domingo, 8 de novembro de 2020

O Mundo Petrificou-se

Venho até aos meus leitores sem filtros. Não os quero. Não os suporto nos tempos que corremos. Talvez até a boa educação seja menos do que aquilo que é necessário, embora eu a tente conservar na retórica do texto que segue.

O mundo, e a nossa sociedade portuguesa, em particular, petrificou-se perante uma multitude de fenómenos, e poucos são os dedos que o Ser Humano tem ao seu dispor para os contar manualmente. É o Covid que é a maior ameaça ao mundo conhecido desde que Genghis Khan invadiu o Leste. É o Biden que veio ressuscitar a Democracia. É o Marcelo que está a um decreto de distância de ser coroado Rei de Portugal. É a União Nacional o único caminho possível para nos safar deste pandemónio. É o terrorismo religioso no coração da Europa que passou a ser um assunto terciário, atrás do Football e do Covid (claro). E quando o céu cair verdadeiramente em cima das nossas cabeças, haverá mamíferos muito sábios que perguntarão como chegámos a este ponto, sem se terem apercebido - ou talvez, mais provável, se façam de desentendidos - do caminho trilhado até esta encruzilhada... Pois bem, quiseram depositar no Governo, no Presidente da República e em instâncias estrangeiras, que nos são absolutamente estranhas, as chaves para resolver todos os problemas com os quais nos debatemos? Aí têm o resultado... ainda que ele não seja, por enquanto, evidente. Um qualquer leitor estreante deste blog poderá considerar que quem isto escreve é um nacionalista ferrenho. Pena que tal dedução esteja longe da verdade. Quem isto escreve é um europeu preocupado com a sua civilização e com o Progresso Histórico que já sabemos não ser imparável, infelizmente.

O mundo rejubila por um iletrado senil ser eleito Comandante das mais poderosas Forças Armadas que o mundo já conheceu, apenas por um outro doido ter sido corrido desse mesmo lugar... Que pensais? Que os EUA passarão a respeitar os assuntos internos dos Estados livres deste mundo? Que os EUA deixarão de sugar a Europa com mundos e fundos militares que não têm razão de ser? Que um Serviço Nacional de Saúde será erguido nessa nação? Que a laicidade daquela Constituição será, finalmente, respeitada? Que a palavra "Diplomacia" ganhará um renascido significado? Que a Casa Branca foi retirada aos maus e restituída aos bons? Se tudo isto for verdade, então talvez, ainda hoje, por volta das cinco da tarde, Jesus Cristo descerá à Terra para nos relatar que notícias chegam do Reino dos Céus.

Mudou o estilo. Mudou a retórica. Mudou a postura. Talvez até tenham mudado políticas ambientais aqui e políticas sociais acolá - e não julguem que será algo substancial - mas aquilo que é um dos problemas maiores dos EUA, e que afligem o resto do mundo por contágio, não será resolvido por esta Administração: falo de política económica e financeira que, penosamente, nos dias que correm, tem sido posta de lado nas discussões por muita gente esclarecida, inclusive pelo meu quadrante político.

Quanto ao Covid, aqui pela nossa República, ele tem sido pretexto para justificar as mais arbitrárias decisões a que temos assistido nos últimos anos. O Estado de Direito está a morrer. A Constituição já não serve para guiar a governação. Antes preferem estados de emergência que tornem possíveis medidas dantescas que, caso contrário, nunca poderiam impor num cenário constitucional... e entretanto, desde o início deste circo, mais de 90% das pessoas que morreram nesta Nação não tinham se quer coronavírus no seu organismo, embora, em honra do velho estilo demagógico, tenham decidido montar um especial Dia de Luto Nacional para essa minoria que padeceu de Covid (ou apenas com o vírus, pois não conhecemos, de facto, a distinção entre aqueles que falecem do vírus e aqueles que falecem com o vírus mas devido a circunstâncias que nada lhe dizem respeito) menorizando todas as outras mortes. Como será possível que os olhos da opinião pública se tenham fechado a esta realidade? Porque as pessoas, há vários meses, estão paralisadas pelo medo de morrer. A televisão não pára de jurar, a pés juntos, que esta é a mais grave pandemia desde a Gripe Pneumónica de há 100 anos, ignorando as inúmeras pandemias que, ao longo de décadas, têm inundado África, e ignorando o HIV que, até hoje, já provocou 30 vezes mais mortes que o coronavírus, muitas das quais, por acaso, foram em África. Sabe o leitor o que muitos dirão deste discurso (se é que o próprio leitor não tenha já essa cassete entranhada no sistema)? Uma retórica negacionista e perigosa, quase comparável ao mais vulgar racismo. Eu não estou minimamente preocupado com isso. Se me quiserem colar ao Bolsonaro e ao Trump, façam-no à vontade, pois tal só demonstrará a desgraça do vosso juízo. Aliás, até está na moda a Horseshoe Theory! "Os extremos tocam-se". A minha consciência permanece tranquila.

Entretanto, o nosso Chefe de Estado confunde-se com o Rei João V. Viu o leitor a entrevista do Presidente, na RTP, ao jornalista António José Teixeira? Pois, nem eu. Aquilo não foi uma entrevista. Na prática foi um monólogo e nenhum órgão de comunicação social se ergueu, em peso, perante aquela afronta. Mas ele lá segue todo sorrisos. No final de contas, ele sabe muito bem que nada lhe poderá tirar o segundo mandato, ainda que ele afirme que ainda não se decidiu quanto à candidatura para segundo mandato. Todos sabemos que a rotatividade do Presidente Marcelo vale para toda a gente excepto para ele, e quem não perceber esta referência, por favor, volte atrás no filme. E já que o Presidente da República está tão decidido em manter a unidade e a estabilidade - da mesma forma que ele afirmou que seria irresponsável chumbar o Orçamento de Estado (de forma subliminar, claro) passando por cima de toda e qualquer lógica da existência de um Parlamento - porque não suspender também as Eleições Presidenciais? Quanto a mim (ainda que isso não vá acontecer, espero) já estivemos mais longe desse cenário.

E afinal que é essa lenga-lenga da União Nacional ser o único caminho para resolver problemas nacionais? Estarão a afeiçoar-se aos princípios do Ventura? Terão esquecido que a Democracia também serve para criar sínteses a partir de pontos de vista muito diferentes e que a divisão de ideias também cria o Progresso? Ou a Democracia não se aplica a tempos de alegado aperto?

Quem isto escreve está farto das incongruências, omissões e contraditoriedades de muitos meses, e teme por esta República e por toda a Europa, que entretanto volta a ser atacada pelo fundamentalismo religioso do Islão. Cidadãos decapitados na via pública por motivo nenhum para além da barbaridade mais explícita. "Temos que ter atenção aos vários séculos de violência da Europa Cristã ante os países muçulmanos", afirmaram alguns. Claro que essas violências sucederam - e sucederam mutuamente -, todavia, tal não é justificação nem explicação para a violência a que temos assistido em França ou outras bem piores noutras partes do Mundo. A História não é um escudo de batalha que torne legítima a barbaridade. Todavia, apesar da barbaridade, este é agora um assunto menor comparado ao outro de gigante importância... o coronavírus, claro!

Até à vinda da vacina - e saber se a obrigam aos cidadãos ou não, e a que preço - vamos permanecer nesta encruzilhada infernal.

Quanto a mim, estou bem de saúde, obrigado, e não será, com certeza, graças a deus. Talvez um pouco mais cínico, mas, por vezes, os tempos fazem de um idealista um indivíduo desiludido, e por consequência um cínico, e também reconheço, contra mim próprio, que tal não é uma qualidade. Mas é aquilo que temos quando todas as hipóteses ao Hedonismo nos são compulsivamente barradas.

A quem leu isto do início ao fim peço desculpa pelo tom, mas quando aquilo que não tem sentido é apresentado como a mais fundamental razão, entendo que não deve haver fronteiras para a sua mais aguda crítica.