segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Legislativas 2019: Pessoas-Animais-Natureza

Foi com agrado que, nas Eleições Legislativas de 2015, recebi a primeira eleição, deste partido, dum deputado para Assembleia da República, tendo em conta que o PAN, não só é um partido recente, como também é um partido de reduzidos meios financeiros e logísticos, quando comparado com os partidos de grande dimensão. Claro que a minha felicidade não é cega. Teria recebido com pesar tal facto se tal tivesse vindo dum partido neofascista, mas o PAN não é um partido que apregoe tal ideologia, sendo sim um partido que, nos últimos quatro anos, trouxe à mesa da discussão pública questões que, até então, não passavam dos seus pequenos círculos ideológicos... e isso quando não eram consideradas meras trivialidades pouco dignas da discussão política nacional. Claro que, no que concerne aos avanços legislativos das propostas do PAN, o partido foi sortudo em 2015, uma vez que foi André Silva o deputado eleito - um homem que, sozinho, tem feito uma "barulheira" naquele parlamento. Já me deparei com pessoas que, de facto, se indagaram com este fenómeno: "Como é que um tipo só pode fazer tanto barulho?". E, neste aspecto, há que dar o mérito ao André Silva e ao seu partido no qual ele é o Porta-Voz. Mas antes das especificidades da prática política, é imperativo, como de resto tenho feito nos textos anteriores (o melhor que pude, talvez, tendo em conta que não quero fazer destes textos demasiado massudos, apesar de, para alguns, como avisei no início, serem indigestos), abordar a corrente ideológica por detrás do PAN.
Aqui é duplamente oportuno usar o termo "ideologia", devido ao facto de André Silva ter declarado o PAN como um partido pós-ideológico. Logo aqui vejo o primeiro grande problema com este partido, porque, no meu entendimento da sociedade humana contemporânea, não existe tal coisa como um movimento pós-ideológico. Pós-ideologia faz-me sempre lembrar de Pós-Modernismo - uma corrente filosófica recente que, não só anunciou o Fim da História e o derradeiro e eterno triunfo do Capitalismo sobre todas as demais formas de civilização, após a desagregação da União Soviética, como também introduziu estilos de arte que, por vezes, me sinto obrigado a classifica-los como produto da preguiça. Um partido pós-ideológico é um partido que se considera, num plano de evolução, para lá das correntes ideológicas que se espalham pelas várias formas de pensamento do nosso mundo. É um partido que se alheia ao confronto de ideias entre Socialismo e Capitalismo. É um partido que considera que isto de Direita e Esquerda é nada mais que uma distracção daquilo que é o foco da questão. Um partido pós-ideológico, como o PAN se afirma, considera que a sua agenda política está para lá da ideologia. Muitos poderão considerar esta minha reflexão, sobre esta declaração de André Silva, uma trivialidade pouco digna de atenção, mas não é. À frente concluirei porquê. Mas deixarei esta questão, por agora, assim: Não há tal coisa como partido pós-ideológico. Deve-se desconfiar de qualquer entidade que se afirme como tal. 
Voltando à ideologia que move o PAN. No plano social é um partido libertário, que integra movimentos LGBT nas suas fileiras e que apresentou uma proposta de lei, na AR, de legalização da eutanásia. No plano filosófico-cultural, é um partido que valoriza a vida das restantes espécies biológicas em igual medida da sua valorização da vida dos seres humanos. É um partido que procura uma maior harmonia entre a vida civilizacional e a vida dos ecossistemas, e que rejeita, veemente, qualquer forma cultural que atente contra a vida de outras espécies, nomeadamente, os espectáculos tauromáquicos. No plano económico, é um partido que, pondo a discrição de forma simples e sucinta, tem fé no Capitalismo Verde. Claro que será injusto classificar o PAN como um partido neoliberal, uma vez que, atrevo-me a dizê-lo, amiúde entra em campos sociais-democratas (não é por acaso que André Silva sentiu necessidade de dizer que o PSD não é social-democrata). Claro que o cavalo de batalha deste partido é a defesa do ambiente e o combate às alterações climáticas, provocadas por largas décadas de poluição mundial, e é um estandarte - juntamente com a defesa dos animais - que aglomera todas as demais causas deste partido, que também entram nos planos concretos da Economia, e que, geralmente, não recebem a devida atenção, nem das pessoas, nem dos Media. Em todo caso, uma particularidade do PAN, quando comparado com outros partidos ambientalistas - e particularidade essa que serve de fissura definitiva entre mim e este partido -, é que o PAN quer fazer frente à Emergência Climática sem fazer frente ao próprio paradigma civilizacional: o Capitalismo. O PAN quer erguer uma sociedade mais protectora do ambiente - criticando, e muito bem, o productivismo/consumismo desenfreado e a economia extractivista - sem mudar as bases económicas e os alicerces do sistema financeiro que regem a nossa sociedade. Eu, assim como outros partidos ambientalistas que se guiam por um programa Eco-Socialista, não acredito que seja possível combater uma coisa sem enfrentar a outra. E é este o argumento que comprova que o PAN não pode ser pós-ideológico.
Quando ao que se tem passado ao PAN, nos últimos quatro anos, e quanto à pessoa do seu único deputado. A vaga de indignações contra o PAN por parte da Sociedade Civil tem sido vasta e incessante, ora tenha sido por causa das touradas, ora por causa da dieta vegetariana, ora porque os críticos consideram o PAN, sobretudo, um partido animalista (signifique isso o que significar). E não têm sido críticos quaisquer. Figuras tão distintas no país como Miguel Sousa Tavares - que lhes chamou "urbano-depressivos" - e Manuel Alegre - cuja polémica eu tive oportunidade de abordar no meu texto "Cavalgadura Literária" - sentiram necessidade de arremessar farpas ao PAN. Há quem considere que o PAN é um empecilho para várias áreas de interesse económico em Portugal - como a caça ou a agricultura intensiva - e eu até posso perceber porque é que há portugueses que detestam o PAN acima de todas as outras coisas (portugueses, tanto de Direita ou de Esquerda), mas o que eu nem posso entender é como podem comparar o PAN com Totalitarismo e Fascismo. Mudar estilos de vida pelo bem comum do Futuro e pelo bem da Natureza não é nenhuma forma de Pensamento Único ou de extinção da Democracia. Quanto a André Silva não há muito mais a afirmar. É um homem incisivo, determinado, confiante, bom debatedor, altamente informado sobre os temas que envolvem as suas causas estandarte. Mas claro, não é o único membro do PAN digno de menção. Também o recém-eleito eurodeputado Francisco Guerreiro é uma mais valia dentro do partido.
No que concerne ao dia 6 de Outubro, este vai ser um dia de vitória para o PAN. Várias figuras notórias da Nação vieram a público revelar o seu apoio ao jovem partido, umas mais surpreendentes que outras, como exemplo é o Historiador e Professor Catedrático João Paulo Oliveira e Costa. É provável que aumentem o número de deputados para 5 ou 6. O que tem algo de surpreendente, tendo em conta o achincalhamento mediático - e redes sociais também contam - que tiveram de suportar ao longo de quatro anos.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Legislativas 2019: Partido Socialista

Quando sucederam as Eleições Legislativas de 2015 e o PSD triunfou, embora com uma maioria relativa, a Direita não suspeitava que o XX Governo Constitucional fosse durar tão poucas semanas. Esse foi, aliás, o mais curto Governo na História de Portugal, fora as atribulações e convulsões que marcaram a I República, e um ou outro Governo da Monarquia Parlamentar. Também a síntese desta pequena crise política era imprevisível. Acontece que António Costa arranjou forma de fazer históricos acordos parlamentares com o PCP e o BE, tornando-se assim, enquanto Secretário-Geral do PS, Primeiro-Ministro da República. Estes acordos parlamentares, que lhe tornaram possível uma maioria parlamentar que lhe aprovasse quatro Orçamentos de Estado entre 2015 e 2018, ficaram conhecidos como "Geringonça". Ora, o termo, para além de infeliz e estruturalmente incorrecto, tem também um mau nome uma vez que foi Paulo Portas quem o cunhou, na Assembleia da República, em 2015. É estruturalmente incorrecto porque, na verdade, não há Geringonça nenhuma. O que existe são acordos parlamentares bilaterais entre o PS e o PCP, e entre o PS e o BE. Embora o PCP e o BE tenham imensos aspectos de convergência, as divergências entre estes dois partidos de Esquerda são cada vez mais acentuadas, devido a razões que ainda hei-de abordar. Em todo caso, o PS, o PCP e o BE nunca se sentaram os três na mesma mesa, como se o que houvesse na AR fosse uma espécie de maioria absoluta sob forma de triunvirato. E, portanto, se há Governo minoritário do PS, António Costa pode agradecer todos os dias ao PCP e ao BE.
Quanto ao passado histórico deste partido que se afirma socialista. Bem, é precisamente aí que começam e acabam os problemas com este partido. O PS foi fundado por exilados portugueses na Alemanha, resistentes ao Fascismo, entre eles Mário Soares, em 1973. Contudo, as raízes do partido podem recuar ainda mais, a um já esquecido passado marxista. O próprio Soares foi um dia um socialista marxista, a filosofia deixou de o convencer, contudo, e este passou para uma abordagem mais social-democrata do Socialismo, e o mesmo fez o próprio PS. Afirmo que este partido teve sentido no nome só durante a primeira década em que existiu, após isso, como um dia disse Jerónimo de Sousa, "Mário Soares meteu-o na gaveta, António Guterres fechou-o a sete chaves, e José Sócrates fugia dele como o Diabo foge da cruz". É uma excelente forma de resumir o que aconteceu ao Socialismo neste partido. 
O Socialismo baseia-se na: valorização de salários e protecção laboral da Classe Trabalhadora; na possessão, por parte do Estado, dos maiores e mais cruciais sectores da Economia; na Justiça Fiscal; na não subordinação a sistemas neoliberais externos ao Estado-Nação; na promoção da liberdade social, independentemente de qualquer dogma moral ou religioso. Nos tempos actuais, depois da ideologia ter sido complementada pelo surgir do Marxismo, durante o Século XIX, o fim do Socialismo é - através da justa redistribuição da Riqueza do Estado - o estandarte da Classe Trabalhadora na Luta de Classes. Claro que, desde aqui, o Socialismo pode ser encarado de diferentes formatos, especialmente no que à práxis concerne. Há Socialismos mais conservadores ou mais libertários, tal como os há mais ou menos agnósticos, ou mais autoritários ou mais democráticos, e escusado será dizer que, dentro do próprio Socialismo, as cisões e contendas entre socialistas foram e são imensas. O problema com o PS - assim como é problema do PSOE, de Espanha - é que negligenciou toda e qualquer forma de Socialismo, preferindo antes desviar-se para uma Social Democracia muito pouco convincente (mais uma espécie de Liberalismo centrista) na fase de Mário Soares, ou, muito pior, fazer um desvio para o Neoliberalismo quando o falso-socialista Sócrates tomou o Governo. 
Claro que devemos à acção executiva do Governo de Soares um Serviço Nacional de Saúde (e isso é dizer muito), mas só isso não chega para um partido que se diz socialista com mais de 40 anos. E claro que me podem acusar de falta de intelectualidade por eu pôr o Sócrates na gaveta neoliberal, no final de contas ele promoveu imenso investimento estatal. Mas eu devolvo da seguinte forma: E as parcerias público-privadas (introduzidas por Cavaco) de que Sócrates gostava muito? E o que estava preparado no PEC IV? É verdade que o PS - ou uma parte dele - sempre procurou estar na vanguarda da promoção das liberdades sociais, e também é verdade que o PS sempre salvaguardou a laicização do Estado, mas não chega. Sendo só estas as convergências reais com a ideologia, fica-se, assim, muito aquém do Socialismo.
Quanto ao que se passou nos últimos quatro anos. Houve aspectos positivos, como exemplo é: a tímida subida do salário mínimo; a redução de impostos directos - mas acréscimo dos indirectos que, dadas as circunstâncias em que foram implementados, no tabaco, nas bebidas açucaradas e nos combustíveis fósseis, têm sentido -; e a balança orçamental do Estado atingir um superavit, dando margem para a Dívida Pública ser abatida (apesar desse superavit ter sido atingido graças a baixos investimentos estatais, mantendo a Saúde e a Educação em estado de grande necessidade como quase sempre teve neste país). Mas, apesar disto, na essência, os problemas estruturais de Portugal, cuja Constituição da República prometeu resolver em 1976, após a queda do Regime Fascista, continuam por resolver. Nem se quer uma progressão para uma Social Democracia - onde os salários da Classe Trabalhadora têm dignidade, onde a Saúde e a Educação são um direito e não um privilégio, onde há disciplina nos órgãos da República, onde o Estado têm uma intervenção vigilante no sistema económico e financeiro - foi feita. Bem que pode ter havido uma convergência histórica, na AR, entre o PS e dois partidos de Esquerda, mas o passo que se deu continua a ser modesto, se queremos atingir uma sociedade mais justa.
Em última análise, a pessoa do Primeiro-Ministro de Portugal. António Costa, na AR, foi dos melhores debatedores em quem eu tenho posto os olhos em cima, nos últimos tempos. É um homem dotado de grande inteligência, com grandes capacidades de negociação, e claro, tem um lado muito manhoso e, por vezes, hipócrita. As ofensivas que ele, enquanto Chefe do Governo, protagonizou, contra os professores e os motoristas em manifestação e greve, que clamavam por melhores salários e condições laborais, foi algo bastante lamentável de se ver. Para mim, o ponto mais baixo foi mesmo quando, após uma primeira situação em que o Parlamento aprovou a contagem total do tempo de serviço dos professores, Costa ameaçou demitir-se, tentando fazer um pouco de chantagem política. Bem, na altura, deu resultado porque a Direita, curiosamente, voltou atrás. Claro que, quanto a mim, a requisição civil decretada durante a greve dos motoristas de matérias perigosas foi um boicote à greve e uma autêntica anedota nacional, e também representou uma situação lamentável protagonizada por António Costa. Indivíduo inteligente mas altamente manhoso.
O que espera o PS nas Eleições de 6 de Outubro é também bastante claro. Um resultado próximo da maioria absoluta, necessitando só de um único partido para ter um acordo parlamentar que dure mais quatro anos.

sábado, 21 de setembro de 2019

Legislativas 2019: Partido Social Democrata

De entre todos os partidos que concorrem às Eleições Legislativas deste ano, duvido que haja partido, cujo nome traga mais confusões ao eleitorado ideologicamente informado, do que o PSD. No seu passado fundador, logo após o 25 de Abril, fundação essa liderada por Francisco Sá Carneiro, o nome era Partido Popular Democrático (PPD). As bases ideológicas do partido eram, essencialmente, moldadas segundo o pensamento político de Sá Carneiro - base socioeconómica fiel à Social Democracia histórica, e base filosófico-cultural fiel ao humanismo cristão. Na verdade, Sá Carneiro era uma figura central, de tal forma carismática, na imagem do partido - por consequência da sua oposição ao Regime Fascista, da sua destreza política, e da sua vasta intelectualidade - que muitos só se tornaram militantes do PPD por causa daquele ser o partido de Sá Carneiro. Rui Rio, o actual Presidente do PSD, é um dos que afirma tal coisa, e confesso que não o posso criticar de forma alguma, nesse aspecto. Durante o tempo que Sá Carneiro foi Primeiro-Ministro de Portugal (1980), após ter ganho as eleições em coligação com partidos de Direita (CDS e o Partido Popular Monárquico), houve não só uma abertura para discussões sociais que até então eram tabu na sociedade portuguesa - como a legalização da homossexualidade, que se concretizou eventualmente em 1982, com a revisão do Código Civil - mas houve também um grande reforço no Estado Social, apoio ao estabelecimento dum Serviço Nacional de Saúde (fundado nesse ano, antes das eleições), considerável investimento público, e reformas agrárias no Alentejo que, embora haja quem isto conteste, se poderão considerar de Esquerda. Devo assinalar que este Governo foi também o primeiro em Portugal a ter uma consciência ecológica e ambiental, por influência, talvez, do Engenheiro Gonçalo Ribeiro Telles, que era, então, o líder do PPM.
Sinto também que, antes de avançar para tempos mais actuais, devo fazer uma menção à questão da relação entre o Socialismo e a Social Democracia do PPD. Graças às Fontes Historiográficas, é inegável que Socialismo fazia parte do léxico do PPD e do seu Presidente. Não um Socialismo como eu o defendo, possivelmente. Há muitas interpretações para o caminho socialista, umas mais retrógradas que outras. O Socialismo, como conceito presente no glossário da Social Democracia clássica, representa uma ferramenta para anular as feridas causadas pelo Sistema Capitalista, através de uma grande intervenção do Estado na Economia, por vias reformistas e não revolucionárias, de modo a criar uma sociedade mais justa e igualitária. O PPD e Sá Carneiro regiam-se por isto de tal forma que José Miguel Júdice acusou o CDS, de Freitas do Amaral, de se estar a desviar à Esquerda. Aliás, Júdice, que para mal da sociedade tem tido tempo de antena exclusivo durante 40 anos, até aos dias de hoje, discorda completamente de mim quanto ao relação que existe entre o Socialismo e o PPD... ou eu é que discordo dele. No seu livro, escrito dois anos após a morte de Sá Carneiro, "O Pensamento Político de Sá Carneiro e outros Estudos", ele afirma não só que a Social Democracia clássica tem como objectivo guiar o modelo a um "Liberalismo avançado", como também afirma que a única razão que levou o PPD, nos seus primeiros anos, a usar o termo Socialismo foi por mera conveniência política. Afirma ele que a situação eleitoral se vivia de tal forma que era impossível um partido ter sucesso eleitoral sem ter Socialismo no glossário. A isto eu chamo manipulação da verdade e revisionismo histórico. As práticas e a História falarão sempre mais alto. De qualquer dos casos, um dia destes ocuparei o meu tempo a dedicar um texto à pessoa do José Miguel Júdice.
Na essência Sá Carneiro está entre os últimos dos sociais democratas neste país. Um cristão que não era dogmático - aliás, os seus planos de divórcio e algumas das suas visões progressistas trouxeram-lhe achincalhamento político e problemas com a Igreja Católica - e um defensor do Estado Social com uma mentalidade personalista. Mas, como julgo que devia ser do conhecimento geral, há um PSD da era social democrata, e um PSD pós-Sá Carneiro.
Após a morte prematura e estranha de Sá Carneiro - tragédia essa (Caso Camarate) à qual dedicarei um texto em Dezembro do próximo ano - demorou apenas 5 anos que o partido fosse absolutamente sequestrado pelo Conservadorismo Social e pelo Neoliberalismo económico. Alguns dos autores desse sequestro são precisamente José Miguel Júdice e Aníbal Cavaco Silva. O pior é que não foi só o partido que foi sequestrado, o eleitorado do partido veio a reboque. Poucos debandaram, mas muitos, cegos ao facto de que o PSD só já mantinha a Social Democracia no nome, mantiveram-se nas fileiras. Reitero que não foi necessário André Silva e Catarina Martins - duas pessoas pelas quais tenho grande respeito - dizerem que o PSD já não respeita a ideologia que o fundou. Eu já cheguei a essa conclusão há anos, modéstia à parte.
Muita da História política recente da República Portuguesa, pelos piores motivos, afunila num nome: Cavaco Silva. Os 10 anos de Cavaquistão (1985-1995) marcaram Portugal com uma política gémea à Administração de Ronald Reagan e ao Gabinete de Margaret Thatcher, baseada em: privatizações de sectores da sociedade, e do Estado, importantíssimos; intentonas contra as forças sindicais e a Classe Trabalhadora; disseminação dum Catolicismo dogmático (devo lembrar que foi o Governo de Cavaco que impediu que o livro " O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de José Saramago, ganhasse um Prémio Europeu), aliado ao Pensamento Único e Acrítico; esbanjamento de fundos importantíssimos que deveriam ter sido canalizados na Educação e na Saúde, e que acabaram por cair em obras desprovidas de sentido - como a construção de três auto-estradas entre Lisboa e Porto -, entre outras maleitas que o Professor Cavaco nos legou. A História do PSD que a seguir se seguiu é um espelho deste sequestro. Uma sequência de líderes seguiram a Cavaco Silva, como Durão Barroso, Santana Lopes e Pedro Passos Coelho, que nada mais fizeram que seguir as passadas do padrinho da investida neoliberal nesta República.
Mas abordemos então o caso actual, sobre a liderança de Rui Rio. No meu ponto de vista, o estilo retórico e, se quisermos, estético, de Rui Rio, é em muito diferente daquilo que têm sido os líderes do PSD dos últimos anos. Talvez por influência da sua veia nortenha (curioso que Sá Carneiro também era natural do Porto), Rio tem uma forma de actuar consideravelmente genuína e honesta, não estando preocupado em ter uma rígida e imutável figura de Estado. Talvez, por consequência da sua franqueza, e também das suas claras críticas à comunicação social, Rio tem coleccionado grande animosidade por parte dos Media, que não têm prestado grande credibilidade a Rui Rio. Vale a pena afirmar que Rio tem experiência política, não só como ex-deputado - cargo no qual ele não tem interesse, como já afirmou - mas também como Presidente da Câmara Municipal do Porto. Rio, aliás, tem a característica interessantíssima de reunir mais opositores propriamente ditos, junto dos barões do partido dele, do que com os seus adversários extra-partidários. Há quem diga que é o lobby de Lisboa, há quem diga que são os sinais do cataclismo no PSD. Eu confesso que, numa altura, tive esperança que o Rio desviasse o PSD para a Social Democracia. Quando foi a última vez que um Presidente do PSD disse, afinal, que o partido não era de Direita? Sá Carneiro, precisamente! Mas foi, confesso, uma esperança altamente ingénua. No máximo, talvez, haja um afastamento do jugo do CDS, mas por outro lado algo me diz que a actual presidência no PSD não vai ser longa. Eu não sou fã do Rio, mas não tenho animosidade por ele, como tenho para com Passos Coelho, Paulo Portas ou, sei lá, Marques Mendes. Diria até que gosto mais de Rui Rio do que do Presidente da República (um barão rebelde do PSD que já há muito me tirou do sério). Mas o programa do PSD continua assente nas premissas que têm orientado o partido nos últimos 30 anos, e a Social Democracia continua em diáspora neste país, dispersa por vários cidadãos, instituições e partidos mais pequenos que o PSD.
O resultado do PSD? Vai ser dramático, trágico, como nada que alguma vez tenha acontecido. O resultado que o PSD terá nestas eleições reforçará em níveis gigantescos o PS e abrirá, num futuro próximo - quem sabe - caminho para formas mais vincadas e conservadoras de Direita.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Legislativas 2019: Centro Democrático e Social/Partido Popular

Introdução a este endeavour: Antes de me atirar de cabeça à tarefa que me aguarda no resto do mês - depois de um mês de hiato, dedicado à reflexão, ao divertimento e à leitura -, e que terminará antes de 6 de Outubro, tarefa essa que consiste em correr os partidos da Assembleia da República, duma ponta à outra, fazendo uma pequena (espero eu) análise histórica e actual de cada um desses partidos, notifico que nenhum destes textos procura o máximo rigor politológico, nem procura escamotear as minhas convicções ideológicas no quadro da interessantíssima política portuguesa. Não obstante a parcialidade (imparcialidade é uma utopia) destes textos (e julgo eu que, quem me bem conhece, sabe o quanto isto é óbvio), este será um trabalho que terá sempre em conta os factos. Com isto também não estou a dizer que cada frase escrita seja um facto incontornável, vamos ter calma, nem perto. A ordem cronológica dos textos será apresentada num estilo idêntico àquele que eu usava, quando era muito mais novo, à refeição, durante o prato principal: começava por aquilo que gostava menos e terminava naquilo que gostava mais. Aplicando este método avançadíssimo, deixo a Esquerda para o fim. Aviso também que, num momento ou outro, não prometo que estes textos não sejam indigestos para determinados leitores, da mesma forma que acho indigesto ouvir o José Miguel Júdice à hora do jantar. Vamos a isto!

Francamente, é um nome muito pouco interessante ou esclarecedor para se dar a um partido. Será que é essa a intenção? Nada no nome do partido sugere o espectro político ou a orientação ideológica do mesmo, algo que sempre achei altamente irritante em certos movimentos políticos. Mais, o nome deste partido, CDS, mente, mas mente mal. Alega ser do Centro quando os seus militantes e eleitores querem estar o mais longe dessa zona do Espectro, e claro, é senso comum saber-se que o CDS é de Direita. É, aliás, o partido mais direitista na Assembleia da República. Do ponto de vista económico é um partido que procura o formato mais Liberal possível dum Sistema Capitalista, sendo um acérrimo defensor do mundo das Corporações económicas, e por conseguinte, da privatização da Economia. É partido que, apesar daquilo que pode alegar hoje em dia, nunca esteve minimamente preocupado com as questões ecológicas e ambientais. Do ponto de vista social, é um partido claramente conservador com um passado - recuando ao século XX - de intolerância a ateus e homossexuais, por exemplo. O campo social conservador do CDS está assente nos valores da tradicionalista família. No campo cultural e filosófico, é um partido totalmente imbuído no Catolicismo e tudo o que tal significa, com algumas amenizações ideologicamente instauradas com a vinda do século XXI, mas não muitas. Sejamos francos, já começava a parecer mal um partido do status quo defender certas excentricidades de pensamento, mas ainda têm um longo caminho a percorrer. O cavalo de batalha continua galgando contra o "perigo" da autodeterminação da identidade de género, o aborto, e a eutanásia, ou como tal deputada idiota deste partido disse em tempos no Parlamento, "homicídio a pedido". Colocando tudo isto numa concha, o guia ideológico do CDS é a Doutrina Social da Igreja, trazida, primeiramente, pela encíclica Rerum novarum publicada em 1891 pelo Papa Leão XIII, que, para além de estabelecer as bases que iriam determinar as frentes de batalha da Igreja Católica nos tempos modernos - oposição ao Liberalismo, ao Feminismo, ao Socialismo, ao Comunismo, à Social-Democracia, ao Modernismo, ao Hedonismo, à Contra-cultura - tenta sugerir que é uma encíclica anti-capitalista. Claro que hoje sabemos que isso é mentira. Claro que hoje sabemos que o CDS, em pleno direito, é um partido pró-capitalista. Como dizia um cartaz que vi na altura das Eleições Europeias, com a cara do Nuno Melo: "Aproveitar bem o dinheiro da Europa".
A história eleitoral do CDS na Assembleia da República é irregular, tendo tido baixos e altos, e tendo, inclusive, constituído governos de coligação. Teve dois líderes, bastante relevantes na História Política portuguesa recente, e que, creio, tinham a característica comum de darem o dito por não dito. Falo com certeza de Freitas do Amaral e de Paulo Portas. Quem pode esquecer as declarações de Freitas, durante as Presidenciais de 1986, em que afirmava que não era de Esquerda ou Direita?! Houve gente que foi nessa cantiga, daí os 48%. Também ninguém pode esquecer o episódio irrevogável de Paulo Portas, em que no XIX Governo, saiu pela porta das traseiras, deixando a pasta dos Negócios Estrangeiros (a cheirar a submarino trafulha, possivelmente), e entrou pela porta grande - apesar de tal coisa ter sido dada como irrevogável pelo próprio - como Vice-Primeiro Ministro. Voltando aos Governos de Coligação, o mais recente foi com o PSD no XIX Governo Constitucional, entre 2011 e 2015. (Sim, estou a omitir o que veio a seguir, mas o que interessa, nem tiveram tempo de desfazer as malas. O XX Governo terminou num instante, e havia um Ministro da Administração Interna que metia medo ao susto chamado João Calvão da Silva). No que a sondagens concerne, há 4 meses que não há uma firma de sondagens que dê mais de 7% ao CDS, e uma vez que o PSD de Rui Rio não tem a mais ténue vontade de, por enquanto, fazer acordos formais com o CDS, quer-me parecer que a coisa vai ficar por aqui. Quanto ao eleitorado regular do CDS, este é constituído, essencialmente, por cidadãos com pequenos ou grandes terrenos agrícolas, cidadãos altamente católicos e conservadores, quer seja de classe burguesa ou trabalhadora, cidadãos um pouco saudosistas dum Portugal mais virado para o 24 de Abril, ou então por cidadãos, que na contenda entre o Estado da República e as Grandes Empresas, no Campo de Batalha da Economia e Finança, torcem pelo Big Business e pelo Mercado sem lei.
Abordando a cara do partido nestas eleições, esta pertence a uma senhora, advogada de profissão e doutorada de formação, ex-Ministra da Agricultura e do Mar, denominada Assunção Cristas, que, recentemente, também tentou bater Fernando Medina na corrida à Câmara de Lisboa. Assunção Cristas é a típica figura política da qual esperar algo de extraordinário de nada serve. É uma oradora medíocre, é uma comunicadora aborrecida, é uma debatedora péssima - não durava 10 minutos com o Hitchens - e alguém cujo percurso político é muito pouco admirável, sendo que a sua estadia da citada pasta (em cima) foi, factualmente, curtamente vivida por razões de natalidade. Valerá a pena assinalar alguma hipocrisia que rodeia a figura da Doutora Cristas. Quem pode negar as vastas campanhas do CDS a favor da vastíssima plantação de eucaliptos - uma árvore altamente inflamável, muito plantada, contudo, devido à sua grande rentabilidade no plano do Capital - por esta Nação fora, e que tornou Portugal num autêntico monte de lenha? É neste cenário que Cristas veio, à laia dos Incêndios, criticar a Esquerda devido à excessiva existência de eucaliptos na floresta portuguesa, curioso, todavia, que foi a mesma Assunção Cristas que, aquando da sua estadia ministerial, passou um decreto-lei, em 2013, permitiu a liberalização da plantação do eucalipto. Quanto a mim, são estes actos que dizem muito sobre um governante. Não podia também deixar de fora o momento, há uns dias, num debate promovido na SIC Notícias, quanto questionada sobre o porquê do CDS ter promovido a petição pública contra a lei de protecção de jovens transgénero, e qual sua posição relativamente a tal assunto, Cristas ter, com a maior determinação, evitado responder ou abordar a questão. Por falar em dissimulação...  Assunção in a nutshell!
No presente momento, o CDS detém 18 deputados na Assembleia da República. Ou muito me engano, ou o que acontecerá a este partido católico será: manter, descer um máximo de dois deputados, ou subir um máximo de dois deputados, devido ao número que poderá recolher dos deputados perdidos pelo PSD (mas esse é o capítulo seguinte). Mas, para o CDS, no dia 6 de Outubro, nada irá mudar muito. Todavia, o que realmente poderá mudar, após estas Legislativas, será uma mudança de liderança, no futuro próximo, dentro do CDS, por uma opção ainda mais desviada à Direita, dirigida pela TEM (Tendência Esperança em Movimento), uma facção altamente desagradável dentro do partido, que, tendo ímpeto, poderá significar o verdadeiro advento da Alt-Right e dum lusitano Tea Party na República Portuguesa.