segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A Brexit in the Life - O Caso May... com outras coisas pelo meio

Nunca imaginei eu que a Faculdade me fosse consumir tanto tempo e energia, ao ponto de não conseguir manter este blog tão activo como gostaria. Adiante! O semestre já está no seu ocaso - comigo já cansado, todos os dias, pelas 16 horas - e o mundo continua a girar, como tem girado nos últimos 4 mil e 500 milhões de anos. Assim sendo, canalizo as palavras deste texto a um Estado que, historicamente, é bem próximo de Portugal, sob a representação da sua Primeira-Ministra.

Theresa May, por enquanto, líder do Partido Conservador inglês, e Chefe do Governo do Reino Unido, é possivelmente a política inglesa mais incapaz dos últimos anos. A situação aborrecida, chata, em que o Reino Unido se encontra - o Brexit - já se arrasta há mais de dois anos. Foi em 2016 que o povo britânico disse não, num referendo democrático, à União Europeia (e, diga-se, em legítimo direito próprio) e, aproximando-se 2019, ainda não foi produzido um derradeiro acordo político e económico entre o RU e a UE, face à nova (mas não tão nova quanto a comunicação social pensa) situação do Brexit. May, como emissária anglo-saxónica nesta "missão impossível", em abono da verdade, pouco tem feito, quer seja pelo seu Estado ou, até, pelo seu partido. Nem o próprio partido Theresa May é capaz de servir. Sabe o leitor que mais? Arrisco-me a dizer que nem a sua nonagenária Rainha, May tem sido competente em servir.

Dentro da sua casa - o seu partido - May enfrenta dois grupos de tories: os que não queriam o Brexit, e que agora têm de o comer, procurando estes uma saída leve, almofadada por muitos acordos e acordinhos; e os "hardliners", aqueles que querem sair, e a saída é para ser ontem, mais nada! De momento, May não consegue agradar nenhum destes. Na semana passada, May encaminhou-se para reunir com os líderes da UE, com a missão de extrair deles, e de vários estados membros, numa perspectiva bilateral, um acordo Brexit derradeiro e último, de modo a este ser submetido, com todas as renegociações, ante o Parlamento do RU, para ser aprovado ou chumbado. De Bruxelas saiu de mãos a abanar. Nem um modesto esboço de acordo Theresa May levou consigo. E, visivelmente, o Partido Conservador já vai perdendo a paciência (os criacionistas do partido norte-irlandês já a perderam há muito tempo, e claramente não personificaram essa virtude tão cristã, ou será budista?).

O outro problema que assombra May chama-se Jeremy Corbyn! Corbyn é não só o líder do opositor Partido Trabalhista (Labour), é também um republicano (o que o torna também um bicho-papão para a Rainha Elizabeth II, imagino). O primeiro líder trabalhista afecto ao socialismo marxista desde há várias décadas, e uma força revitalizadora para a oposição aos tories e aos revisionistas da Terceira Via. Ora, sabe-se que Corbyn, com o Labour em bloco, era um opositor do Brexit devido às suas motivações ideológicas euro-socialistas. Mas, perante uma nova realidade, diante de uma vocalizada vontade democrática de saída, Corbyn tem de se adaptar, e evidentemente a vontade do Labour é um acordo de saída razoável, e melhor será se forem os próprios, no governo, a negociarem um acordo - é ante isto que muita gente se pergunta "Mas do que é que o Corbyn está à espera para lançar uma Moção de Censura, no Parlamento?". 

Evidentemente, May tem lidado muito mal com a sua oposição, quer com o Labour, ou com o Partido Nacional Escocês. As suas intervenções na Câmara dos Comuns são um espectáculo triste, cheias de falácias e insinuações insultuosas. Na prática, são uma cassete riscada vazia de qualquer conteúdo. No dia 12, quando lhe perguntavam quando viria esse tal acordo, ela respondia outra coisa qualquer. E já adiou, à revelia da vontade parlamentar, a discussão e votação do acordo: ora, se a senhora não é capaz de negociar o acordo...

Um outro problema com o qual o RU tem de lidar é com a fronteira entre a Irlanda do Norte (súbdita da Rainha) e a República da Irlanda. O problema, em explicação, é simples, mas em resolução não tanto. Desde a década de 90, como parte integrante de resolver os conflitos na ilha irlandesa, acordou-se que a fronteira entre as 'duas Irlandas' seria de livre circulação. Com a nova realidade do Brexit, sendo a Irlanda do Norte parte do RU - que em Março já não será mais um estado-membro da UE - não poderá mais haver uma fronteira livre entre a Irlanda do Reino, e a Irlanda Republicana que é, indiscutivelmente, um estado-membro da UE. Isto levanta velhos problemas porque, juridicamente, seria impossível manter-se uma fronteira livre entre ambas as Irlandas, visto que, desta forma, através dessa fronteira, poderiam entrar na Inglaterra cidadãos europeus de qualquer lado, visto que a República da Irlanda está na UE - e o Brexit não significa esse género de libertinagem. Como há uns tempos May lembrou o mundo, "Brexit means Brexit". O desfecho, creio, é que se erguerá novamente uma fronteira física e fiscalizada na ilha irlandesa.

Theresa May tem em mãos imensos problemas, e a sua sobrevivência política é cada vez mais inverosímil. Eventualmente, o Governo Conservador irá encerrar portas e dará lugar, se a sociedade tiver essa sorte, a um Governo Socialista encabeçado por Jeremy Corbyn que lidará melhor, não só com o Brexit, como também com os demais problemas na sociedade britânica e internacional. Corbyn tem uma franja larga da sociedade no seu apoio: boa parte da classe trabalhadora, artistas, cientistas, minorias raciais, a comunidade LGBT, por aí fora, e qualquer pessoa que seja de Esquerda claro... (curioso, só não sou artista, nem cientista, assumindo que também não estou numa minoria racial). Só há um lobby, e este bem mais poderoso que o actual Governo, que tem perpetuado larga oposição, e oposição desleal, mentirosa, nojenta mesmo, a Corbyn. O lobby dos capitalistas sionistas. Há muitos judeus poderosos (entre outros grupos) que têm acusado Corbyn de anti-semitismo devido às suas críticas ao Estado de Israel, mas este tema abordarei noutra ocasião - e se alguém quiser também a mim acusar-me de anti-semitismo esteja à vontade, que eu tenho descendência judaica.

Voltando à conclusão, que era para onde me encaminhava, tudo isto valerá nada se agora fizessem a batotice de lançar um segundo referendo, ou a batotice ainda maior de voltar atrás no Brexit sem se quer um referendo, sem consultarem os cidadãos. Isso para mim é batota pura! Se isso vai acontecer? Bem, acertei que o Brexit ia ganhar no referendo, agora palpito que, mais cedo ou mais tarde, não vai haver uma volta de 180 graus e o Brexit irá mesmo ser consumado. Em todo caso, se quiserem tirar a prova dos nove e fazer um segundo referendo - e se isto acontecer a abstenção será baixíssima, agora que as pessoas já deram conta que a política afecta as suas vidas - quem sou eu para estar contra isso. Mas que não se cometa o acto ditatorial e fascista de voltarem atrás sem uma nova consulta popular!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

José Saramago

Nada devo acrescentar a palavras como as que José Saramago proferiu, há precisamente 20 anos, em Estocolmo, na recepção do Prémio Nobel da Literatura. Fazê-lo seria algo criminalmente vulgar. Devo dizer, contudo, que para sempre ficarei agradecido a alguém que nunca tive hipótese de conhecer, mas que ainda assim agradeço profundamente, pelos seus livros e pela lucidez com que sempre falou e escreveu ante aqueles que atentamente o escutavam... e ainda escutam, e sempre o lerão. E devo também agradecer-lhe por sempre se ter mantido fiel a causas que gritavam por liberdade (a material e a da consciência) e Democracia - tão actuais como hoje, neste dia que marca os 70 anos da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Jamais Saramago vacilou, nem neste dia, em que teve de proferir um discurso solene perante elite e aristocracia, nem neste dia Saramago deixou de ser um anti-conformista, um ateu, um comunista, e homem, todo ele, levantado do chão pobre em que cresceu. Seja talvez pelo facto de toda a sua formação ter sido por si próprio feita, que Saramago nunca esqueceu de onde veio, nem esqueceu a realidade que o rodeava. E já vão longuíssimas as minhas palavras. Resta-me dizer, Obrigado. Aqui vai o Discurso de Estocolmo (que pode ser encontrado tanto no site da Fundação Saramago como no Último Caderno de Lanzarote):

"Cumpriram-se hoje exactamente 50 anos sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não têm faltado comemorações à efeméride. Sabendo-se, porém, como a atenção se cansa quando as circunstâncias lhe pedem que se ocupe de assuntos sérios, não é arriscado prever que o interesse público por esta questão comece a diminuir já a partir de amanhã. Nada tenho contra esses actos comemorativos, eu próprio contribuí para eles, modestamente, com algumas palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasião não o desaconselha, permita-se-me que diga aqui umas quantas mais.

Neste meio século não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.

Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.

Não esqueci os agradecimentos. Em Frankfurt, no dia 8 de Outubro, as primeiras palavras que pronunciei foram para agradecer à Academia Sueca a atribuição do Prémio Nobel da Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos torno a agradecer. E agora também aos escritores portugueses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de hoje: é por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que não nasci para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam portanto." 

sábado, 8 de dezembro de 2018

Morrison (poema)

Em memória do 75º aniversário do vulto que personificou o que é uma rockstar, mas sobretudo dum poeta americano, como aliás Jim Morrison queria ser lembrado, partilho este poema que lhe dediquei no idioma que ele amava: a língua inglesa.

Amidst an unannounced death, your face,
Your marvellous body, succumbed restless,
As if it were an angel in darkness
Yet to obtain the Heaven's grace.

Though, my hedonistic Shaman, neither Heaven
Nor material immortality you quested for,
Pure and limitless mortality you wanted more,
And so your sanctuary came at age twenty seven.

But as you departed, you also had cradle
My beautiful poetic Peace Frog -
A fire lightened in musical fable.
A life moonlight-driven in mysterious fog.

You cleansed the Doors of Perception.
Through word and melody you found
The key to a literary consecration
And the notes to a deathless sound.

You're the Lizard King
You can do anything,
This you said.
I'm a poetic being
And I write verses darkling,
By your voice being led.

To you, Jim Morrison, I write. Even though I know it will never reach your existence, it might merge with your words.

8 de Dezembro de 2018

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Um Carro sem Travões num Tratado de Tratantes

"Julgava o ingénuo de mim que Afonso Domingues tinha sido arquitecto, Luís de Camões poeta, Camilo Castelo Branco romancista, Soares dos Reis escultor, Domingos Bomtempo compositor, e afinal não era verdade. Eles e todos os outros, de fora e de dentro, andaram a enganar-me com esses formosos títulos quando o que os práticos sujeitos fizeram em toda a sua vida foi investir: é pois investimento a Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha, são investimento as redondilhas de Sôbolos rios, é investimento A Brasileira de Prazins, é investimento O Desterrado, e é investimento, só investimento, a Missa de Requiem. Dentro de alguns anos é possível que apenas consigamos encontrar os nomes daqueles senhores nas páginas das revistas de economia e finanças, entre os resultados de Microsoft e as perspectivas de Champalimaud. De futuro, sirva este exemplo, não serão escritas Histórias da Literatura Portuguesa, mas sim Histórias do Investimento Literário em Portugal. E os estudantes usarão as suas calculadoras de bolso para comprovar o valor de mercado de Jorge de Sena, de Eduardo Viana ou de José Rodrigues Miguéis…"

Assim abre mais uma entrada, referente ao dia 22 de Fevereiro de 1998, presente no Último Caderno de Lanzarote, de José Saramago. Saramago refere-se, de forma excepcionalmente irónica, claro, ao Acordo Multilateral sobre o Investimento (AMI) que, à data em que este artigo foi escrito, estava na mesa das discussões, no âmbito da OCDE. Saramago, criticando o modo capitalista e insensível como até a cultura tem vindo a ser abordada, denuncia aquilo que ele vê ser um "tratado de tratantes". Saramago denuncia o AMI como nada mais que um mecanismo que pretende suplantar as obras artísticas e literárias como meras bagagens de investimento de capital, da mesma forma como qualquer saco de batatas o pode ser. O Nobel, neste artigo altamente elucidativo, que pode ser encontrado, na íntegra, no site da Fundação José Saramago, afirma que os efeitos deste acordo seriam a eliminação do "conceito de direito de autor em benefício do copyright", diluindo "num suposto multiculturalismo universal as identidades culturais próprias, até à sua extinção". Saramago também foi ao detalhe dos efeitos práticos e nefastos do AMI, no mundo cultural, afirmando que "o produtor que detiver os direitos de uma obra passará a poder explorá-la sem pedir autorização ao autor (pessoa física) e com desprezo do seu direito moral". Quanto a mim, é fantástico, mas em simultâneo desconcertante, como em 1998 o Nobel da Literatura estava completamente corrente do carro sem travões que cada vez mais assolava a sociedade de então, e que aí está, ante nós, nos dias do século XXI.

Finalizando, transcrevo o remate, digno de génio literário, que fecha este depoimento escrito tão precioso para os dias de hoje: "Antigamente, nas procissões religiosas indianas, quando o grande carro de Xiva passava, havia pessoas que se atiravam para debaixo das rodas e morriam esmagadas. O AMI também é um carro gigantesco, e sem travões. Mas o pior, o pior de tudo, é que estão a empurrar-nos para debaixo dele…"

sábado, 1 de dezembro de 2018

Morreu a Ilda

Concluí a uns dias a leitura daquele que, creio eu, será o último livro publicado por José Saramago, o Último Caderno de Lanzarote, lançado este ano (ainda que o Nobel já tenha falecido há oito anos). É o último volume de diários que Saramago escreveu entre 1992 e 1998, este, em específico, referente ao ano de 1998, o ano em que o génio foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura - até hoje o único escritor de língua portuguesa homenageado com tal distinção. Nos próximo dias, uma vez que nos aproximamos do 20º aniversário da recepção do galardão em Estocolmo, irei partilhar no Pensatório da Divisão várias passagens deste derradeiro volume. Aqui vai a primeira, escrita no dia 5 de Janeiro de 1998:

"Morreu a Ilda. A Ilda era a Ilda Reis, que nos tempos de rapariga começou a sua vida de trabalho como dactilógrafa dos serviços administrativos dos Caminhos de Ferro, e depois, obrigando um corpo demasiadas vezes sofredor, esforçando a tenacidade de um espírito que as advertências nunca conseguiriam dobrar, se entregou à vocação que faria dela um dos mais importantes gravadores portugueses. Gozou dessa felicidade substituta que o êxito costuma vender caro, mas tinha-lhe fugido o simples contentamento de viver. As suas gravuras e as suas pinturas foram em geral dramáticas, cindidas, auto-reflexivas, de expressão tendencialmente esquizofrénica (diga-se sem nenhuma certeza), como se teimasse ainda em procurar uma complementaridade para sempre perdida. Fomos casados durante vinte e seis anos. Tivemos uma filha."

Nesta altura, evidentemente, Saramago já era casado há vários anos com a Pilar del Rio, em todo caso, constatando a natureza destas palavras, transparece, quanto a mim, uma última homenagem de Saramago para com uma mulher que partilhou a vida com ele, mas que, num tom mais lúgubre, transparece também um ligeiro toque de amargura, de secura.... de tristeza, talvez?! Digo isto se tivermos em conta a colocação incerimoniosa da última frase. 

Seja como for creio que o pretenso biógrafo energúmeno, que há uns dias lançou a posta de pescada de que Saramago era um grande machista, ainda deve pertencer a essa minúscula tribo de frustrados que ainda conjuram - sem quaisquer bases literárias ou filosóficas - contra o nome de José de Sousa Saramago.