quinta-feira, 11 de abril de 2019

Missas que fazem Escola

Pelos vistos, há direcções de escolas e associações de pais, por esse Portugal fora, que ainda não compreenderam o princípio da laicidade do Estado na República. Apesar das constantes e suscitantes dúvidas relativamente a este princípio estar presente na Constituição Portuguesa (o actual Presidente da República parece não o compreender, com os seus números protagonizados em Fátima), a Fonte Fundamental é bem clara. Diz o Artigo 41º: "As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto"[4ª alínea]. Que significa isto? Efectivamente, que as instituições religiosas, embora livres, não são parte orgânica do Estado. Significa que o Estado é imparcial quanto a todas as religiões, não tendo nenhuma, nem reconhecendo oficialmente a existência de um deus.

Esta achega à Constituição vem a propósito dumas situações, das quais obtive conhecimento através do Diário de Notícias, no qual é relatado que em concelhos como Vieira do Minho, Famalicão, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real, há dirigentes escolares que, sob o aval dos respectivos conselhos gerais, promovem, no âmbito da própria escola, a realização de missas católicas, com óbvia vista à catequização dos próprios alunos. É assegurada, na própria notícia, que estas cerimónias religiosas não são de assistência obrigatória, todavia, o Presidente da Associação Ateísta Portuguesa, Carlos Esperança, ao DN, "garante já ter recebido queixas de pais cujos filhos se sentem pressionados a matricular-se em Educação Moral e Religiosa". A disciplina de Educação Moral Religiosa e Católica, oferecida pela escola pública como opcional, é o lobby interno que promove este género de digressões. Confesso que, por deliberada vontade, frequentei a disciplina do 5º ao 9º ano. Duas razões se prendem com tal, uma vez que, já na altura (efectivamente a partir do meu 6º ano), eu era ateu (embora só me viesse a cruzar com o conceito concreto por volta do meu 7º/8º ano): tinha, pelo menos, mais uma visita de estudo garantida, e passava 45 minutos bastante engraçados com os meus amigos. Devo dizer também que o professor Paulo Neves foi sempre uma pessoa impecável. Apesar dos meus tempos bem passados em EMRC, não me tranquiliza ver esta disciplina a ser utilizada como forma de "instrumentalização da escola pública", como afirma Ricardo Alves, Presidente da Associação República e Laicidade, ao DN. E quando a escola pública tem uma visão oficial em favorecimento duma religião, tal me remete a tempos mais fascizantes da História de Portugal.

Poderá o leitor afirmar, "mas isso é a sua opinião, que a escola não pode promover os bons valores católicos. Portugal é um país católico!". Nesse caso eu digo: Portugal até podia ser um país de gente que acredita no Monstro do Esparguete Voador, a Constituição da República - dos melhores exemplos de bom senso neste quase milenar país - é, outra vez, claríssima! Afirma o Artigo 43º: "O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas"[alínea 2ª]; "O ensino público não será confessional"[alínea 3ª]. Qualquer pessoa minimamente letrada, lendo estas alíneas d'ouro, compreenderá a machadada inconstitucional que tem sido perpetuada nestes concelhos (e noutros, possivelmente). Aliás, muito tenho pensado, e cheguei à conclusão que nem a própria existência da disciplina de EMRC na Escola Pública é constitucional. Ou seja, eu, e muitos, temos andado a participar em inconstitucionalidades, e ninguém me foi capaz de avisar... Ante estas missas de escola, PS, PSD, CDS (óbvio) e Governo da República, nada fizeram. A justificação que deram é que estas promoções religiosas estão contidas  dentro do princípio da autonomia das escolas. Uma coisa é a autonomia legal, e tais são bastante saudáveis. Outra é dirigentes escolares quebrarem a Constituição. Outra, contida nesta última, é, dentro do espaço do ensino público intelectual, beatos andarem a lavar a cabeça de menores segundo uma cartilha religiosa estabelecida, em detrimento doutras confissões, promovida pelo Estado. Isto não pode ser! Alguém tem de ser chamado à justiça. Com a laicidade do Estado não se brinca. Esta nação não se pode assimilar aos EUA, onde a laicidade também existe, mas é violada a todo o santo minuto.

Ora, é verdade! Mais um texto a achincalhar a religião, e com toda a razão, diga-se. Mas não me fico por aqui. O próximo capítulo será sobre as mais recentes actividades dum decano entre os medievalistas (não no sentido do estudo historiográfico) - o ex Papa, Joseph Ratzinger.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Reminiscências da Inquisição

Foi noticiado por vários órgãos de comunicação social que a Igreja Católica praticou mais outro crime intelectual. Em causa está um grupo de padres católicos, na Polónia, que, ora por mau gosto, ora pela patologia que lhes é inerente, decidiram que deviam queimar livros considerados "impróprios e ofensivos à moral cristã". Neste Index do Santo Ofício dos tempos modernos, encontram-se livros da série literária Harry Potter, escritos pela J.K. Rowling. Antes de mais, fazendo uma declaração de interesse, acho que a Joanne merecia todo o género de honras literárias, desde 2007. Também quero afirmar que, no domínio da literatura (e de muitas outras coisas) nada me é mais querido que estes livros. Todos os Verões, desde o de 2016, faço questão, com grande delícia (porventura ofensiva e imoral para estes neo-medievalistas), de arrumar com as 3000 páginas dos 7 volumes... o que costuma levar um mês. Certo. Dito isto, o leitor compreenderá o quanto sentimental sou perante esta Obra da Literatura imensa, que toca em tantos pontos da vida e da sociedade, tão bem escrito e pensado, tão divertido e tão sério... e só de pensar que ao queimarem aqueles livros estão a queimar o próprio Albus Dumbledore - não tenho habilidade suficiente para colocar em prosa o que me vai na mente.

Para essa gente sinistra, cujas vidas são vividas em torno de preconceito, ódio, medo e obscurantismo, que se divertem com estes espectáculos, para esses padres católicos e para toda a cúpula que lhes presta vassalagem, compreendam uma coisa: livros não se queimam. Nenhum livro deve ser queimado. Nenhum! Não se queima o Mein Kampf, é um testemunho dos tempos. Não se queima o Malleus Maleficarum (que certamente adorarão), é um documento histórico imprescindível para se estudar a Era Medieval. Não se queima o Código de Hammurabi. Não se queima o Alcorão. Não se queima o Tora. Não se queima a Bíblia. Não se queima Camões, Cervantes, Shakespeare, Platão, Sun Tzu, Byron, Allan Poe, Tolstoy, Pessoa, Saramago, Orwell, Huxley, Hitchens, Chomsky. Também não se queimam obras marxistas... ou fascistas. Não se queimam livros, são conhecimento, padres, sabem o que isso é? E certamente não se queima uma obra literária que atingiu o coração de tanta gente, de tantas nacionalidades e demografias, desde os 10 aos 80 anos de idade. Que vergonha... o que irá dizer um hipotético futuro mundo civilizado deste circo?

Terminando. Acho que estes padres deveriam estar mais preocupados com os reportados 400 casos de pedofilia na Igreja Católica polaca, levantados desde os anos 90. Acho que Francisco I deveria tomar medidas, mas quer-me parecer que há mais uma desilusão a caminho. Um Papa Francisco semelhante àquele que o mundo pinta excomungá-los-ia. Mas isso não vai acontecer. A capela católica - a matilha, como dizia José Saramago -  que lá manda é toda una, infelizmente, e Francisco I jamais os irá enfrentar.

Pedindo desculpa aos meus pais, à minha madrinha e ao meu padrinho (a culpa nem se quer é totalmente deles, mas enfim, continuo a adorar-vos, e de qualquer das formas o meu pai é agnóstico), por esta, e por incontáveis outras razões, tenho tanto asco em estar baptizado na Igreja Católica. Tenho nojo do próprio número que represento como membro do Catolicismo e da Cristandade. Uma Igreja que, sejamos claros, efectivamente me odeia. Assim como o seu Deus me odiaria... se existisse claro.

(Disclaimer, à precaução: Este texto não afirma que eu tenho repugnância pelos católicos em geral, ou que odeio todos os padres, ou que todos os católicos me odeiam, não é isso o que lá está escrito. Estou a falar da matilha que manda, e do ideário claro... há coisas que não se deviam esquecer tão depressa.)

Será que João Paulo II aplaudiria estes espectáculos inquisitoriais?