quarta-feira, 23 de novembro de 2022

2 Anos: Carta Aberta ao meu Príncipe

Meu Príncipe


A felicidade, amiúde, é um estado de difícil e demorada conquista. Leva tempo até alcançarmos, no nosso mais profundo âmago, este desígnio último, esta vontade derradeira, que caracteriza uma civilizada existência humana. Receitas para a felicidade colectiva são muitas e tão distintas. Mas a felicidade que conquistei para mim, embora tenha demorado anos, surgiu e instalou-se à velocidade da luz e resgatou-me do vortex tenebroso no qual a minha mente se afundava, ano após ano. Esta felicidade de que te falo é uma felicidade que deve sempre anteceder uma felicidade colectiva na sociedade, da mesma forma que, como defendeu Jim Morrison, para primeiro haver uma revolução na sociedade é primeiro necessário haver uma revolução pessoal, uma revolução de consciência, em cada um de nós. A felicidade sobre a qual te escrevo não é o usufruto consolidado e universal de uma sociedade plenamente livre e com recursos e tempo para satisfazer as necessidades básicas e lúdicas de toda a gente - esse projecto prometaico pensado desde os seguidores de Epicuro até aos iluministas radicais do século XVIII. Não. Eu falo precisamente dessa outra felicidade que antecede esta felicidade que descrevi, ou que, então, deve coexistir com um estádio colectivo de felicidade humana. 


A vida não é perfeita. A própria felicidade não é uma realização perfeita. Eu não sou uma pessoa perfeita. Tampouco tu és, meu Príncipe, uma pessoa perfeita. Todavia, também não é a perfeição que nós procuramos - algo próximo da perfeição, claro, mas não a perfeição rígida e consolidada, possivelmente porque tal coisa seria impossível ou então porque tal coisa deixaria de ser felicidade. 


A felicidade, para quem procura, pode ser conquistada num instante. Um acender da lâmpada. O piscar de um olho. O bater das asas de um pássaro. O cair de uma gota. O sibilar de uma serpente. No momento antes não havia motivos para grandes esperanças e a mente estava pesada, e no momento seguinte o peso do mundo tinha sido levantado de cima do meu peito e o alvor já era visível no horizonte. Sabes quando é que isso aconteceu, meu Príncipe? Quando vi a tua cara sorridente, e os teus olhos azuis a olharem para os meus e a tua voz calma e melodiosa a dizer o meu nome. Foi quando pude sentir o teu peito contra o meu e quando pude absorver-me no perfume que é o odor do teu cabelo. Foi quando tu me disseste que ias embora mas que obviamente ias regressar, e continuar a regressar, até que nunca mais foste embora. Claro que pude conhecer, também, as tuas ocasionais 'alucinações' da mesma forma que tu pudeste conhecer os meus defeitos de personalidade, mas isso também faz parte do amor e fará sempre parte de qualquer projecto de felicidade, não concordas meu Príncipe?! Como havíamos nós de progredir individual e colectivamente se já tivéssemos nascido perfeitos como os profetas e os messias dessas religiões que são veneradas por tantos milhões de mamíferos? Mamíferos como eu e tu. Seres humanos. Seres cujo único desígnio é - ou deveria ser - a procura incessante, dentro das várias circunscrições éticas, da felicidade. Tal procura, julgo eu, nunca será realizável se não houver amor. É isso que tu significas para mim, Filipe. O tudo ou o nada da procura da minha felicidade indissociável da tua própria felicidade.


Tenho lido Oscar Wilde para me inspirar a escrever-te esta carta. Optei por reler The Picture of Dorian Gray, para me embalar nas sensações e nas imagens e na beleza das frases e dos diálogos, e li uma pequena obra de Wilde que ainda nunca tinha lido: De Profundis. Uma carta que foi endereçada ao amado de Wilde, Lord Alfred Douglas, redigida enquanto o Oscar cumpria a sua ignóbil pena de prisão, e postumamente publicada. Não pude deixar de me encher de melancolia. O contraste das imagens literárias entre luzes (em Dorian Gray) e sombras (em De Profundis) é chocante. Como pôde um ser tão luminoso e optimista como Wilde ter mergulhado em tanta depressão e tanto ascetismo? E a parte mais melancólica é que nós sabemos como a estória acaba… pelo menos para Wilde. Certamente, em alguma altura da vida dele, ele terá sido feliz, mas, numa das últimas obras que ele alguma escreveu (esta de que escrevo), ele iniciou da seguinte forma: "Suffering is one very long moment." Mas esse não será o nosso desfecho, meu Príncipe. Escolha curiosa para um republicano convicto designar o amor da sua vida como Príncipe: Erguido, em luz, na acrópole da minha helénica cidade mental, tu és o Princeps Civitatis. És a bússola para os meus desígnios. O teu surgimento na minha vida representa para mim o que a publicação do Manifesto de Marx e Engels representa para os comunistas, a ascensão de Buda ao Nirvana representa para os budistas ou o que o nascimento e renascimento de Jesus Cristo representa para os cristãos. Antes de ti havia uma Era na minha vida, e depois de ti começou outra Era.


Faz hoje dois anos que nos conhecemos. Faz hoje dois anos que reencontrei felicidade plena. Tivesse eu nunca vindo para Évora, ou tivessem as circunstâncias da minha vinda para Évora sido diferentes, os tempos presentes, para mim e para ti, seriam muito diferentes. Mais sombrios, certamente. Mas a vida lá resolveu, finalmente, sorrir para nós. Desde nos conhecermos até decidirmos partilhar uma vida juntos, debaixo do mesmo tecto, passaram apenas três meses. Será portanto dentro deste tempo que mais outro aniversário se concretiza: o segundo aniversário do momento em que resolvemos viver juntos e em que decidimos adormecer e acordar lado-a-lado todos os dias. Não foi algo que tenhamos pensado com antecedência. Não foi algo que discutimos ou que projectámos. Simplesmente sucedeu porque era aquilo que faria mais sentido para nós. Porque haveriam duas pessoas que se amam de viverem em locais separados quando existe a oportunidade de viverem juntas? Porque haveriam, duas pessoas que se amam e que pretendem trilhar o longo caminho da vida juntas, de passar menos tempo na companhia mútua quando é possível maximizarem em união o usufruto do tempo? Estes pensamentos que partilho contigo transportam-me para uma expressão latina - carpe diem. Fazer o máximo feliz usufruto dos dias que vivemos e daqueles que temos pela frente. É nesta senda, pensando em ti, que gravo aqui estas quadras escritas por Robert Herrick em 1648:


"Gather ye rosebuds while ye may,

Old Time is still a-flying;

And this same flower that smiles today

Tomorrow will be dying.


The glorious lamp of heaven, the sun,

The higher he's a-getting,

The sooner will his race be run,

And neerer he's to setting.


The age is best, which is the first,

When youth and blood are warmer;

But being spent, the worse, and worst

Times still succeed the former.


Then be not coy, but use your time,

And while ye may, go marry;

For having lost but once your prime,

You may forever tarry."


Quando leres esta carta, sei perfeitamente o que estarás a pensar quando chegares a este parágrafo: a carta já vai longa! Sei também que gostas de evitar este tipo de exposições. Mas se tanta coisa é dita e celebrada na praça pública, e sobre tantos nomes e temas já versaram dezenas de textos neste blog, porque não usar o meu Pensatório da Divisão para manifestar o amor e a paixão que sinto por ti? Porque não celebrar o amor e a nossa jornada rumo à felicidade?


Já ouvi dizer, e já li, que em qualquer relação a paixão romântica e ardente desaparece de forma célere. Dizem que é uma chama fátua, e que aquilo que fica no seu lugar é aquilo que muitos caracterizam como uma forma mais madura de amar e que envolve sobretudo paciência. Que tipo de amor é esse que se baseia na paciência? O amor que sinto por ti, meu Príncipe, é um sentimento absolutamente dependente e apaixonado que aumenta cada dia que passa e que tomou o meu coração logo no início. Evidentemente que também há alguma paciência. Paciência minha para lidar com o teu mau humor quando tens fome, quando tens sono ou quando acordas, paciência tua para aturar as minhas predileções por tabaco e vinho ou o meu ocasional mau feitio. Todavia, face àquilo que nos une, a paciência é um grão de areia na totalidade da nossa razão de ser. A nossa pedra angular é a vontade mútua e incontornável de estarmos na companhia um do outro todos os dias das nossas vidas.


Uma vida inteira estende-se ante nós. Não percamos o tempo e os dias e concentremo-nos em fortalecer a nossa felicidade. Esta é a minha simples proposta, meu Príncipe. É verdade que já não imagino o que é viver sem ti - e por vezes esse facto deixa-me sobressaltado -, mas tal factualidade não tem de representar per se uma fragilidade se compreender que viver uma vida contigo me torna uma pessoa melhor, me torna feliz, me dá vontade de viver, me dá um propósito férreo e me dá esperança para o futuro.


Graças a ti, Sunshine, digo sem reticências que sou feliz. Parabéns para nós neste belo dia de Outono - e nós que gostamos tanto das épocas frias e da chuva. Amo-te, Filipe.


Post scriptum:


Esta primeira estrofe do Kubla Khan, de Samuel Taylor Coleridge, uma peça de poesia cheia de cenários naturais, imagens maravilhosas e letras magistrais, faz-me lembrar a tua beleza. Tão bom poder comunicar contigo na Língua Inglesa.


In Xanadu did Kubla Khan

A stately pleasure-dome decree:

Where Alph, the sacred river, ran

Through caverns measureless to man

Down to a sunless sea.

So twice five miles of fertile ground

With walls and towers were girdled round;

And there were gardens bright with sinuous rills,

Where blossomed many an incense-bearing tree;

And here were forests ancient as the hills,

Enfolding sunny spots of greenery.


Mércores, 2 de Frimário CCXXXI