sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Desmistificações do Marxismo Cultural

Em Defesa do Intelecto

O tema do marxismo cultural chegava perfeitamente para uma tese de doutoramento, quer seja sobre as suas origens, quer seja sobre o impacto que a ideia tem na Extrema-Direita dos nossos dias (ou Alt-Right, se for preferível). A pessoa, não familiarizada com o específico conceito, tem toda a legitimidade para se achar confusa com uma equação desta natureza, que junta Direita e Marxismo. A realidade é que foram movimentos reaccionários que deram vida ao conceito. Mas qual é o seu significado?

Como digo, um estudo colossal a propósito disto poderá um dia ser feito, mas muitas introduções já foram feitas, e para lá do mar obscuro de mistificações, já muita luz foi incidida sobre o assunto. Há um artigo conciso, escrito para o jornal inglês The Guardian há quase cinco anos, autoria de Jason Wilson, que pode iniciar-nos no conceito. Marxismo cultural é, portanto, uma teoria da conspiração - quero afirmar que, a este respeito, há aquelas que têm fundamentos, e há outras que não têm um único, como é esta exemplo - que afirma que existe uma conspiração mundial, promovida por marxistas, com o objectivo de minar a civilização ocidental, chamando-nos Wilson à atenção para o facto de que esta teoria da conspiração grosso modo envolve sempre a participação dos judeus como sendo esses marxistas conspiradores. Não o afirmo só porque Wilson o afirma. Eu próprio tive oportunidade, inúmeras vezes, de constatar a existência dessa crença, quer seja nas mirabolantes secções de comentário dos jornais, no Facebook, ou até em determinado conteúdo publicado no YouTube. Isso para não falar dos inúmeros sites e blogs dedicados a garantir a continuidade futura desta teoria. A procura na Internet é rápida e simples.

Indo ao cerne da questão, Wilson diz-nos que os antecedentes directos desta teoria remontam ao início do século passado. Segundo ele (e devo dizer que juntando o puzzle tem todo o sentido) a Alt-Right forjou o conceito a partir da seguinte circunstância histórica: "Quando a revolução socialista falhou em materializar-se para lá da União Soviética [eu digo que nem aí se materializou, mas isso é outra história], pensadores marxistas como Antonio Gramsci e Georg Lukacs [nomes que neste blog não são estranhos] tentaram explicar porquê. As suas sugestões foram que a cultura e a religião enublaram o desejo do proletariado por revolta, e que a solução passaria pelos marxistas que fariam a 'longa marcha pelas instituições' - universidades e escolas, administração governamental e media - para que os valores culturais fossem transformados desde o topo" [trad. própria]. Desde aqui, Wilson leva-nos até aos intelectualmente produtivos tempos da Escola de Frankfurt (que surgiu como resposta duma Nova Esquerda, aos três fenómenos políticos internacionais da sua época, a Grande Depressão nos EUA, o Fascismo na Europa, e o Totalitarismo na URSS, sinteticamente falando), na qual os seus académicos teorizaram que "a chave para destruir o capitalismo seria fazer uma mescla de Marx e Freud, uma vez que os trabalhadores não estavam só oprimidos economicamente, mas arregimentados ordeiramente através da repressão sexual e outras convenções sociais. O problema não era só o capitalismo enquanto sistema económico, mas também a família [no que à sua concepção tradicional e abraâmica concerne], hierarquias de género, sexualidade normal [entenda-se normatividade exclusiva da heterossexualidade] - em suma, toda a panóplia de valores tradicionais ocidentais" [trad. própria, Wilson]. 

Convém explicar que, aquando da ascensão de Hitler e do III Reich, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Theodor Adorno - citando apenas alguns entre os proeminentes da Escola de Frankfurt - tiveram de rapidamente abandonar a Alemanha - pois não só qualquer pensamento marxista como também o simples facto de ser judeu, ou ter descendência de judeus como era o caso dos três, era suficiente para justificar a encarceração e liquidação - e instalaram-se nos EUA, em New York, local para onde transferiram o Instituto para Pesquisa Social, a Academia dos frankfurtianos. E é neste ponto que tudo começa! Os indivíduos que desenvolveram esta teoria da conspiração afirmam que, uma vez a Escola de Frankfurt estando instalada nos EUA, minaram as instituições norte-americanas, a todos os níveis, desde as universidades até ao cinema de Hollywood, promovendo e instaurando, nas sombras, ideário que tinha como objectivo "destruir valores cristãos tradicionais e liberdade empresarial", e tal ideário circunscreve-se ao "feminismo, multiculturalismo, direitos gay e ateísmo" [trad. própria, Wilson]. Devo neste ponto chamar atenção para a tremenda ignorância dos promotores desta teoria, cujo objectivo nunca foi olhar para a realidade como ela é, mas sim, desenhar um quadro maquiavélico de conspiração mundial perpetuada pelos defensores das ideias antagónicas às posições totalitárias dos fascistas. Vejamos: apesar de ser verdade que os valores há pouco citados ganharam enorme poder de reivindicação, durante a Contracultura dos anos 60 (com o esmagador movimento dos Direitos Civis e do desarmamento nuclear), nenhum deles é uma invenção do Século XX. O Feminismo foi um conceito de igualdade de género, fundado no Século XIX, pelo socialista utópico Charles Fourier. O multiculturalismo, visto enquanto fenómeno positivo, já tem largos séculos, sendo muito difícil localizar o seu alvor - não obstante ter ganho grande dimensão com os séculos XVIII e XIX. Os direitos para a homossexualidade, enquanto surgimento político, remontam ao pensamento hedonista dos iluministas radicais - como Rousseau - tendo sido a Revolução Francesa (1789) o primeiro fenómeno histórico a entrar em tais domínios. O ateísmo remonta, pelo menos, até à Grécia Antiga, tendo ganho os contornos argumentativos dos nossos tempos, através de inúmeros pensadores, quer socialistas, anarquistas ou iluministas, no Século XIX. Em todo caso, é totalmente verdade que a visão neo-marxista da Escola de Frankfurt promoveu tais premissas no Século XX. Aos frankfurtianos há que agradecer a riqueza científica e argumentativa que trouxeram à mesa da defesa de tais direitos, assim como sendo um dos responsáveis pela aurora da New Left (Nova Esquerda), todavia, a ideia de que tudo fazia parte dum plano maquiavélico, por parte dum punhado de intelectuais, para subverter a ordem mundial, é alucinante. Wilson, no seu artigo, coloca a seguinte proposição na mesa que, quanto a mim, somente no campo da Lógica, faz desmoronar qualquer aspiração (por parte dos desgraçados que inventaram a rocambolesca teoria, claro) da veracidade do marxismo cultural: "Se as faculdades humanísticas estão realmente engendradas para lavar o cérebro dos estudantes a aceitarem os postulados da ideologia da extrema-esquerda, a composição dos parlamentos ocidentais e presidências e o sucesso tonitruante do capitalismo corporativo sugerem que eles estão a fazer um impressionante mau trabalho. Quem quer que enxergue as últimas três décadas de política vai considerar bizarro que alguém possa interpretar tal como o triunfo de uma esquerda omnipotente" [trad. própria, Wilson].

Sobre este assunto, Wilson chama-nos à atenção para outro aspecto que, para além de eu achar pertinente, também acho sombrio. A lógica do forjamento e aproveitamento do falso Protocolo dos Sábios de Sião - documento congeminado por proto-fascistas, que justificou a perseguição do Nazismo aos judeus, que falava duma conspiração mundial dos judeus para subverter o Mundo - é similar ao forjamento desta teoria de marxismo cultural. E a primeira teoria tresloucada está associada com a segunda. Ambas implicam anti-semitismo. Ambas propagam o medo do Anticristo, que, efectivamente, não existe. Tudo o que existe são tentativas do mais absoluto Totalitarismo fazer vingar a sua retórica e praxis. Tudo o que existe é a tragédia a pairar nestas cabeças, repelentes à própria intelectualidade, vendo o mundo a transformar-se, apercebendo-se que o medo do Inferno é cada vez menos vivo. Vendo que o controlo sobre os povos da Terra está cada vez mais distante do pulso dos seus desígnios tirânicos e inquisitoriais (embora os povos da Terra estejam sujeitos a outro tipo de circunstâncias, não conspirativas, palpáveis sim, orgânicas, natureza do próprio sistema de produção económica). E quem são eles? Eles têm rosto e nome! Ao contrário da ordem de pensamento deles, não joga aqui nenhuma ciência oculta. Um deles é o guru da Alt-Right, e um dos maiores divulgadores desta teoria. O seu nome é Olavo de Carvalho.

Em Defesa da Cultura

O Olavo, nascido no Brasil, é um pobre frustrado no meio intelectual. Nunca produziu obra académica significativa. Nunca foi convidado para uma grande universidade. Vive da sua influência junto dos seus seguidores, como é exemplo o actual Presidente do Brasil. Vive também do vilipendiar de grandes nomes da Ciência, como Dawkins, Hawking, Kinsey, Einstein, Darwin ou Newton. Por sinal, o Olavo considera que os defensores da proposição de que a Terra é plana e não redonda (porque ainda há crackpots deste estilo) têm razão em muitos pontos - mais um hino à sua santa ignorância. Vive também da astrologia e da miríade infindável de disparates escritos e ditos... Enfim, em tempos um jovem comunista arrependido (imagine-se onde já ouvi eu isto), que sucumbiu aos deleites da cidade de Richmond, na Virginia, EUA.


Ora, a pessoa leitora, na eventualidade de aqui ter chegado, perguntar-se-á, para quê tamanha hostilidade da minha parte, para com esse senhor já idoso? Por tudo o que já foi aqui escrito. É suficiente... e, todavia, por mais uma coisa. Para o Olavo, a Esquerda só não se combate com o cárcere porque tal faria de nós esquerdistas mártires, o que lhe seria inconveniente. O Olavo, após uma vida de raciocínio a motor de carvão, entendeu que a Esquerda se deve combater mediante a simples e rudimentar humilhação, para que nem os passeios sejam abrigo seguro para nós, esquerdistas. O plano de génio do Olavo é o princípio do ódio. Promover o ódio para que o hipotético esquerdista nunca mais queira aparecer à rua. É só impressão minha ou este texto tem mesmo um fio condutor?

Bem, acontece que muitos já foram alvo deste indivíduo, que nunca se dignou a apresentar-se em debate público (wonder why). Um grupo de quatro rapazes foram há bem pouco tempo vilipendiados por um insignificante qualquer, nomeado para um lugar qualquer ligado à cultura, pelo Capitão Bolsonaro. Acontece que as críticas que a pobre alma expressou - devo avisar que o coitado é compositor - já tinham sido papagueadas em ata do evangelho pelo mestre Olavo. E de que falo eu? Falo das atrocidades ditas sobre os Fab Four e o Theodor Adorno.

De marxismo cultural já está tudo dito (na generalidade), mas o que diz o Olavo especificamente sobre a improvável relação entre o músico e sociólogo frankfurtiano, Adorno, e a histórica banda dos anos 60, The Beatles? Já se está a ver onde é que o raciocínio desta gente vai dar... Pois bem, o Olavo afirma que John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr eram analfabetos musicais. Pela parte que lhes toca, os álbuns Sgt. Pepper's (1967) e White Album (1968), per se, irão perdurar na História da Humanidade muito para lá do Olavo. Da qualidade e complexidade musical destas duas obras nem falo, que nem o notável e por vezes obtuso Hans Keller se propôs a dilacera-las, na altura. O McCartney nem se vai dar ao trabalho de responder, porque a primeira coisa que ele perguntaria seria "Quem é o Olavo de Carvalho?", e claro, está ocupado em dar concertos fantásticos constantes na flor dos seus 77 anos de idade. Portanto, tudo o que um jovem como eu pode fazer, que adora a música que os Beatles e todo o movimento da Contracultura nos trouxeram - e que o Olavo classifica como apelo explícito ao satanismo -, e que recusa a ideia de que a criação cultural e artística deve seguir um Pensamento Único, é expor ao ridículo os raciocínios ilógicos de broncos como o Olavo. Explicando sinteticamente o que o indivíduo defende a este respeito, ele afirma que, pelo facto dos Beatles serem analfabetos musicais, foi Theodor Adorno, na sua suposta cruzada frankfurtiana para subverter a ordem mundial, que compôs todos os álbuns da autoria dos Beatles, entre 1960 e 1970, de modo a incutir os tais valores conspiratórios no cânone da cultura popular ocidental. Nas suas palavras, "Se você pega toda essa música drogada que se espalhou pelo mundo, desde a década de 60, tudo isso foi a Escola de Frankfurt, gente. Woodstock foi a Escola de Frankfurt. LSD é a Escola de Frankfurt. Rock paulera é a Escola de Frankfurt. Tudo o que veio na Indústria da música de massas - eles são a favor da Indústria da música de massas? Não, eles falam horrores dela, e ao mesmo tempo trabalham para ela - que é isso aí: Dialéctica Negativa, destruição, destruição, destruição". O que dizer disto? Nem Olavo alguma vez ouviu falar de George Martin (o quinto Beatle), nem algum dos Beatles se quer alguma vez conheceu Adorno pessoalmente. Portanto, o Olavo pode atribuir a genialidade a Adorno, de ter composto toda a música dos Fab Four, mas o Adorno - não obstante ser um sociólogo brilhante - não fez tal proeza. As letras foram da autoria de Lennon e de McCartney, a produção musical foi do George Martin, e a composição foi de toda uma equipa, que não se circunscreve somente aos Fab Four, que durante uma década deu a vida pela Música. Lennon, por exemplo, acabou mesmo por, literalmente, dar a vida às causas humanitárias em que acreditava. E quanto ao facto do Olavo, para todos os efeitos, afirmar que Harrison mal sabia tocar guitarra, há uma coisa muito simples que se faz, como resposta a tão primária provocação: mete-se a tocar While My Guitar Gently Weeps. Tudo isto tem uma razão de ser: o Olavo nunca ouviu com atenção Beatles, ou outra banda da época para todos os efeitos, não sabe do que está a falar - o que também não é novidade - e toda esta palhaçada tem um único fim político que, de acordo com a ordem de ideias deste texto, já é muito claro.

Quanto à questão da Dialéctica Negativa, esta é uma das principais teorias de Theodor Adorno. Eu confesso que nunca li o texto de Adorno, datado de 1966 (embora queira muito lê-lo, apesar da dificuldade em neste momento encontrar o texto disponível), contudo, garanto que o Olavo também não o leu, antes tresleu. Dialéctica Negativa não implica um processo filosófico de destruição de tudo o que existe, é antes uma oposição ao formato positivo da Dialéctica de Hegel. Em suma, o Olavo argumenta que, usando a teoria da Dialéctica Negativa, entre muitas coisas como o Cinema e a Literatura, os frankfurtianos usaram a Música dos anos 60 para minarem a cultura ocidental com o Feminismo, o Ateísmo, a oposição ao Capitalismo, e entre outras coisas tão elementares como a esperança na Ciência como fonte de progresso, aquilo como ele e outros classificam como homossexualismo - como já anteriormente foi evidenciado. Bem, efectivamente, nada disto tem razão de ser, e não vale a pena chover mais no molhado.

Muito mais será escrito no futuro. Gostava que a Esquerda internacional se pronunciasse, em uníssono, a este respeito. Gostava que o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda, por exemplo, se erguessem, gozando das plataformas das quais dispõem ao passo que eu, enquanto mero estudante universitário de 20 anos, não disponho. A literatura que poderia ser lançada para expôr esta gente ao ridículo, não só pela natureza das declarações desta gente que, a olhos vistos, ganha uma influência cada vez maior, mas, sobretudo, porque o próprio marxismo cultural tem de ser desmistificado como uma farsa e um ardil sinistro, congeminado por aqueles que eu classifico como os inimigos da Civilização, teria um potencial de esclarecimento intelectual, avassalador para a Alt-Right. Imaginemos um mundo onde esta gente reinasse. Quantos séculos iria a Humanidade regredir? Não é só a Esquerda, ou os Direitos Humanos, ou a livre criação artística e cultural, que são afectados pelo vingar deste ideário. O próprio Capitalismo - pelo menos na sua acepção libertária, social-democrata ou agnóstica, esquecendo a ala mainstream de neoliberais - está ameaçado, e os defensores do Capitalismo nem isto conseguem compreender, antes preferindo apontar lanças aos socialistas e comunistas. Imaginemos que também os liberais nos quisessem auxiliar nesta defesa da cultura e do intelecto. Poderei estar a ser demasiado sonhador, mas o nível de debate público poderia ser aumentado sevenfold. Nada poderá ser pior que um retorno da Teocracia e do Totalitarismo civilizacional. E é por isso que me sinto na obrigação de escrever isto. Lennon viveu por um mundo melhor, acabando alvejado, há 39 anos, e os seus famosos óculos ficaram inundados do seu sangue. Seria criminalmente vulgar se eu ignorasse esta farsa do marxismo cultural, ou se ignorasse a influência que o Olavo de Carvalho detém sobre o pensamento da Alt-Right, cada vez mais presente na política dos vários estados do mundo. Só no Parlamento português, há uma offspring dos seus pensamentos, e no CDS há toda uma ala meio marginal que segue o mesmo trilho. Quem me disser que não há motivos para a preocupação, para além de me tentar enganar, engana-se a si próprio. 

Aos que caminham entre este tipo de ideário, não peço que concordem comigo - advogar o Pensamento Único seria contraditório com as minhas ideologias -, peço só que definam aquilo de que a Humanidade precisa e, por favor, jamais ignorem a História. O Olavo, descaradamente, ignora-a.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Sexta-Feira Negra com os mamíferos

Se é verdade que o consumismo exausta os alicerces da sustentabilidade do Planeta, se é verdade que o alento para este mesmo consumismo é a própria dinâmica dos mecanismo de produção capitalista - onde a Economia é por natureza desregulada (apesar da Classe Dominante nos fazer transparecer a ideia de que, magicamente, o Mercado reorganiza as coisas, quando a História prova o contrário) -, e se é verdade que o proletário - ou, se o leitor preferir, o cidadão comum dos nossos dias - é intimado e organicamente obrigado a entrar nesta lógica de relações de poder e civilização, então todas estas verdades (assumindo que de facto o são) se afiguram tragicamente assustadoras quando vistas, em tempo real, numa moção de histeria e frenesim consumista.

Adianto já o que alguns poderão pensar, lendo esta alegadamente pedantesca frase: "Ah, aí vem o dono da moral, ladrando às pessoas aquilo que elas devem e não devem fazer! Deve ter a mania que é diferente." Pois bem, quanto à moral, não é uma 'virtude' que me assista, quanto às pessoas, elas que façam o que entendam (só espero que num futuro, próximo ou longínquo, não uivem surpreendidas com as consequências deste paradigma civilizacional em que vivemos), diferente, dumas formas sou, doutras nem por isso.

O ónus deste texto é, claro está, a Black Friday. Peço então ao leitor que imagine uma horda de mamíferos, galvanizados e frenéticos, à entrada dum supermercado, esperando, ou que as portas se abram, ou que lhes seja dada ordem para entrarem. É dada ordem, e a horda de mamíferos invade o local, atropelando, puxando, placando, berrando, sendo que em certas latitudes do globo brigam e esmurram, inclusive. Em pouco tempo, o stock do supermercado foi encolhido, os mamíferos estão satisfeitos, e regressam mais ou menos ordeiramente para os seus habitats particulares. O rasto deixado por estes mamíferos difere, de local para local, país para país, continente para continente, havendo comportamentos para todos os gostos. Em algumas geografias, vídeos trazem-nos imagens impressionantes por parte destes mamíferos, em que os supermercados ficam do avesso, e alguns surgem aleijados, de mãos a abanar, enquanto outros saem satisfeitos do centro comercial, levando nos membros superiores coisas que, pouco tempo antes, nem se quer se tinham apercebido de que precisavam. Estes mamíferos são convocados pelo seu pastor, que se chama Saldo, e os grão-pastores do Saldo são senhores engravatados que, puxando os cordelinhos, mandam nisto tudo, inclusive no que sucede durante a Black Friday. O grande problema nisto tudo é que o mamífero em questão é o único racional: chama-se homo sapiens, e está no topo da cadeia alimentar. Nós somos mamíferos, e a Evolução da Espécies legou-nos a dádiva, através da Natureza, de com a nossa massa cinzenta fazermos coisas extraordinárias, inventos para lá da imaginação dos nossos ancestrais de há dez séculos. Mas a humanidade ainda teima em não ser mais que uma horda (altamente organizada e inteligente, é verdade) de mamíferos...

A Black Friday é nada mais que um mecanismo, que as grandes superfícies encontraram, para puxar a massa dos consumidores - outro termo tristemente usado para designar o cidadão - para as catedrais no mundo contemporâneo que são os centros comerciais, como uma vez disse, numa aula, a Professora Ana Isabel Buescu. Em remotos tempos, eram as catedrais o sítio de deambulação cultural da sociedade ocidental, hoje são os centros comerciais. Mudam-se os deuses, o objectivo mantém-se o mesmo. As pessoas são incitadas a comprar, a consumir, e acabam por adquirir muita coisa de que, na realidade, não precisavam. Quem perde é o bolso do cidadão. Quem ganha é o magnata, rindo-se a bandeiras despregadas do quão fácil é ludibriar esta horda de mamíferos. É consumismo por ordem velada, "Venham todos que nós temos aqui óptimos preços", e lá vão eles.

Nada disto é um apelo ao Minimalismo - embora também pudesse ser. É sim um apelo à sustentabilidade económica e ao Espírito Crítico. Quanto ao Minimalismo, eu próprio tento, quanto possível, ter aquilo de que estritamente necessito, embora sem radicalismos minimalistas ao ponto de transformar a minha vida num Ascetismo pegado, tendo em conta que eu sou um hedonista, e tal seria incompatível comigo. Defendo que o ser humano deve não só ter acesso, por direito, às suas necessidades básicas, mas também àquilo que lhe traz felicidade individual. Contudo, o que vemos na Black Friday é uma corrida desvairada a coisas supérfluas, que não trarão felicidade, e corrida essa guiada pela necessidade de consumo, accionada pela Classe Dominante. Tudo isto para não falar que esta coisa da Black Friday é simples mímica do que se começou a fazer nos EUA... E em cima disto, surgem as associações em defesa dos magnatas afirmar que o consumidor é inteligente e que não é manipulável. Se o consumidor fosse assim tão inteligente, ou tinha dado ouvidos à DECO, ou não trovejava pelos supermercados adentro como se o mundo estivesse nas iminências de acabar. 

É um atropelo de ansiedades sem necessidade nenhuma. E se para isto restarem dúvidas, consultem o YouTube e visualizem as milhentas de amostras deste comportamento admirável de mamíferos.

sábado, 9 de novembro de 2019

A Nightmare

The night was eerie and darkened by a starless sky. The trees, that decorated the threatening landscape, striked any observing eye, as if they were never kissed by a morning Spring, lacking of leaves, haunted by an aurea of long forgotten, immemorial times. Noises - whose endeavour to comprehend was fruitless - of an eerie kind, impresions, in the deep shadow of the forest, of slythering wraiths, which were frosting to the merrow the Walker in this dark scene, sounded as if they were ghosts of fallen souls, of a fiendish battle. Another sound was running through the windless air. The Walker found its source unknown, despite having the awful feeling it was blood travelling through veins and arteries. If, nearby, there were any animals, creatures, a mammal beast or reptile dragon of any sort, it did not seem likely, for the only noises heard were the above described (effortlessly so, for this realm was so mystical and obscure that mere phrases written aren't sufficient to draw a truthful picture), with exception for the steps of the walker's feet, echoing through the deathly space. The soil was rock and unruly dirt, sadly flowered by sporadic appearences of some grey grass. The sky did not look like sky, at all, for the clouded atmosphere could only signify that the sky itself had been split open by the deities who rule over the Universe. Fearful night reigned over this forsaken site.

The Walker journeyed deep into the forest, with his handsome features being turned to specter like ones, reflected by the icy and blackening mist, which grew thicker and thicker, hidding the surroundings from the Walker's scared blue eyes. He did not understand why he kept on walking forward, expecting to discover any hidden secret that could lie at the end of that directionless road. His breath expelled vapor, his skin trembled, his eyes moved side to side in its sockets, at warning to any ghastly encounter, that would surface amidst the overwhelming fog of icy hydrogen. The Walker looked up, searching for a star, a moon, a sign which would confirm that he was not yet taken to an unworldly place. He wished a hundred depressions, to being environed in such location, and by a condition, a will, he could not explain, his curiosity still drove his body on. The Walker could not say if he was a herd, insisting on advancing to the edge of the cliff, or a soul depressed, insisting to adventure on the limits of sanity. He tried to smell the air, the leaves, the mist, but all he felt, or sensed, was cold alienation from himself. He tried to hear more than eerie vibrations, but all he recieved was deafening silence. He then tasted the very matter his lips and tongue could blow or lick, desperate for something warm or familiar, but only absence he did kiss.

Only the trees knew for how long he wandered, walking a line he could not see. And then came to his sight a vision, which undoubtly was real: the source of the blood running sound - a river. A calm and motioning river like any other, cutting the road on which he had been wandering. The Walker stopped walking when he approached the margin of that river, observed and felt with all his being the waterly peace, contemplating on diving and letting himself be taken by that endless motion of life. However, before any resolve, in an instant, the mist softned, and, to his surprise, the walker saw a line of flame moving in the river. He quickly understood that the light was not in the river, and was, instead, a reflection of sky, above, which was now clean and cloudless. He beheld that track of light, travelling fiercely through the sky, illuminating the atmosphere. Then, another phenomenon, high in the sky, summoned his attention, for a big and shinning Moon was also visible near the horizon. The Walker moved to a better spot, leaning to a black trunk of a nearby tree, contemplating the wonder of light, forgetting, momentarily, the fireball that was moving, but the moments of peace were soon to be curbed.

All of a sudden, the fireball drew a arc in the sky and struck the Moon, incinerating it with violent fire. A beacon of destruction and chaos was lit in the peaceful darkness of the firmament, and despite the singular spectacle, for which the Walker had a front row sit, he felt terror, and all he wished was that all was just a dream... or a nightmare. A ferocious windstorm followed, as if the Cosmos had begun to spin at absurd velocity, and electric lights flashed in the sky - some were crimson red, others blindingly white. Even the river ceased its stoic cycle, tormenting its margin and the trees in proximity. The Walker decided to walk or stay still no more - it was time to run. He ran on the same straight line, amongst the now unstable trees, which had taken him to the site near the river. He reached the outer rim of the forest, moving against the very absurdity that could only characterize that hellish location. He stopped and gazed into the horizon, and what he saw frizzed his brain with fear and burned his eyes with hellfire: the moon, which, at that state, resembled the Sun, was engulfed in flame, and from it, comets were raining down, far on the edges of the planet. Armageddon was making its journey into the Earth.

Then, another phenomenon called for the Walker's attention. A beacon of solace, shinning on golden, materialized  in the middle of the ground. The Walker ignored what it meant or how it came to be, all he hoped was that it signified shelter and salvation from the calamity which was devastating the land. He rushed into the golden light, and while approaching it, he beheld a ark of gargantuan dimensions, made of pure gold, enclosed, toppled by two birds, next to one another, united by an open wing of each. Inscriptions of an unknown kind decorated the ark, and snakes, fashioning their devilish teeth, were present in the basis of the ark. The Walker, throwing all caution to the wind, proceeded to climb the very ark, desperate for protection, but no avail came from it. He was now standing on the ark's cover, all in plain gold, his eyes gazing at the astronomical spectacle, and all his hope had parted his mind. By now the only thing left was to wait. However, an undefining voice was heard, echoing through the chaos - a surprise how such voice could be heard amidst desolation of that kind -, summoning the Walker's attention, who was still standing over the ark, and he glanced, instead, at the very cover in which he stood still. The whispers - the voice - were, indeed, being brought by the ark, and words materialized at the Walker's feet: "Death is only the beginning". At that moments notice of such eerie phrase, a otherworldly explosion, an uproar of galactic proportions, filled the environment, just after the very Moon started crumbling down, in rivers of lava, falling on the very horizon, like a curtain call at a theater. The Walker closed his eyes, embracing himself. Armageddon had arrived.

He screamed, filling the moist of hot weather all over his body. He dared oppening his eyes. All was just a dream... or a nightmare, he did think. He looked around, in panic, and realised he was, still, in the same place where he had fallen asleep. His panic and desperation flew from his mind, rapidly, as if those were sentiments of another mind and another life.

An environment of obscurity covered his sight, once again, but a warm and familiar one. Terror had met its end. The room had regular dimensions. The wall was populated by a few paintings - some were surrealist replicas (such as Dali's Persistance of Memory), others contained political figures such as Marx, Nietzsche, Rousseau or Bertrand Russell, others were of rock paintings and musicians (Pink Floyd, Jim Morrison, Leonard Cohen, Beethoven, Holst) -, and a bookcase - full of Philosophy, Cosmology, History and Literature - was leaned imponently against it. The door to the corridor was closed, and the glass door to the balcony was partially open, permiting the soft breeze of a late night californian Summer to touch and float through the room. He rose his torso and set on a king-sized bed, watching the waving curtain, animated by the wind, entering through the balcony door, and then looked to his left, contemplating a book closed at his bedside table - Childe Harold's Pilgrimage, by Lord Byron. He reached out with his arm, not to grab the book - which would require him to turn on the light, and such would awake Michael, laid at his right -, but to grab a cigarette and light it on. Never did he do such thing - smoking at the middle of the sleep - but his nerves remained uneasy.

"Sunshine." Michael had awaken. "What are you doing?"

"What does it seem." He responded. "I'm just smoking a cigarette. Do you want me to turn it off?" He asked softly.

"Why would you? It's already lit. The matter is that you never smoke at the middle of the night." Michael said, with an inquiring face, looking at his lover's aspect.

"Everything's fine, Michael." He said, unconvincingly. "I was just thinking..."

"You're clearly troubled by something, Dennis." Michael approached himself to Dennis' side. "Are you telling me, or am I allowed to sleep?"

"Nobody's impinding you." Dennis replied, and, looking at Michael's piercing gaze, added in low tone. "I had a most eerie nightmare you wouldn't believe."

"You had a nightmare..." Michael smiled, faintly.

"Laugh all you want." Dennis spoke louder. "But it was really dreadful. There was a black forest, then there was a river, and then an enormous explosion which melted down the Moon."

"Sunshine, your dreams are more thrilling than some of my working days." Michael jested.

"I can only imagine." Muttured Dennis, extinguishing the cigarette. Michael laid his head against the pillow, readying his eyes to fall in his unperturbed sleep once more.

"I believe I saw the Ark of the Covenant." Dennis threw this information, expecting a dramatic effect from it. "And words appeared in there."

"Were those the directions for the Holy Grail's resting place?" Michael sarcastically spoke, with eyes shut still. Before Dennis could utter an answer of protest, in a mellow low toning voice, Michael added. "Look, sugar, I think you're troubling your mind with that damn book you're reading on. It might be too sickening for sweet blue eyes to look at." Michael said in a condescending way.

In a stage theater like manner, Dennis grabbed Byron's Pilgrimage. "Byron?" He waved the book. "What's wrong with romanticism?"

"It's not the Pilgrimage, thick head." Michael hit his own forehead with his palm. "Whatever Denny, I have to sleep. The city of San Francisco waits me tomorrow."

"Right, there shall be millions of fairies in attendance." Michael ignored Dennis' caustic irony, raised to kiss him goodnight, and laid back, pretending to be asleep again.

Dennis had one remaining troublesome thought, hoovering over his mind, concerning the ultimate chaos which he witnessed in his nightmare. He got out of bed, dressed only in his boxers, with the moonlight hitting his lean and ballet dancer like anatomy. He stared at the balcony, outside, well knowing that Michael was observing him.

"Do you think Mei and Saji are doing well?" Dennis' question had a shadow of concern, which himself could not explain.

"Doing just fine, those two. Gazing, over the edge, in the westernmost part of the Old Continent."

Dennis heard his lovers remark, as if they issued the most fundamental logic and common sense. He slightly opened the balcony door, feeling the soft wind of Summer, observing the nearby palmtrees, outside in the street. He glanced at a closed book, marked in the middle, with contempt. Dennis wondered if it was really worth the endeavour, to continue to read it - words which were left by a specter of obscurantism -, Dennis thought. Product of the twisted mind of Julius Evola.

Dennis rather decided to observe, instead, the horizon. The full Moon partially illuminated the nearby firmament, uncovering, in the dark of sky and stars, the small pieces of cloud, typical of the West Coast, that suspended in the air here and there. Was anything worse than sleeping, and not having domination over one's thoughts, in this he was thinking.

Almost in silent voice, he blew to the quiet and silent night, reanimating, in his head, the sight of a crumbling Moon and of a mystical ark, "Death is only the beggining..."

At that instant, a detonation of a flaming mushroom was about to craft a cancer on the very land, where the winds of Winter often blew, in the westernmost part of the New World.

Michael Maximiliano

sábado, 12 de outubro de 2019

Legislativas 2019: Aftermath

Está quase a cumprir-se uma semana desde que as Eleições Legislativas tiveram lugar. Embora previsível tenha sido o desfecho, no que ao mais votado concerne - o PS -, houve, em todo caso, surpresas, e para mim quase nenhuma foi agradável. Antes de avançar para aquilo que aconteceu, e não aconteceu, devo dizer que, em geral, as previsões feitas neste blog, ao longo do tempo, foram certeiras - não que isso interesse particularmente a alguém. Talvez o único erro crasso de análise aqui cometido tenha sido eu ter advogado um resultado trágico para o PSD e uma manutenção mais ou menos favorável para o CDS. Acontece que - e admito que foi, em absoluto, total erro meu de análise - sucedeu precisamente o contrário. O PSD, embora tenha perdido deputados, mantém uma posição destacada face aos demais partidos, com excepção do PS claro, e o CDS enfrenta, pela segunda vez na sua História, o risco de desaparecer da Assembleia da República. Foi uma radical descida de 18 para 5 deputados, e de forma nenhuma alguém, dentro do partido, subestimou a queda. A sangria de 13 deputados ecoou de tal forma que Assunção Cristas, reconhecendo a responsabilidade daquilo que tem sido uma oposição fraca, simplória, demagógica, rude - que evidentemente resultou na dispersão de boa parte do eleitorado, do CDS, para os quadrantes políticos dignos da sua atenção - abandonou a sala no momento em que os resultados eram conclusivos. Au revoir
O que o PS vai fazer da vida, enquanto Governo, infelizmente diz-me respeito. Por mim, que se oriente, sozinho ou com o Bloco Centra. Mas continuar a dar de barato que a Esquerda lhe levará o pequeno-almoço à cama, todas as manhãs, como um bom elfo doméstico, isso é que não pode ser. É contra producente para os partidos de Esquerda. É um risco para a Nação, mesmo que a apregoada estabilidade seja comprometida. Palavra de honra que gostava de assoprar aquele sorriso manhoso da cara de António Costa. Calma, não estou a demonstrar impulsos violentos ante o Primeiro-Ministro, o que quero dizer é que o PS deveria aprender a não contar com muletas governativas, muletas essas que, uma vez usadas, são atiradas para o caixote dos inflexíveis. O que aconteceu ao PCP (outra sangria, embora menor) é consequência de que, politica e eleitoralmente, só há um partido a retirar dividendos desta convergência. Embora muitos dos avanços que aconteceram no país - desde o aumento do salário mínimo, à reposição de rendimentos, aos cortes dos impostos directos, ao pé firme ante o lobby do ensino privado que tem tentado sugar os apoios do Estado - tenham sido concretizados porque CDU e BE para isso fizeram pressão, o PS foi o único que levou o troféu de missão cumprida, enquanto roubou um pouco de eleitorado ao BE e muito eleitorado ao PCP. 
O PCP aprendeu com o erro e a sua disponibilidade, de momento, para acordos com o PS, é tão grande quanto a minha vontade de ir à missa. O PCP precisava de dar muitos passos para voltar a ser uma grande e credível força de Esquerda na República como nos tempos de Álvaro Cunhal - se bem que a luta sindical ainda aí está, e isso ainda é alguma coisa -, mas o primeiro passo já foi dado porque a recuperação da autonomia política parece ressuscitar. Enquanto personagens como Augusto Santos Silva e Carlos César existirem para tirar vida a tudo o que os rodeia e reforçarem-se a si próprios, como cactos no deserto, o PCP não pode funcionar como é definido na sua génese política. O PCP precisa de se libertar do jugo de convergências ingratas que o prende, voltar a adoptar uma postura não cúmplice, porque, sejamos francos, no quadro maior, os avanços efectuados sabem a pouco. O mesmo recado vai para o Bloco de Esquerda. Não é por acaso que o BE não subiu um deputado que fosse, circunstância anómala na minha opinião. 
A tendência do BE tem sido sempre para subir, ainda por mais agora que já deu provas de como a sua leverage política é útil para pressionar governos fundamentalmente frágeis. Mas eis que Costa e PS arranjaram forma de também ao BE tirarem vida, como cactos a desidratarem o espaço circundante... e eu nada mais me posso confessar para além de chocado ante o facto do BE se ter mantido na mesma. Se o BE não mantiver o seu cariz político frontal, radical quando necessário e verdadeiramente socialista, o seu eleitorado - no qual eu me incluo - esvaziar-se-á, e alguns, como eu, optarão por propostas radicais, que substituam o Bloco enquanto movimento esquerdista, enquanto outros irão para o bolso do PS. Vivemos tempos incertos e complexos. Tudo o que eu peço é que a Esquerda se liberte dos grilhões e faça entender ao Governo que isto não é um passeio no parque. A Esquerda tem de, por natureza, ser uma alternativa ao sistema capitalista, e se o PS não representa tal alternativa, e se os partidos de Esquerda, eleitoralmente, nada ganham com isso - nem os portugueses, ao longo prazo, ganharão aquilo que quer que seja com isto - então a ponte com o Governo PS tem de ser cortada.
Tão incertos e complexos estão os tempos que um neofascista chegou ao Parlamento. Esperava, e previ, a vinda do LIVRE e da Iniciativa Liberal (fenómenos políticos distintos entre si, mas altamente compreensíveis dentro das mentalidades do Século XXI), mas não esperava que também já houvesse um número bastante de portugueses, embalados na retórica etno-centrista, ultra-capitalista, homofóbica, autoritarista e fanaticamente nacionalista, ao ponto de André Ventura conseguir ser eleito. Afinal, embora mais lentamente, os movimentos que têm sucedido noutras latitudes geográficas, para minha grande tristeza, chegaram a Portugal, e de todos os círculos, em proporção, Portalegre (o meu círculo) é que teve mais adesão. Ainda que seja irónico que o cabeça de lista do Chega, em Portalegre, já ter sido um associado do PS. O Ser Humano é mesmo um mamífero estranhíssimo. O Chega chegar ao Parlamento é motivo suficiente para eu, pessoalmente, declarar estado de sítio na República por um motivo muito simples: basta ler as primeiras 20 páginas do Programa Político deste partido. Está lá, não de forma escamoteada, não de forma subliminar, não de forma implícita, mas sim explicitamente: o Chega quer terminar com a Constituição actual - declara-a como um produto de marxistas conspiradores - e criar uma nova, e segundo aquilo que são as ideias de sociedade do Chega, de acordo com as 50 páginas daquele Programa Político, tal Constituição seria uma híbrida entre a Fascista que vigorou em Portugal entre 1933 e 1974, e os modelos dos EUA. Na essência, o Chega quer fundar aquilo a que chama de "IV República". Motivações como estas, com eleitorado ganho através de tais argumentos, já houve muitas. Conquistar os eleitores através, do medo aos marxistas e à violência nas ruas, ou do ódio, ou do preconceito, a História já teve muito disso. Resultou sempre em retrocesso e Ditadura. Para mim, qualquer voz que se levante em defesa deste movimento político é nada mais que um inimigo da Democracia, da República e da Liberdade. Digo-o sinceramente, não são figuras de estilo nem é só pose. Até que todos os portugueses, que votaram no Chega, sejam convencidos de que o partido de André Ventura não é o caminho da mudança para melhor, de que o caminho que certos países tomaram não é o caminho da liberdade, igualdade e fraternidade, a República está em Estado de Sítio. Por último devo também dizer que a ideia, que pessoas como o Júdice tem difundido, de que os comunistas no Alentejo foram votar no Chega, é um disparate dito com propósito. É o propósito de dizer que o eleitorado do PCP é tudo um monte de totalitários. Se o leitor tinha essa ideia na cabeça, basta seguir a retórica do Chega, ou ler as primeiras 10 páginas do Programa Político deste partido, e perceberá que esquerdista nenhum (nenhum mesmo!) subscreve aquilo. Ainda por cima os comunistas, cuja base ideológica se sustenta na Filosofia de Karl Marx, e estas primeiras 10 páginas, de que falo, não são mais que um ataque ao Marxismo.
Por último, acerca do CDS. Este será o momento do CDS se definir. O CDS, como já vários comentadores referiram, tem dois caminhos a seguir. O caminho que tem tomado, tentando ocupar um espectro político que já há muito foi ocupado, ou desviar-se para a Direita, indo dar força ao projecto político do Chega. Há uma facção dentro do CDS, que sempre foi crítica de Cristas, que defende este desvio ainda mais à Direita, aproximando-se dos mesmos princípios ideológicos defendidos pelo Chega, e falo do TEM (Tendência Esperança em Movimento), da qual o Vice-Presidente da Concelhia Distrital de Lisboa, do CDS, faz parte. Se tal mudança de caminho tiver lugar no CDS, teremos, todos nós que queremos preservar a Revolução de Abril, muito a temer.
De resto, a ver vamos quanto tempo o XXII Governo Constitucional durará. No final, tudo poderá resumir-se à vontade, creio eu, ora do BE, ora do PSD. O futuro está mesmo muito incerto, para todos nós mesmo. Até para aqueles que vivem na ilusão de que a Política não os afecta.

E porque temos pela primeira vez, desde a União Nacional, um partido fascistizante no Parlamento, é agora que toda a Esquerda parlamentar tem de mostrar a sua fibra, a sua convicção e a sua luta. Talvez o Chega sirva de vacina à Esquerda, numa nação onde o Fascismo foi derrubado por métodos revolucionários. Talvez o PCP se inspire, perante aquela figura, a desenterrar a foice e o martelo. Talvez o BE se inspire a tornar-se, outra vez, o partido de adjectivação radical que o caracterizou durante vários anos. Talvez Ventura não se consiga levantar do tapete, quando esta legislatura terminar. Mas para isso, é preciso também o PS definir a sua posição na História, enquanto partido que ocupa o centrão. Posição essa que, por várias vezes, aos meus olhos, não foi feliz, perante a luta democrática por Liberdade e Socialismo. Será preciso bem mais que zombar do Chega, ou ignorar os palpites de Ventura, é preciso uma posição firme e apaixonada. 

sábado, 5 de outubro de 2019

Legislativas 2019: Os demais Partidos

Julgaria que não seria justo terminar este endeavour sem abordar alguns dos partidos que não têm, presentemente, representação parlamentar. Seria incoerente e hipócrita, até, se não o fizesse, uma vez que, eu próprio, sou um crítico, da pequeníssima cobertura mediática que os pequenos partidos têm, ou do quanto desfavoráveis as constantes sondagens são para com estes partidos, ou o facto dos líderes destes partidos não terem oportunidade de participar em quase nenhum debate. Devo notificar, todavia, que não abordarei todos os 15 partidos que concorrem nestas circunstâncias. Não o farei porque tal seria um trabalho aborrecido para mim, mas também porque seria um trabalho deveras exaustivo para quem o lesse. A verdade é que, há partidos que me suscitam, virtualmente, nenhum interesse - devido a não passarem de projectos sem visão ou ideologia, no meu ponto de vista - e por isso não serão mencionados neste texto.
De todos estes 15 partidos, o único que alguma vez teve representação parlamentar foi o Partido Popular Monárquico (PPM), durante as duas legislaturas governadas pela Aliança Democrática, coligação da qual fez parte com o PPD e o CDS, tendo tido, inclusive, o seu então Presidente, o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, como Ministro de Estado e da Qualidade de Vida durante o VIII Governo Constitucional. Há duas componentes nas quais eu, no decorrer do tempo, posso qualificar o PPM. No que à sua ideologia política concerne, o partido, fundado em 1974, manteve-se relativamente inalterado, defendendo uma política económica liberal, sendo socialmente conservador, defensor, contudo, do Ambiente e da autonomia dos municípios. A sua génese cultural está assente no Catolicismo e no ideal da Monarquia. No que à sua organização e intervenção política diz respeito, o definhamento do PPM é mais que óbvio, tendo-se tornado num partido quase cómico - assim como o seu actual Presidente - declarando enormidades como "o PPM é o partido mais querido dos portugueses". O curioso é que, tanto quanto tenho tido oportunidade para averiguar pessoalmente, através de pessoas que conheci, muitos monárquicos não costumam votar neste partido.
Entre estes 15 partidos, o mais antigo é o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/Movimento Reorganizado do Partido do Proletariado (PCTP/MRPP), fundado em 1970 segundo o guia ideológico do Maoismo (corrente supostamente interpretativo, por parte de Mao Tsé-Tung, do Socialismo com características chinesas). Claro que é possível perguntar-mo-nos se, de facto, o Maoismo foi tal coisa, ou se havia qualquer índice de Marxismo nesta corrente política. A minha resposta é que, na verdade, nunca houve. Voltando ao MRPP, é possível classificá-lo como um partido de Extrema-Esquerda Estadista, tendo um historial de rivalidade ideológica, pelo eleitorado comunista, com o PCP. Embora a sua capacidade organizativa, a sua perseverança, e a sua queda para o incrível esteticismo da elaboração de murais socialistas na paisagem urbana, o MRPP nunca teve, o sucesso eleitoral, ou o impacto no combate ao Regime Fascista, que o PCP evidentemente teve. Embora tenha respeito pelo ex-líder do MRPP, António Garcia Pereira, advogado e especialista em Direito do Trabalho, o partido, geralmente, tem dado contributos pelo descrédito da Esquerda, dado as suas declarações e atitudes altamente discutíveis - sendo o partido que é -, especialmente, durante o PREC. Também os seus quadros estão extremamente envelhecidos, tendo entrado, já há muito, apesar do radicalismo patriótico do partido, num ciclo repetitivo torturador no que concernem os argumentos, do partido, na discussão política. No final de contas, que partido, no seu perfeito juízo, classifica o PCP como "Partido Revisionista Social Fascista"?
Indo para partidos bem mais recentes, julgo ser oportuno abordar a Aliança, fundada em 2018 e presidida pelo ex-Primeiro Ministro pelo PSD, Pedro Santana Lopes, e abordar a Iniciativa Liberal, fundada em 2017 presidida pelo Carlos Guimarães Pinto, uma vez que ambos os partidos têm imensas parecenças, estando situados, para todos os efeitos, na Direita Política. Falando primeiro em semelhanças, são dois partidos que procuram uma ainda maior liberalização da Economia, tirando o papel do Estado da mesma, e entregando esse mesmo papel ao, há muito profetizado, poder independente e regulador dessa entidade sem corpo nem cabeça que é o Mercado. No que às questões sociais e culturais concerne, é aqui, possivelmente, onde as diferenças poderão ser mais evidentes. Embora a Aliança se declare como um partido liberal e personalista, tal afirmação colide com a génese socialmente conservadora que marca, não só selectos elementos do partido, como também o seu homem forte, Santana Lopes - que, por sinal, é convictamente monárquico, sugerindo claro tradicionalismo no seu pensamento político. Já a IL é, curiosamente, socialmente libertária. A IL, mantendo-se coerente com o seu Liberalismo, defende muitas das causas de liberdade social que eu próprio defendo, aproximando-se, neste sector, de forças como o Bloco de Esquerda. Culturalmente, a Aliança faz questão de anunciar a sua fidelidade ao catolicismo, enquanto que a IL não faz grandes menções a pensamento religioso. Aliás, esta laicidade do programa político da IL justifica, por ventura, o facto de defenderem causas opostas à Doutrina Social da Igreja como a Eutanásia e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Outra grande diferença, no meu ponto de vista, entre estes dois partidos é que, ao passo que a IL é um partido não centralizado numa personalidade individual do partido, cumprindo melhor o conceito de movimento colectivo, a Aliança é claramente um partido centrado no seu fundador, e congeminado para ser um mecanismo de vingança, de Santana Lopes, contra aqueles que o tentaram colocar à margem. Qualquer um destes dois partidos tem potencial para eleger um deputado (possivelmente os seus respectivos presidentes caso aconteça), ao contrário dos dois antigos partidos em cima mencionados.
Mergulhando agora, com uma grande bolsa de ar, no Nacionalismo de Direita, ou, como também lhes posso chamar, nos ultras da campanha, abordo o Partido Nacional Renovador, fundado em 2000 e liderado por José Pinto Coelho, e o Chega (nome palerma e sensacionalista que, com propósito, não quer dizer nada em princípio), fundado este ano e liderado por um antigo militante do PSD, André Ventura. O PNR, por um lado, é o partido neofascista com o qual nos temos habituado a conviver, durante este século, e que tem estado na vanguarda da defesa: dum Nacionalismo etno-cêntrico e xenófobo; dum Portugal Corporativista, ou seja, duma ofensiva ao Direito Laboral e à Luta Sindical; dum regresso à velha ordem das "boas condutas morais e sexuais", implicando o Estado na vida privada e sexual do cidadão; e difundido uma teoria da conspiração doida que eu já tive hipótese de abordar sinteticamente, a Invasão do "Marxismo Cultural". O Chega, representando um formato mais refinado e sofisticado da mesma corrente, mais inspirado nos modelos da Alt-Right dos EUA, tem uma linha de pensamento muito similar ao PNR, embora disputem qual dos dois partidos defende mais as forças de segurança - que merecem, como qualquer trabalhador, o seu reconhecimento laboral - e qual dos dois consegue melhor montar um Estado Policial. Enfim, dois partidos que me afiguram a um determinado antigo regime.
Numa nota mais individualizada, gostava de manifestar o meu agrado pelo combate que Marinho e Pinto, enquanto figura central do Partido Democrático Republicano, tem travado para dar alternativas mais eficazes e justas ao actual sistema de Justiça em Portugal, fazendo-o, como é característico do próprio, de forma fervorosa e apaixonada pela República.
Concluindo, gostava de abordar dois partidos ligados ao meu espectro político: o LIVRE, sendo uma tendência dissidente do BE, fundado em 2014 pelo Historiador e Professor Rui Tavares; e o Movimento Alternativa Socialista, fundado em 2000 como o ramo português na IV Internacional (organização socialista e anti-estalinista, que, embora tenha atravessado vários processos de mutação, foi fundado em 1938 por Leon Trotsky como força de Esquerda opositora à URSS), e separado da organização desde 2017, liderado actualmente pelo ex-militante do BE, o Professor Gil Garcia. São dois partidos que se encontram no quadro da Esquerda Libertária (socialistas no campo económico, sendo que o LIVRE prefere a designação de Eco-Socialista, e libertários no campo social), e que mantêm um olhar que, embora não seja hostil, é crítico ante a solução governativa dos últimos quatro anos. Também a emergência climática é uma questão de fundo para estes dois partidos, e ambos compreendem que, para que a sociedade internacional tenha ferramentas para fazer frente aos problemas ambientais, é necessário reformular os próprios modelos de produção e distribuição económica e financeira sobre a qual a Civilização Humana está sustentada. Confesso que, antes de decidir em votar no Bloco, considerei votar num destes dois partidos, em todo o caso, o MAS (para além de ter uma certa Joana Amaral Dias da qual eu não sou particular fã por razões várias) não tem representação no meu Círculo Eleitoral de Portalegre.


Por último, gostava de me manifestar contra a abstenção. O Voto, para além de ser um direito também é um dever, pelo qual imensas pessoas deram a vida, durante muitos anos. Confesso também que, para mim, um voto branco ou nulo, enquanto manifestação inconformada da paisagem de partidos, é diferente duma abstenção. Contudo, por enquanto, a República Portuguesa não faz, virtualmente, nenhuma distinção entre uma coisa e outra. Apelo sobretudo a uma participação democrática, pois só uma sociedade interventiva, na vida política, pode ser próspera e progressista. Apelo a um voto em consciência, e apelo um voto sem nunca este perder de vista os valores democráticos, humanistas e pacifistas.

Por fim, apesar do Dia de Reflexão Nacional (que nem devia existir, porque reflexão nacional é algo que tem de acontecer todos os dias do ano), que serenou as hostes, e apesar do mais recente cardeal a entrar na cúpula da Igreja Católica, desejo a todos um feliz dia 5 de Outubro, ainda que, este ano, a data tenha sido praticamente desprezada, quer pelos Media ou pelas Instituições. Feliz Dia da Nacionalidade e Feliz Dia da República Portuguesa!

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Legislativas 2019: Bloco de Esquerda

O presente ano do calendário gregoriano assinala o 20º aniversário do Bloco de Esquerda. Foi no ano em que também eu nasci, que três forças políticas esquerdistas, de pequena dimensão, se juntaram para darem origem àquilo que é, na minha opinião, um dos fenómenos partidários mais interessantes de Portugal. A União Democrática Popular era um movimento marxista-leninista, com uma natureza ideológica algo semelhante ao PCP, fundada em 1974. A Política XXI, fundada em 1994, era um espaço que albergava um espectro político consideravelmente vasto, desde o Eurocomunismo até à Social Democracia. O Partido Socialista Revolucionário - confesso que, para mim, é dos nomes mais atractivos para se dar a um partido -, fundado em 1978 no contexto, e no seio, da Liga Comunista Internacionalista, foi um dos mais proeminentes partidos trotskistas em Portugal. Foi o PSR que, uma vez fundido no BE, fez o principal contributo em fazer do Bloco o grande farol da Nova Esquerda em Portugal. Francisco Louçã foi líder do PSR e seria ele quem iria ser um dos principais fundadores do BE, e o seu primeiro Coordenador. Portanto, se há partido que tem um nome oportuno em Portugal, é o BE: um bloco político onde convergem várias visões de esquerda - é por isso que a única posição oficial nos estatutos do partido são a Alternativa ao Capitalismo e o facto deste ser um movimento de Esquerda. 
Indo aos tempos primordiais do BE, três pessoas são facilmente identificáveis com ele: o Professor  e Economista Francisco Louçã, o já falecido Miguel Portas, e o Professor e Historiador Fernando Rosas, com o qual tive o enorme gosto de ter aulas no semestre passado. Hoje, 20 anos após a fundação, as caras do partido são diferentes, o que é uma prova da necessidade do Bloco renovar, regularmente, os seus quadros. Figuras notórias hoje na bancada parlamentar do partido são Mariana Mortágua, José Soeiro, Luís Monteiro e a Coordenadora Catarina Martins. O BE é uma enorme lufada de ar fresco na política portuguesa porque vem representar a Nova Esquerda em Portugal, corrente que, até então, tinha muita pouca visibilidade neste ibérico rectângulo. 
Nova Esquerda (ou New Left), para quem não está familiarizado com o termo, é uma corrente, de várias correntes esquerdistas, surgida durante a Contra-Cultura da década de 60, inspirada por um grande conjunto de ideias socioeconómicas, muitas delas difundidas pela Escola de Frankfurt - corrente académica esta, inspirada em vultos da Sociologia, Psicologia, Economia e História, como Karl Marx, Max Weber, Sigmund Freud, Georg Hegel ou Gyorgy Lukács - fundada entre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais, como resposta à sociedade capitalista, ao Fascismo e à URSS estalinista. É, aliás, através do papel político, académico e social da Escola de Frankfurt que os movimentos Neofascistas vão inventar o termo "Marxismo Cultural", uma teoria da conspiração completamente destituída de razão, que afirma que os judeus querem impor ao mundo uma agenda comunista, internacionalista, anticristã, maçónica, "homossexualista", feminista, entre outros termos, para destruir os valores da família e das nações, e fazer erguer uma diabólica Nova Ordem Mundial. Num mundo onde ainda há gente que pensa que o planeta é plano, não posso ficar surpreendido com gente que acredite nestas teorias. Passando à frente desta descrição deveras desconfortável, de fazer regelar os ossos, foi, portanto, há 50 anos que a Nova Esquerda começou a ganhar forma nas sociedades civis de vários Estados. Diversas personalidades proeminentes podem ser identificadas com esta corrente de correntes, entre os quais Noam Chomsky (linguista, professor e filósofo), Christopher Hitchens (jornalista e professor), Herbert Marcuse (membro da Escola de Frankfurt), Bertrand Russell (matemático, filósofo e historiador), Jean-Paul Sartre (escritor), Pepe Mujica (ex-Presidente do Uruguay), Michel Foucault (sociólogo, historiador e professor). Vale a pena também mencionar, ainda, figuras anteriores ao surgir da New Left, mas de certa forma associáveis à corrente, como Leon Trotsky, Antonio Gramsci, Ho Chi Minh, Mahatma Gandhi, Ché Guevara, Albert Camus, Albert Einstein, Emma Goldman ou Rosa Luxemburg.
É esta a carga (e a escola) ideológica do BE. Sempre foi este horizonte o objectivo com este projecto político que, acima de tudo, se declara como um "movimento de cidadãos e cidadãs". E é precisamente isto que considero fascinante no BE. O Bloco, embora procure um plano socialista para a sociedade, não se cinge a uma única ideologia. É um projecto que, verdadeiramente, tem potencial para abraçar toda a Esquerda. Indo mais ao concreto da questão, o Bloco defende, num plano económico, um caminho que defenda os Direitos Laborais e a intervenção do Estado nos sectores chave da Economia: Saúde, Educação, Transportes, Energia. Num plano social, o BE está na vanguarda da defesa da liberdade: igualdade de género, defesa dos refugiados na Europa, direito ao aborto, eutanásia, defesa de homossexuais, bissexuais e transgéneros, e direito ao consumo recreativo de cannabis. Num plano cultural, o programa do Bloco, para além de ser claramente republicano, também é laico, não mantendo qualquer tipo de relação oficial com qualquer religião. Inclusive, o Bloco pretende que as Igrejas comecem a pagar IMI, assim como os imobiliários dos partidos políticos e dos clubes desportivos profissionais. (Numa nota de curiosidade, a Igreja Católica, a seguir ao Estado, é o maior proprietário de Portugal). Se isto não é comprometimento com igualdade e Estado forte, não sei o que é.
Numa nota de cautela, ou recomendação, sugiro que o BE, em tempo algum, suavize nenhuma das suas posições ante o status quo. Mais. Uma vez que o PS decidiu revelar a sua grandessíssima ingratidão com um partido que lhe aprovou quatro Orçamentos de Estado (mas que, ainda assim, lhe fazia frente em questões concretas quando a ocasião o pedia), em nome da confiança e da estabilidade nacional, sugiro que o BE, de agora em diante, se mantenha à margem de qualquer acordo parlamentar que surja na Assembleia da República, quer venha do PS ou do PSD. Os partidos do sistema não merecem a confiança do Bloco de Esquerda (facto do qual eu já desconfiava fortemente quando a Geringonça foi montada e eu torci o nariz), uma vez que o respeito que têm pelo partido é nada mais que um esgar de cinismo. Estes quatro ano, com os sucessivos episódios incómodos que, em questões de fundo juntavam PS, PSD e CDS, e as declarações dos barões do PS durante a campanha e pré-campanha, sobre a Geringonça, são prova disso mesmo. Voltar a aprovar uma solução parlamentar liderada pelo PS, é o mesmo que o BE atirar à janela o seu esquerdismo vincado e a sua génese radical.
Não vou esconder que este texto não é, também, um apelo de voto no Bloco de Esquerdo. Eu não tenho partido político uma vez que não estou afiliado a nenhum. Mas no que toca à defesa dum programa socioeconómico socialista: em defesa da Escola Pública e do SNS; em defesa dos salários de quem trabalha, das oportunidades de quem vai trabalhar e das reformas de quem trabalhou; em defesa do Estado como fonte de redistribuição da riqueza; em defesa do ambiente e dum progresso sustentável; em defesa duma política socialmente libertária; em defesa duma Europa verdadeiramente democrática (a UE está a anos-luz disso) - o Bloco de Esquerda é a resposta enquanto se mantiver firme nas suas linhas ideológicas e na sua integridade enquanto movimento político. Não há maior prova quanto a estes factos do que o seguinte: nos anos 70 e 80, o PCP era o grande estandarte da Esquerda nacional e a grande oposição à Direita, recebendo em troco grandes e violentas reacções, e hoje, o grande alvo dos reaccionários são o BE porque foi o BE quem ocupou essa posição. Trocando isto por miúdos: o Bloco está para o José Miguel Júdice como o PCP estava para o mesmo nos anos 80.
O dia 6 de Outubro poderá ser decisivo para o BE aumentar a sua força política, e o BE precisa disso. A Esquerda precisa disso. A República Portuguesa precisa disso. Se domingo for favorável, o BE passará a ter mais de 20 deputados na Assembleia da República... mas, por favor, longe da agenda do Arco do Governo!

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Legislativas 2019: Coligação Democrática Unitária - Partido Comunista Português & Partido Ecologista "Os Verdes"

O Partido Comunista, de Portugal, é o mais antigo partido, dos que estão activos, na Nação. Fundado em 1921, não duma separação dum movimento socialista ou social democrata - como era costume suceder na Europa daqueles longínquos (mas tão familiares) dias -, mas sim nascido dum movimento anarco-sindicalista que então operava em Portugal. O passado primordial do partido, à luz da História, é por vezes sinuoso, e da sua fundação a cinco anos o partido tornou-se ilegal, assim como todos os outros, aquando do Golpe Militar ditatorial de 1926 que pôs fim à I República. Foi preciso esperar 48 anos, pela Revolução dos Cravos, para que o PCP voltasse a ser um partido legalizado na República Portuguesa. O PEV, por outro lado, é um partido mais recente. Fundado em 1982, nunca concorreu em Eleições Legislativas sozinho, tendo desde o ano da sua fundação mantido uma coligação parlamentar com o PCP. Muitos consideram que tal é pouco digno dum partido. José Sócrates, aliás, quando então dava a secreta infelicidade ao país de ser Primeiro-Ministro, fez uma declaração a respeito do PEV quando se dirigia à sua Líder Parlamentar, Heloísa Apolónia, dizendo "verdes por fora, vermelhos por dentro". Saltando por cima do claro anti-socialismo de Sócrates, o PEV é um partido que não tem visto reconhecida verdadeira justiça. Embora seja verdade que sempre tenham mantido coligação com o PCP, têm um programa político próprio, sendo o primeiro partido Eco-Socialista na História da política portuguesa, e revelando, inclusive, nos últimos anos, um espírito de liberdade social mais progressista que o PCP. Embora tenha passado despercebido, não só o PEV é solidário com o consumo de cannabis, como também apresentou uma proposta de lei, na AR, pela legalização da eutanásia, da última vez que esta foi discutida no Parlamento. 
Quanto ao PCP, este não só é um partido pelo qual eu tenho um profundo respeito e admiração, como também é um partido ao qual todos os portugueses, que são pró-25 de Abril, devem o derrube do Fascismo. Embora a historiografia contemporânea tenha dado o lugar de destaque ao PS, e ao seu líder fundador Mário Soares, como principais opositores civis ao Fascismo, foi o PCP que correu o país de Norte a Sul, muitas vezes em bicicleta, distribuindo jornais e panfletos clandestinos, fazendo uma oposição democrática pelas sombras, agitando o povo português e os jovens universitários a erguerem-se contra a Ditadura. Foram inúmeros militantes e colaboradores comunistas que acabaram presos, torturados, e por vezes mortos em longínquos locais como o Tarrafal - como exemplo o Secretário-Geral Bento Gonçalves -, e foram os comunistas que no dia 25 de Abril eram bestiais, e no dia 25 de Novembro do ano seguinte já eram bestas, fruto de incontáveis esfaqueamentos pelas costas. Claro que nenhuma menção histórica ao PCP fica completa sem aquele que é o meu maior ídolo político português, Álvaro Cunhal.
Cunhal atravessou uma juventude academicamente brilhante, participando na célebre polémica cultural com José Régio, desde cedo abraçando a Filosofia Marxista, e desde cedo tomando acção contra o Fascismo. Filiou-se ao PCP, tornou-se o seu Secretário-Geral, e atravessou 11 anos de violência e opressão na Prisão de Alta Segurança de Peniche. Eventualmente, a alta segurança não impediu que Cunhal e outros camaradas se evadissem da Prisão, em 1960, passando ao exílio, na União Soviética e em França, até ao famoso dia 25 de Abril de 1974. Desde aí, Cunhal lutou pela efectivação duma Revolução Socialista e Democrática em Portugal, tendo estando ao lado dos desígnios do PREC, mas nunca indo ao ponto de querer iniciar uma Guerra Civil, como outros, por ventura, estariam dispostos. Sabemos hoje que Mário Soares chegou a estabelecer contacto com os EUA, para que estes invadissem Portugal, em 1975, no caso das soluções do PREC se tornarem definitivas. Há muito que vejo o camarada Álvaro como uma personagem vinda de uma qualquer obra literária fantástica. "Filho adoptivo do Proletariado", como se declarava, era também possuidor de uma intelectualidade fantástica. Muitas vezes é disso que sinto falta no PCP. Uma voz pelo Proletariado, e ao mesmo tempo um farol intelectual, uma estrela vermelha inspiradora, com destreza política e capaz de ler, com a máxima assertividade, o mapa do caminho socialista e as orientações do Marxismo. Mas o Álvaro, apesar da sua longa e preenchida vida, já não vive. E como não vive já não pode corrigir os erros, anteriores e ulteriores, do partido.
O PCP, e por consequência a CDU - uma vez que este foi sempre o partido maior na coligação -, já não tem, nem a vida, nem os deputados, que outrora teve. Nas primeiras Eleições Legislativas, em 1976, o PCP obteve 40 deputados, tendo alcançado vitória em três distritos: Setúbal, Beja e Évora. Na altura correspondeu a quase 800 mil votos dos eleitores. Hoje, 43 anos após tal coisa, a bancada parlamentar da CDU está reduzida a menos de metade dos deputados (15 do PCP e 2 dos Verdes). A linha decrescente lê-se como tinta preta em papel branco, infelizmente.
Creio que Cunhal deixou para trás um grande vazio de orfandade, não só para muitos de nós que acreditam, ou esforçam-se por acreditar, que um futuro socialista é possível - e sim, eu de facto acredito que, no plano democrático, tal transformação civilizacional seja possível no Mundo -, mas também para o próprio PCP. Não vale a pena negá-lo. A força já não é a mesma. O pulsar ideológico e a Luta política já não são os mesmos. Muitos dos deputados já não acreditam, com a força que antes se acreditava, que o Capitalismo é um sistema não democrático e ingrato. Pergunto-me mesmo quantos deles compreendem as artérias do pensamento marxista e a tese do Materialismo Histórico. Bernardino Soares compreende-os? António Filipe compreende-os? Sou céptico porque os costumo ouvir, e não me soam a comunistas. Saramago afirmava, com algum humor, que era um comunista hormonal. Possivelmente, para se ser é isso que é preciso. Uma forma de acção e pensamento, um estilo de vida, que justifique tal compromisso. E há várias razões pelas quais eu não sou, mas isso será para outra altura. Por agora basta-me dizer que, apesar de ter admiração pela dinâmica da mentalidade, selectas coisas impedem-me de o ser, nomeadamente a forma como a ideologia fecha os olhos a outras filosofias que partilham vários aspectos em comum.
Continuo a acompanhar o PCP nas suas bases ideológicas económicas, acompanho menos no que à base social diz respeito. O PCP já foi socialmente progressivo. Foi Cunhal que apresentou uma Dissertação sobre a legalização do aborto, num país que ainda estava a anos luz de se pensar em tal coisa, e foi o PCP que apresentou uma proposta de lei pela sua legalização em 1982. Também foi o PCP um grande defensor dos direitos da mulher na sociedade. Mas outras questões, de similar importância, com o tempo, escaparam à atenção do partido. Quanto à sua organização política - em tempos massiva, inconformada, de grande força sindical -, é o que, acima de tudo, está mal no PCP. Perdeu-se o norte. E a culpa não reside no seu Secretário-Geral, Jerónimo de Sousa, pelo qual tenho uma tremenda admiração. Jerónimo também lutou, e luta, pela verdadeira Democracia. Jerónimo é dos políticos mais honestos da História de Portugal. Nunca teve o mais pálido interesse em enriquecer às custas da política, abraçando-a como um autêntico serviço ao Povo. Mas o PCP insiste em dar cobertura a Nicolas Maduro, aos crimes que têm sido feitos na Tchetchénia, ao Regime Ditatorial na China, a não comentar a natureza sinistra do regime da Coreia do Norte. No meu ponto de vista, o PCP precisava de reformular os estatutos da sua base ideológica. Abraçar os preceitos do Marxismo clássico. Dar os mesmos passos em frente que, por exemplo, o Partido Comunista Japonês deu. O PCP precisa de aprender a reconhecer derrotas políticas quando elas, de facto, sucedem, para que haja espaço para a auto-crítica e a correcção da praxis. Isto é muito mais que teoria, é um facto. Não há caminho socialista sem aplicação de método e praxis. E as mudanças de fundo têm de ser aplicadas o mais rápido possível, antes que seja tarde. Reformulem os quadros do partido, expulsem quantos tiverem de expulsar. Um partido comunista tem de ser, por natureza, radical na sua acção política (e para o leitor mais obtuso, com radical não me refiro a rebentar bombas, logicamente). Chegou uma altura em que o PCP teve de expulsar, nos anos 80, gente como a Zita Seabra, do partido. O PCP não pode ser complacente com o facto do imobiliário dos partidos e as igrejas não contribuírem, fiscalmente, para o Estado. Aliás, o PCP não devia ter qualquer género de relação com qualquer forma de religião organizada. O PCP devia ser vocal com a forma como a Religião anestesia, como ópio, a população mundial, como Marx um dia escreveu. Não é preciso ser-se comunista para votar PCP, ou CDU se quiserem, eu planeio, por enquanto, continuar a fazê-lo na minha autarquia, de consciência tranquila, mas até ao dia em que estas reformas não forem pensadas e efectuadas, não poderão contar comigo no plano nacional.
No dia 6 de Outubro irá haver um embate. A CDU decidiu que devia colocar candidatos importantes, como Heloísa Apolónia, em distritos onde há séculos que não elegem ninguém. Tudo o que tenho a dizer é que a bala vai sair pela culatra. É possível que a CDU perca mais uns quantos deputados. Haverá dias melhores se o espírito crítico e o bom senso ideológico falarem mais alto que o Centralismo Democrático.

Post scriptum:
Até ao dia em que o PCP abraçar a Revolução Internacionalista, focada numa Esquerda Libertária. Até ao dia em que denunciarem, explicitamente, o: Estalinismo; o Holodomor; a agressão da URSS à Checoslováquia em 1968; e a perseguição de 90% do Comité Central do Partido Comunista Soviético, por Stalin, que resultou no assassinato de, entre outros, Leon Trotsky; não fizeram avanço nenhum... com grande tristeza minha.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Legislativas 2019: Pessoas-Animais-Natureza

Foi com agrado que, nas Eleições Legislativas de 2015, recebi a primeira eleição, deste partido, dum deputado para Assembleia da República, tendo em conta que o PAN, não só é um partido recente, como também é um partido de reduzidos meios financeiros e logísticos, quando comparado com os partidos de grande dimensão. Claro que a minha felicidade não é cega. Teria recebido com pesar tal facto se tal tivesse vindo dum partido neofascista, mas o PAN não é um partido que apregoe tal ideologia, sendo sim um partido que, nos últimos quatro anos, trouxe à mesa da discussão pública questões que, até então, não passavam dos seus pequenos círculos ideológicos... e isso quando não eram consideradas meras trivialidades pouco dignas da discussão política nacional. Claro que, no que concerne aos avanços legislativos das propostas do PAN, o partido foi sortudo em 2015, uma vez que foi André Silva o deputado eleito - um homem que, sozinho, tem feito uma "barulheira" naquele parlamento. Já me deparei com pessoas que, de facto, se indagaram com este fenómeno: "Como é que um tipo só pode fazer tanto barulho?". E, neste aspecto, há que dar o mérito ao André Silva e ao seu partido no qual ele é o Porta-Voz. Mas antes das especificidades da prática política, é imperativo, como de resto tenho feito nos textos anteriores (o melhor que pude, talvez, tendo em conta que não quero fazer destes textos demasiado massudos, apesar de, para alguns, como avisei no início, serem indigestos), abordar a corrente ideológica por detrás do PAN.
Aqui é duplamente oportuno usar o termo "ideologia", devido ao facto de André Silva ter declarado o PAN como um partido pós-ideológico. Logo aqui vejo o primeiro grande problema com este partido, porque, no meu entendimento da sociedade humana contemporânea, não existe tal coisa como um movimento pós-ideológico. Pós-ideologia faz-me sempre lembrar de Pós-Modernismo - uma corrente filosófica recente que, não só anunciou o Fim da História e o derradeiro e eterno triunfo do Capitalismo sobre todas as demais formas de civilização, após a desagregação da União Soviética, como também introduziu estilos de arte que, por vezes, me sinto obrigado a classifica-los como produto da preguiça. Um partido pós-ideológico é um partido que se considera, num plano de evolução, para lá das correntes ideológicas que se espalham pelas várias formas de pensamento do nosso mundo. É um partido que se alheia ao confronto de ideias entre Socialismo e Capitalismo. É um partido que considera que isto de Direita e Esquerda é nada mais que uma distracção daquilo que é o foco da questão. Um partido pós-ideológico, como o PAN se afirma, considera que a sua agenda política está para lá da ideologia. Muitos poderão considerar esta minha reflexão, sobre esta declaração de André Silva, uma trivialidade pouco digna de atenção, mas não é. À frente concluirei porquê. Mas deixarei esta questão, por agora, assim: Não há tal coisa como partido pós-ideológico. Deve-se desconfiar de qualquer entidade que se afirme como tal. 
Voltando à ideologia que move o PAN. No plano social é um partido libertário, que integra movimentos LGBT nas suas fileiras e que apresentou uma proposta de lei, na AR, de legalização da eutanásia. No plano filosófico-cultural, é um partido que valoriza a vida das restantes espécies biológicas em igual medida da sua valorização da vida dos seres humanos. É um partido que procura uma maior harmonia entre a vida civilizacional e a vida dos ecossistemas, e que rejeita, veemente, qualquer forma cultural que atente contra a vida de outras espécies, nomeadamente, os espectáculos tauromáquicos. No plano económico, é um partido que, pondo a discrição de forma simples e sucinta, tem fé no Capitalismo Verde. Claro que será injusto classificar o PAN como um partido neoliberal, uma vez que, atrevo-me a dizê-lo, amiúde entra em campos sociais-democratas (não é por acaso que André Silva sentiu necessidade de dizer que o PSD não é social-democrata). Claro que o cavalo de batalha deste partido é a defesa do ambiente e o combate às alterações climáticas, provocadas por largas décadas de poluição mundial, e é um estandarte - juntamente com a defesa dos animais - que aglomera todas as demais causas deste partido, que também entram nos planos concretos da Economia, e que, geralmente, não recebem a devida atenção, nem das pessoas, nem dos Media. Em todo caso, uma particularidade do PAN, quando comparado com outros partidos ambientalistas - e particularidade essa que serve de fissura definitiva entre mim e este partido -, é que o PAN quer fazer frente à Emergência Climática sem fazer frente ao próprio paradigma civilizacional: o Capitalismo. O PAN quer erguer uma sociedade mais protectora do ambiente - criticando, e muito bem, o productivismo/consumismo desenfreado e a economia extractivista - sem mudar as bases económicas e os alicerces do sistema financeiro que regem a nossa sociedade. Eu, assim como outros partidos ambientalistas que se guiam por um programa Eco-Socialista, não acredito que seja possível combater uma coisa sem enfrentar a outra. E é este o argumento que comprova que o PAN não pode ser pós-ideológico.
Quando ao que se tem passado ao PAN, nos últimos quatro anos, e quanto à pessoa do seu único deputado. A vaga de indignações contra o PAN por parte da Sociedade Civil tem sido vasta e incessante, ora tenha sido por causa das touradas, ora por causa da dieta vegetariana, ora porque os críticos consideram o PAN, sobretudo, um partido animalista (signifique isso o que significar). E não têm sido críticos quaisquer. Figuras tão distintas no país como Miguel Sousa Tavares - que lhes chamou "urbano-depressivos" - e Manuel Alegre - cuja polémica eu tive oportunidade de abordar no meu texto "Cavalgadura Literária" - sentiram necessidade de arremessar farpas ao PAN. Há quem considere que o PAN é um empecilho para várias áreas de interesse económico em Portugal - como a caça ou a agricultura intensiva - e eu até posso perceber porque é que há portugueses que detestam o PAN acima de todas as outras coisas (portugueses, tanto de Direita ou de Esquerda), mas o que eu nem posso entender é como podem comparar o PAN com Totalitarismo e Fascismo. Mudar estilos de vida pelo bem comum do Futuro e pelo bem da Natureza não é nenhuma forma de Pensamento Único ou de extinção da Democracia. Quanto a André Silva não há muito mais a afirmar. É um homem incisivo, determinado, confiante, bom debatedor, altamente informado sobre os temas que envolvem as suas causas estandarte. Mas claro, não é o único membro do PAN digno de menção. Também o recém-eleito eurodeputado Francisco Guerreiro é uma mais valia dentro do partido.
No que concerne ao dia 6 de Outubro, este vai ser um dia de vitória para o PAN. Várias figuras notórias da Nação vieram a público revelar o seu apoio ao jovem partido, umas mais surpreendentes que outras, como exemplo é o Historiador e Professor Catedrático João Paulo Oliveira e Costa. É provável que aumentem o número de deputados para 5 ou 6. O que tem algo de surpreendente, tendo em conta o achincalhamento mediático - e redes sociais também contam - que tiveram de suportar ao longo de quatro anos.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Legislativas 2019: Partido Socialista

Quando sucederam as Eleições Legislativas de 2015 e o PSD triunfou, embora com uma maioria relativa, a Direita não suspeitava que o XX Governo Constitucional fosse durar tão poucas semanas. Esse foi, aliás, o mais curto Governo na História de Portugal, fora as atribulações e convulsões que marcaram a I República, e um ou outro Governo da Monarquia Parlamentar. Também a síntese desta pequena crise política era imprevisível. Acontece que António Costa arranjou forma de fazer históricos acordos parlamentares com o PCP e o BE, tornando-se assim, enquanto Secretário-Geral do PS, Primeiro-Ministro da República. Estes acordos parlamentares, que lhe tornaram possível uma maioria parlamentar que lhe aprovasse quatro Orçamentos de Estado entre 2015 e 2018, ficaram conhecidos como "Geringonça". Ora, o termo, para além de infeliz e estruturalmente incorrecto, tem também um mau nome uma vez que foi Paulo Portas quem o cunhou, na Assembleia da República, em 2015. É estruturalmente incorrecto porque, na verdade, não há Geringonça nenhuma. O que existe são acordos parlamentares bilaterais entre o PS e o PCP, e entre o PS e o BE. Embora o PCP e o BE tenham imensos aspectos de convergência, as divergências entre estes dois partidos de Esquerda são cada vez mais acentuadas, devido a razões que ainda hei-de abordar. Em todo caso, o PS, o PCP e o BE nunca se sentaram os três na mesma mesa, como se o que houvesse na AR fosse uma espécie de maioria absoluta sob forma de triunvirato. E, portanto, se há Governo minoritário do PS, António Costa pode agradecer todos os dias ao PCP e ao BE.
Quanto ao passado histórico deste partido que se afirma socialista. Bem, é precisamente aí que começam e acabam os problemas com este partido. O PS foi fundado por exilados portugueses na Alemanha, resistentes ao Fascismo, entre eles Mário Soares, em 1973. Contudo, as raízes do partido podem recuar ainda mais, a um já esquecido passado marxista. O próprio Soares foi um dia um socialista marxista, a filosofia deixou de o convencer, contudo, e este passou para uma abordagem mais social-democrata do Socialismo, e o mesmo fez o próprio PS. Afirmo que este partido teve sentido no nome só durante a primeira década em que existiu, após isso, como um dia disse Jerónimo de Sousa, "Mário Soares meteu-o na gaveta, António Guterres fechou-o a sete chaves, e José Sócrates fugia dele como o Diabo foge da cruz". É uma excelente forma de resumir o que aconteceu ao Socialismo neste partido. 
O Socialismo baseia-se na: valorização de salários e protecção laboral da Classe Trabalhadora; na possessão, por parte do Estado, dos maiores e mais cruciais sectores da Economia; na Justiça Fiscal; na não subordinação a sistemas neoliberais externos ao Estado-Nação; na promoção da liberdade social, independentemente de qualquer dogma moral ou religioso. Nos tempos actuais, depois da ideologia ter sido complementada pelo surgir do Marxismo, durante o Século XIX, o fim do Socialismo é - através da justa redistribuição da Riqueza do Estado - o estandarte da Classe Trabalhadora na Luta de Classes. Claro que, desde aqui, o Socialismo pode ser encarado de diferentes formatos, especialmente no que à práxis concerne. Há Socialismos mais conservadores ou mais libertários, tal como os há mais ou menos agnósticos, ou mais autoritários ou mais democráticos, e escusado será dizer que, dentro do próprio Socialismo, as cisões e contendas entre socialistas foram e são imensas. O problema com o PS - assim como é problema do PSOE, de Espanha - é que negligenciou toda e qualquer forma de Socialismo, preferindo antes desviar-se para uma Social Democracia muito pouco convincente (mais uma espécie de Liberalismo centrista) na fase de Mário Soares, ou, muito pior, fazer um desvio para o Neoliberalismo quando o falso-socialista Sócrates tomou o Governo. 
Claro que devemos à acção executiva do Governo de Soares um Serviço Nacional de Saúde (e isso é dizer muito), mas só isso não chega para um partido que se diz socialista com mais de 40 anos. E claro que me podem acusar de falta de intelectualidade por eu pôr o Sócrates na gaveta neoliberal, no final de contas ele promoveu imenso investimento estatal. Mas eu devolvo da seguinte forma: E as parcerias público-privadas (introduzidas por Cavaco) de que Sócrates gostava muito? E o que estava preparado no PEC IV? É verdade que o PS - ou uma parte dele - sempre procurou estar na vanguarda da promoção das liberdades sociais, e também é verdade que o PS sempre salvaguardou a laicização do Estado, mas não chega. Sendo só estas as convergências reais com a ideologia, fica-se, assim, muito aquém do Socialismo.
Quanto ao que se passou nos últimos quatro anos. Houve aspectos positivos, como exemplo é: a tímida subida do salário mínimo; a redução de impostos directos - mas acréscimo dos indirectos que, dadas as circunstâncias em que foram implementados, no tabaco, nas bebidas açucaradas e nos combustíveis fósseis, têm sentido -; e a balança orçamental do Estado atingir um superavit, dando margem para a Dívida Pública ser abatida (apesar desse superavit ter sido atingido graças a baixos investimentos estatais, mantendo a Saúde e a Educação em estado de grande necessidade como quase sempre teve neste país). Mas, apesar disto, na essência, os problemas estruturais de Portugal, cuja Constituição da República prometeu resolver em 1976, após a queda do Regime Fascista, continuam por resolver. Nem se quer uma progressão para uma Social Democracia - onde os salários da Classe Trabalhadora têm dignidade, onde a Saúde e a Educação são um direito e não um privilégio, onde há disciplina nos órgãos da República, onde o Estado têm uma intervenção vigilante no sistema económico e financeiro - foi feita. Bem que pode ter havido uma convergência histórica, na AR, entre o PS e dois partidos de Esquerda, mas o passo que se deu continua a ser modesto, se queremos atingir uma sociedade mais justa.
Em última análise, a pessoa do Primeiro-Ministro de Portugal. António Costa, na AR, foi dos melhores debatedores em quem eu tenho posto os olhos em cima, nos últimos tempos. É um homem dotado de grande inteligência, com grandes capacidades de negociação, e claro, tem um lado muito manhoso e, por vezes, hipócrita. As ofensivas que ele, enquanto Chefe do Governo, protagonizou, contra os professores e os motoristas em manifestação e greve, que clamavam por melhores salários e condições laborais, foi algo bastante lamentável de se ver. Para mim, o ponto mais baixo foi mesmo quando, após uma primeira situação em que o Parlamento aprovou a contagem total do tempo de serviço dos professores, Costa ameaçou demitir-se, tentando fazer um pouco de chantagem política. Bem, na altura, deu resultado porque a Direita, curiosamente, voltou atrás. Claro que, quanto a mim, a requisição civil decretada durante a greve dos motoristas de matérias perigosas foi um boicote à greve e uma autêntica anedota nacional, e também representou uma situação lamentável protagonizada por António Costa. Indivíduo inteligente mas altamente manhoso.
O que espera o PS nas Eleições de 6 de Outubro é também bastante claro. Um resultado próximo da maioria absoluta, necessitando só de um único partido para ter um acordo parlamentar que dure mais quatro anos.