Pacheco escreveu... e conheço bem as intenções por detrás disso. 

Em notas informativas, asseguro que, ao contrário do que o Sr. Paixão já afirmou, as fotografias divulgadas pela ex arqueóloga na Fundação, Susana Pacheco, não são de há um ano, são sim de há uma semana, e sei-o porque estive nas imediações da Fábrica na noite seguinte, numa festa que tinha lugar no parque de estacionamento da Escola de Hotelaria, e pude ver o crime com os meus olhos - eu e as centenas que por lá passaram. Asseguro também que, ao contrário do que se possa pensar, o lugar de Susana Pacheco na Fundação em nada se deveu à presença do professor Gonçalo Pacheco no Conselho de Administração. A Susana Pacheco para lá entrou antes de todo o redemoinho das Eleições Autárquicas, antes do professor Pacheco ter alguma coisa a ver com a Fundação, e lá se manteve até há uma semana, depois da resignação do professor Pacheco. E há quem se pergunte porquê... pois bem, Susana Pacheco tem um mestrado em arqueologia industrial, pela FCSH, essa qualificação é suficiente! Desprezar o trabalho e lealdade ao património da Fábrica, de Susana Pacheco, é desprezar os jovens que tentam ajudar a erguer esta cidade. Desprezar o trabalho de Gonçalo Pacheco na administração da Fundação é desprezar qualquer trabalho honesto e contínuo ao serviço de Portalegre, e mais uma vez recomendo a leitura do seu texto, relativamente a este assunto - de facto escreve quem disto sabe -, que não só está disponível no Jornal Alto Alentejo, como também na página Facebook do mesmo. Para mais afirmo, e esta nota é especial para mentes mais paranóicas, que nem Susana ou Gonçalo Pacheco fazem parte duma conspiração comunista, nem eles têm algo a ver com o PCP... portanto, que morra de vez esse boato.

Toda esta situação é triste e desmoralizante. A forma como toda esta questão se tornou partidária, quando não tinha de o ser, é negativa para um esforço colectivo em prol do Património. Desde miúdo me lembro de contemplar, desde a janela do meu quarto ou da Praça da República, a majestade cultural daquelas chaminés-torres. Lembro-me de imbuir-me do legado e o potencial que pulsa nas raízes da minha cidade - quer seja em árvores, fábricas, escolas, poesias ou ruas -, do sítio que foi o meu início e que será o meu fim, e vê-lo ser desrespeitado por administradores e jornais é quase como me cuspirem na cara. O apelo que eu faço é ao salvamento do património de Portalegre, e se alguém de direito considerar que a minha modesta mas genuína ajuda é útil, não hesite em informar-me.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Terrorismo de Género, por Frederico Lourenço

Considerei escrever sobre o manifesto saloio, da actual Ministra da Família e dos Direitos Humanos de Bolsonaro, cujas intenções por trás de "menino veste azul, menina veste rosa" são bastante mais obscuras, bem mais ideológicas, e reveladoras, do que muitos pensam. Há uma boa franja da sociedade brasileira que não será contemplada na protecção deste Ministério. Não quero saber de estórias de embalar. Isto vindo da ministra dos direitos humanos é preocupante. A ameaça do Pensamento Único que integra a ordem social idealizada por esta gente aí está. Todavia, não vou escrever sobre isto. Considero antes mais útil a leitura duma publicação, sobre este tema, feita por um dos maiores especialistas no Helenismo e em traduções bíblicas do país, o Professor Frederico Lourenço, na sua página do Facebook, que aqui cito na íntegra:

"Terrorismo de género

Sim. O menino que vêem na fotografia sou eu [fotografia do Prof. Frederico Lourenço, em criança, apontando uma pistola à câmara, com um esgar sério]. Foi tirada no Portugal pardacento de Salazar, quando os rapazes estavam proibidos de ter comportamentos de menina.

Eu nunca fui um rapaz masculino: interessava-me mil vezes mais observar as minhas avós a fazer lindas colchas brancas em croché do que uma coisa que eu já na altura considerava acéfala e boçal (futebol, desculpem). Eu queria aprender a fazer croché, mas, nas férias que passávamos em Portugal, os mais velhos insistiam comigo para eu fazer coisas de rapaz. Ninguém me queria ensinar croché (muito menos tricô, que exigia o manejo genial de duas agulhas!) e deram-me um brinquedo de rapaz para as mãos: uma pistola.

Não me apaixonei pela pistola, mas ficou a fotografia - tirada pelo meu avô como espécie de comprovativo documental de que eu não era maricas. Mas eu era. E sou. E o pior para Salazares e Bolsonaros é que adoro ser homossexual. Não quereria ser heterossexual por nada deste mundo, porque a pessoa que eu sou é intrinsecamente gay. Não sinto culpa, não sinto vergonha de gostar sexualmente de pessoas do mesmo sexo. É algo que me define e que eu amo.

No entanto, chegar ao amor pela minha própria homossexualidade não foi um caminho fácil. Porque fui vítima do terrorismo de género. Fala-se (sem conhecimento) de «ideologia de género», mas muito pior é o terrorismo de género. Eu e tantos rapazes da minha geração (e de mais novas, infelizmente) fomos sujeitos a um autêntico terrorismo psicológico. «Não sejas maricas». «Não fales com essa voz apaneleirada». «Comporta-te como um homem». «Pareces uma menina».

O decurso da minha adolescência foi uma desaprendizagem relativamente à pessoa que eu verdadeiramente sou. Fiz tudo e mais alguma coisa para não parecer maricas - mas é claro que um pássaro não pode mudar de penas, como tão bem se diz em inglês. E eu nunca consegui deixar a 100% de ser «apaneleirado» na minha maneira de falar e de me mexer. O meu primeiro namorado, dez anos mais velho do que eu e ele próprio vítima de terrorismo de género bem pior do que todo aquele que eu sofri, dava-me dicas constantemente para eu «não parecer maricas». Era sempre: «não fales assim, não digas isso, não segures assim o cigarro, não pegues assim no copo, não te rias assim».

Por outras palavras: «não sejas tu».

Este terrorismo de género foi de tal modo marcante na minha psique que ainda hoje apanho um choque quando me vejo na televisão: eu que pensava ter conquistado a arte de ser «straight acting» vejo, com olhar crítico, o mesmo maricas que eu era em criança. Não consegui, com quase 56 anos, extirpar de mim o paneleiro. Paciência.

Triste triste é o que vejo à minha volta neste nosso Portugal de 2019: vejo ainda hoje gays armariados por toda a parte, a fingir desesperadamente que são heterossexuais; e não são só pessoas da minha geração. São rapazes novos, na faixa dos 20 e dos 30. A internet está cheia de recantos onde a comunidade gay afirma coisas como «não gosto de efeminados», «não gosto de passivos» e, mais espantoso ainda, «não gosto de versáteis» (os heterossexuais que me estão a ler que desculpem a terminologia técnica).

O ideal dentro da comunidade gay continua a ser o homossexual que se comporta como heterossexual, que é «masculino», que não tem «trejeitos». Continua o incentivo à não assunção da própria sexualidade - porque o terrorismo de género continua, vivo da silva, tão tóxico e pernicioso como era quando eu era um rapazinho português no fascismo de Salazar, a quem os adultos deram uma pistola para as mãos para se sentirem menos angustiados pelo facto de terem de educar um menino que olhava fascinado para as mulheres a fazer croché, que se entediava de morte com futebol e que não era capaz de falar com «voz de homem».

Menino esse cujas cores preferidas eram (e são ainda) cor de rosa e azul. Porque a realidade não é tão dicotómica como os fanáticos querem que pensemos. Não é uma questão de rosa ou azul; de futebol ou croché; de ballet ou andebol. A sensibilidade humana é mais subtil do que isso.

Combatamos é a tremenda desonestidade que está por trás do termo pejorativo «ideologia de género» e foquemos a nossa atenção em fazer frente àquilo que é verdadeiramente abominável: o terrorismo de género. Não me forcem a ser quem eu não sou. Cada pessoa humana tem o direito de ser quem é."

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Machado na TV

A aparição do líder da Nova Ordem Social (o nome da organização até dá arrepios) Mário Machado, no programa matinal da TVI, Você na TV, causou vasta indignação entre uma franja da sociedade portuguesa, entre os quais está a minha corrente política. A indignação face à própria possibilidade de uma carreira política para Mário Machado é compreensível. O ideário desta nova organização - que reflecte a própria ideologia por detrás de Machado - assenta em pressupostos ultra-nacionalistas de racismo e xenofobia, nos quais a democracia, a liberdade social e a equidade meritocrática económica, entre os cidadãos, estão comprometidas. Uma síntese para esta organização de "ultras" da Direita política descreve-se em um nome: António de Oliveira Salazar.

Mário Machado e a sua Nova Ordem Social querem regressar a um Portugal fascista (a recusa da democracia por eles é clara quando se referem aos restantes como "os democratas") que espelhe a visão corporativista, ultra-conservadora social e ultra-nacionalista de Salazar. Evidentemente, ninguém que preze a democracia e a liberdade individual, no seu perfeito juízo, quererá algo deste género! Mas sabendo o que é a organização, e sabendo o que é o passado violento e criminal, de associação a grupos Nazis, de Mário Machado, que se aborde a questão ética do momento: foi correcto o Você na TV encenar aquela entrevista?

Eu confesso que, tendo em conta como Manuel Luís Goucha conduziu a conversa, essa tal indignação a mim não me assistiu. Poderá parecer mentira, mas terei mesmo que 
pela primeira vez tirar meio chapéu a Goucha, equacionando só aqueles minutos de conversa. Machado foi confrontado com factos históricos básicos e elementares, remontando ao Estado Novo e à 2ª Guerra Mundial e na prática encolheu-se, fazendo-se passar por um rapazinho simpático que apenas gosta muito do Professor Salazar. O jornalista que estava ao lado dele é um idiota revelado. Sendo ele um funcionário num órgão de comunicação social independente, afirmou que Salazar poderá ter tido um papel positivo na instauração da ordem e da autoridade no país. Pelos vistos também cá há malta que quer vender a liberdade por essa tal ordem. Todo aquele teatro de Machado não me convenceu, de qualquer das formas, ele dificilmente promoveu a sua imagem. O ambiente não esteve muito propício para isso. O coroar de todo este teatro foi quando o Goucha, afirmando que vivia com um homem há vinte anos, perguntou se Machado tinha algum problema com isso, e Machado respondeu: "Se tivesse não estaria aqui". Eu desmanchei-me à gargalhada! Eu também posso ser um camaleão se me apetecer. Qualquer um pode olhar para o passado recente do indivíduo Machado e achará a resposta, ou tão revoltante, ou tão hilariante como eu a achei.

Portanto, a TVI tem a liberdade de convidar indivíduos de toda a estirpe política. Liberdade de expressão em democracia é isso mesmo. Já expressei ponto de vista similar no texto A Web Summit é organizada por fascistas?. Em simultâneo, assistimos em televisão o quanto ridículo um fascista pode realmente ser, só com o intuito de parecer amigo de todas as minorias, desfazendo-se à pressa do seu traje nazi. Posso estar a parecer demasiado optimista, mas a entrevista deu-me genuína graça. E garanto a quem estiver a ler isto que os "ultras" da Direita não vão vingar neste país de Língua Portuguesa, mas isso será assunto para daqui a poucos meses.

E, claro, Bom Ano Novo 2019... de acordo com o calendário gregoriano. Bem que podia ser o ano 2771 e estarmos a pouco mais de três meses de fazer a passagem para o ano 2772, mas Cultura e História são isso mesmo.

Feliz Ano Novo, e aí estaremos